Capítulo 22: "O amor pequeno se mostra grandioso nas catástrofes; o amor grande se prova todos os dias nas coisas pequenas." (Confúcio)
Capítulo 22
Morrendo??? Como assim???
O baque não podia ter sido maior. O chão sumiu de meus pés e uma tristeza imensa me invadiu de forma assustadora.
- Como?! - foi tudo o que consegui dizer abobada. - Não acredito no que você está dizendo!
Guto se levantou e, com as duas mãos, ajeitou os cabelos lisos que teimavam em lhe cair sobre os olhos. Esse gesto ele só fazia quando estava muito feliz ou, muito triste.
Seu suspiro foi profundo e, então, ele se encaminhou para o escritório.
Fui atrás, claro. Ele se sentou e eu também, ao seu lado.
Lágrimas invadiram meus olhos, sentia-me frágil e não podia acreditar naquilo que meu irmão acabava de dizer.
- Você só pode estar brincando. Guto! Por favor... - falei com voz quase sumida e molhada.
- Maninha, - ele pegou minhas mãos. - Então você acha que eu ia brincar com uma coisa tão grave?
Guto também estava arrasado.
Olhei para ele e vi o quanto estava sofrendo. Talvez até mais do que eu, uma vez que sempre foi muito companheiro de papai. Lágrimas brilhavam em seus olhos também... assim não resisti e caí num choro compulsivo.
Quando ia imaginar que o "todo-poderoso" Norberto Siqueira Campos fosse mortal como nós? O baque daquela notícia e a descoberta de que amava meu pai - mais do que eu própria imaginava - tiravam-me as forças completamente, e durante uns quinze minutos, ficamos ali, eu e Guto, remoendo nossa tristeza, nossa impotência diante da única certeza da vida: a morte!
Guto, em silêncio, apenas enxugava minhas lágrimas e, de vez em quando, beijava meus cabelos. Eu era só tristeza. Quando as lágrimas começaram a rarear, levantei-me e caminhei até a enorme janela que dava para o imenso e bem cuidado jardim da mansão. A noite caía com seu manto escuro e não havia nenhuma estrela no céu.
- Papai sabe? - minha voz saiu angustiada.
- Sabe. - foi a resposta curta de Guto que, juntou-se a mim e ficou espiando a noite através da janela. - Mas não queria que você soubesse.
- Por quê? - perguntei já sabendo a resposta.
- Ele te considera frágil demais, Val.
Suspirei e fechei meus olhos.
- E você? Quando ficou sabendo?
Guto se afastou da janela e hesitou antes de me responder.
- Uns dias antes de você ir para a Europa.
Olhei assustada para meu irmão.
- Como assim?! Isso já tem mais de...
- Dois meses! - Guto completou.
- Não acredito que você não me disse nada, Guto! Por quê? Sou tão má filha assim?!
- Claro que não, Valentina! - ele me olhou nos olhos. - Lembra que eu disse que precisávamos ter uma conversa?
Tentei buscar na minha mente essa lembrança, porém...
- Não. Não me lembro.
- Mas eu te falei e disse ainda que seria depois que você voltasse. Eu não me perdoaria se você não fizesse aquela viagem...
- Augusto Terceiro! - exclamei e ele se assustou, pois só o chamava assim quando estava muito nervosa. - Você não tinha o direito de me esconder uma coisa tão grave como essa!
- Papai ainda estava fazendo alguns exames, Val! - disse jogando-se no sofá como um derrotado. - Eu... ele... nós tínhamos esperanças que não fosse tão grave! - sua voz sumiu.
Fui para junto dele e sentei-me a seu lado. Suspirei também.
- Roberto sabe?
Guto apenas balançou a cabeça num gesto afirmativo.
Suspirei novamente e, tomando fôlego, quis saber.
- Me diz, fale-me tudo... por favor!
Guto se levantou, caminhou até a mesinha com bebidas e, serviu duas doses de uísque puro, voltou, entregou-me um copo, sentou-se à minha frente na maciça mesinha de carvalho, tomou um gole de sua bebida para ganhar coragem e começou:
- Papai tem um tumor no cérebro!
- Meu Deus! - tremi enquanto ingeria um grande gole da bebida, que desceu ardendo pela minha garganta. - Mas deve existir tratamento para isso, não?!
Guto meneou a cabeça sem deixar de me encarar.
- É muito tarde para funcionar!
- Não pode ser, Guto! A medicina está tão avançada e papai tem tanto dinheiro. Poderia procurar os melhores especialistas do mundo e...
- E você acha que já não procuramos? - havia um tom meio raivoso na voz de Guto. Ele tomou o resto de seu uísque num só gole e se levantou.
- Quanto tempo, Guto? - temi fazer esta pergunta, mas foi quase automático... e um frio imenso tomou conta de mim.
- No máximo seis meses... - automática também foi a resposta dele, como se aquele tempo estivesse bombardeando seu coração e latejando em sua cabeça.
Levantei-me e, entre desesperada e inconformada, passei a caminhar de um lado para o outro.
- Não é possível! - resmunguei. - Não é possível. Tem que haver algum tratamento.
- Não estou contando os dias, filha! - a voz forte e poderosa de papai soou meio enfraquecida.
Surpreendidos, eu e Guto nos viramos para a porta e lá estava o todo-poderoso Norberto Siqueira Campos, parado à soleira da porta aberta.
Em meio ao nosso desespero e tristeza, não notamos sua presença meio encurvada, revelando sua fraqueza diante sua sentença de morte.
Papai aproximou-se de nós. Permanecemos mudos, sem saber como agir. Mesmo sem nenhuma força, esforcei-me para não cair em prantos e, muito sem jeito, fui ao seu encontro e o abracei.
- Só preciso ter certeza de que meus filhos ficarão bem e felizes. - abraçado a mim, papai fez um gesto para que Guto abraçasse a gente. E ele o fez e, assim, ficamos por uns longos minutos.
- Quando ia me contar, papai? - meus olhos estavam fixos nele.
- Não ia. - ele respondeu e olhou para Guto. - Não devia ter feito isso, filho. Sabe o quanto não queria deixar sua irmã preocupada.
- Ele só me contou porque insisti, papai. Não sou tão insensível assim. Percebi que havia algo... - olhei para ele - Será que não pensou que eu ia querer passar mais tempo...
- Ao meu lado? - sua voz era suave, sem qualquer ressentimento. Voz de PAI.
Baixei a cabeça envergonhada de não ter lhe dado mais importância em minha vida.
- Não fica assim, filha. Um dia todos teremos que partir. - com as pontas dos dedos, papai me vez encará-lo. - Por isso, minha princesa, quero que convide sua namorada... - havia tanta ternura no olhar de papai - Para jantar aqui em casa amanhã.
- Namorada? - isso saiu com tanta dificuldade. - Que namorada, papai?!
- Márcia, é claro!
Olhei assustada para Guto, que só deu de ombros, como quem não estava entendendo onde papai queria chegar.
- Papai... - comecei sem saber o que dizer, afinal Márcia parecia ter rompido comigo, e também tinha Marina que, mesmo sem saber direito o que estava acontecendo entre a gente, "quase" a considerava minha namorada. E como lhe dizer isso? - Bom...
- Eu sei, filha, eu sei. - ele cruzou as longas pernas. - Sei que até agora fui muito, digamos... conservador, mas você deve entender que para nós, pais, "esse tipo" de relação não é muito comum. Mas eu já admiti que julguei mal seus amigos, inclusive e especialmente, Márcia. Também devo um pedido de desculpas para essa menina...
- Papai, Márcia não...
- E não é porque estou morrendo, não... - ele me interrompeu com um gesto de mão. - De fato essa garota tem bom caráter e, por isso, é digna do amor de minha única filha. - Ele então sorriu. - Embora, bem lá no fundo, eu me sentiria muito orgulhoso de um filho seu, mas... nem tudo nesta vida acontece da maneira que sonhamos. De mais a mais, acho que agora não vai dar mais tempo mesmo.
Não havia nenhum traço de rancor ou revolta nas palavras de papai. Muito pelo contrário, havia traços de um humor que eu mesma não conhecia, ou pelo menos nunca tinha reparado.
E, diante dessas palavras tão sinceras e cheias de esperança, me calei. Aquele não era o momento para declarar meu amor por Marina, uma mulher que ele admirava. Também não era o momento de lhe dizer que, por conta de Roberto, Márcia havia rompido comigo.
Meu Deus! Como pode a vida dar tantas voltas em tão pouco tempo?
Há pouco eu acordava ao lado do grande amor de minha vida. Na verdade, não exatamente ao lado, mas com uma resposta positiva e repleta de esperança. Depois, minha melhor e única grande amiga, rompia comigo por causa da frieza e insensibilidade do meu irmão. E, para terminar, a descoberta da doença do meu pai.
Nossa! A vida, realmente, dá muitas voltas em pouco tempo!
Não dormi na mansão, embora papai e Guto tenham insistido muito.
Precisava pensar sobre tudo o que estava acontecendo e dormir seria praticamente impossível. Assim que o dia clareou, tomei um banho rápido e fui para o escritório sem tomar café.
Lá também não tomei. Não tinha fome.
Perto da hora do almoço escutei vozes vindo do corredor. Eram de Guto e Márcia. Por instantes quis levantar-me e ir atrás dela, mas fiquei onde estava.
Saí para o almoço às duas da tarde sem nenhum ânimo. A fome também não tinha dado as caras... mesmo assim esforcei-me para comer uma salada e tomar um copo de suco. Uma leve dor de cabeça começava a me incomodar. Engoli logo duas aspirinas, já que teria uma reunião importante com um novo cliente.
Na saída do restaurante, vi Márcia e Selma do outro lado da rua. Conversavam e pareciam animadas. Certamente haviam almoçado juntas. Selma, de lá, me deu com a mão e me mandou um beijo. Márcia só me encarou, depois desviou o olhar. Desviei também, sangrando por dentro. Estava precisando muito dela, mas não correria atrás.
Voltei para o escritório e perguntei por Guto.
- Seu irmão, Valentina, saiu para o almoço e não volta mais hoje.
- E Roberto? Já voltou de BH?
- Sim! Mas...
Não esperei o restante da resposta e me encaminhei para sua sala. Encontrei-a vazia.
Suspirei. Esperto ele. Na certa já sabia o que tinha acontecido comigo e Márcia e não queria me enfrentar, sabia que jamais faria algo diante papai, naquelas circunstâncias.
O negócio foi trabalhar o resto da tarde e, quando saí do elegante escritório do meu novo cliente, no centro da cidade, levava comigo um novo e polpudo contrato. Mais um cliente, mais um amigo.
Cheguei em casa e fui direto para debaixo da ducha forte e morna.
Enrolada numa toalha, coloquei uma torta de frango/catupiri no microondas e, então, liguei para a mansão.
- Boa-noite, Amélia.
- Boa-noite, menina! Que vozinha cansada é essa? - a voz estrondosa de Amélia soou reconfortante.
- É, estou cansada mesmo. - suspirei. - Papai está?
- Claro que sim e te esperando para o jantar.
- Hoje não, Amélia. Trabalhei muito e dormi muito mal a noite passada...
- Imagino, filha... - sua voz soou macia e tristonha.
Ela já sabia. E muito provavelmente papai foi quem lhe contou. E eu sabia o porquê: papai sempre confiou muito em Amélia e Haroldo. Confiança mais do que merecida, uma vez que eles tinham ajudado papai a nos criar.
- Agora, não deixe de comer. Lembre-se, saco vazio não para em pé! - lá vinha ela novamente.
- Eu sei, Amélia. - sorri para mim mesma. - Estou com uma torta no forno...
- Isso não é comida, menina! Isso é porcaria e...
- Amélia! - tive que interrompê-la, senão... - Por favor, deixe-me falar com papai, sim?
Depois de um silêncio ruidoso ela concordou.
- Claro! Claro!
- E, Amelia?!
- Sim!
- Dê beijos e abraços nas meninas por mim.
- Darei.
- Outros para você, mãezona. - Com isso eu amaciava de vez o coração bondoso e cheio de carinho por mim.
- Ora... ora... - ela resmungou sem jeito.
Papai choramingou um pouco, mas entendeu meu cansaço. Deu-me os parabéns pelo novo contrato e aconselhou-me a não ir tarde para a cama. Desejou boa noite a mim e a Márcia também.
É, não ia ser fácil falar com papai sobre os últimos acontecimentos.
Meu coração estava apertado, dolorido, sem forças e morrendo de saudades de Marina. Precisava tanto escutar sua voz pausada, calma, com aquele leve sotaque que só a deixava mais sexy...
Olhei para o celular: oito e quarenta da noite. Em Londres já era madrugada... mas não pensei muito... disquei seu número.
Um toque... dois... três... quatro...
- Hello?
A voz macia e suave soou sonolenta. Tremi.
- Marina? - minha voz quase não saiu.
Um silêncio.
- Valentina? - sua voz, agora, soou mais firme.
- Sou eu. - gaguejei. - Te acordei, né?
Sua voz pareceu-me chegar com um sorriso.
- Sim, mas não tem nenhuma importância.
Marina era a delicadeza em pessoa.
- Está tudo bem? - ela perguntou.
- Sim... não... quero dizer... - eu não sabia o que dizer, na verdade. Então me calei.
Depois de um pequeno silêncio, escutei-a falar, com tanta paciência e suavidade que lágrimas vieram aos meus olhos e minha garganta se fechou.
- Ei, minha menina! Vamos lá... o que foi que aconteceu? Não posso imaginar que já esteja com saudades... - ela brincou.
- É... - falei engasgada. - É saudades, sim. - suspirei.
- Mas eu saí daí não tem nem...
- Pois é... - falei tentando sorrir. - Você não acredita, mas me faz muita falta.
Depois de um pequeno silêncio ela confessou:
- Quase não consegui vir embora.
Outro silêncio.
- Mas, me diz... - ela resolveu mudar de assunto. - Fora a saudade, tem mais alguma coisa machucando esse coraçãozinho, não é?
Além de tudo, aquela mulher tinha uma sensibilidade fora do comum.
- Sim... - falei ainda engasgada. Seria tão bom estar em seus braços naquele momento. - Mas não quero falar sobre isso agora. Só liguei mesmo porque precisava muito ouvir sua voz...
Agora, o silêncio era uma aceitação momentânea, sabia bem disso.
- Está certo, minha princesa. Outra hora conversamos a respeito, certo?
- Sim.
- Já jantou? - Ela me perguntou e pude imaginá-la olhando para seu relógio e convertendo as horas para o Brasil.
- Não... ainda não.
- Está sozinha? - havia uma hesitação, mescla de ciúme, em sua voz.
- Estou. - sorri sentindo uma coisa gostosa no coração. - Ou melhor, não estou. Estou falando com a mulher da minha vida e sentindo ela tão presente no meu pensamento, no meu corpo... - posso jurar que ouvi sua respiração ganhar um outro ruído. Meu corpo no mesmo instante reagiu.
- Por mais que eu goste de saber disso, princesa... - sua voz, agora, tinha um tom rouco - Por favor, pare. Você nem imagina o quanto preciso dessa noite de sono e, só de imaginá-la aí... - ela gem*u. - Meu Deus!
Sem perceber, gemi só de imaginá-la com tesão por mim.
- Valentina, por favor! - ela suplicou do outro lado da linha.
Um silêncio tenso pairou sobre nós. Aquele clima íntimo, embora distante, mexia demais com nossos sentidos. Mas precisávamos nos controlar.
Puxei várias vezes o ar e Marina... também.
- Perdoe-me, Marina. - comecei. - Juro que não foi para isso que liguei.
- Eu sei, princesa, eu sei. - ela falou.
Mais um pouco de silêncio...
- Então tá... volte a dormir. - disse de supetão. - E eu vou jantar.
- Já vai me dispensar?! - reclamou brincando. - Agora você já me acordou mesmo!
- Pois é... - retruquei sem jeito. - Pode me perdoar por isso?
- Está perdoada. Posso te ligar amanhã?
- Deve! - respondi de imediato.
- Então, durma bem, minha princesa.
- Você também... - respondi já sentindo saudades. - Sonha comigo?
Ela riu como resposta. Depois me mandou beijos e desligou.
Por alguns segundos fiquei olhando para o fone em minha mão. A sensação que experimentava era a de estar muito próxima à ela, mesmo tendo um oceano a nos separar. E essa sensação já me deixava mais tranquila. Depois de comer, tentei assistir algo na TV. Mas a calmaria de Marina me relaxou tanto a ponto de me fazer ter uma noite melhor.
Apesar da tristeza que havia instalado em meu coração, pela doença de papai, acordei melhor na manhã seguinte e, enquanto tomava meu banho, resolvi que procuraria por Márcia e pediria sua ajuda e seu ombro. Afinal, nós éramos amigas sim! Sempre fomos e nunca ela me negara seu apoio quando eu precisava. Agora não seria diferente, tinha absoluta certeza disso.
Já no escritório, pedi para Eva desmarcar todos os meus compromissos daquele dia. A felicidade de papai era muito mais urgente e importante. Perguntei por Roberto e Eva me disse que, a pedido de papai, embarcou naquela manhã para Brasília.
Bom, minha conversa com ele também podia esperar. Apesar de querer muito ver o idiota de meu irmão, aquele tempo estava sendo até propício. Ao contrário de antes e pela primeira vez na vida, eu estava agindo de forma ponderada e adulta.
Santo Deus! Será que aquilo era... amadurecer?
Apesar de meus esforços em procurar por Márcia durante todo o dia, e muitos recados em seu celular, não tive sucesso. O jeito seria esperá-la na porta de sua casa e, foi exatamente o que fiz.
- O que faz aqui, Valentina? - a voz um tanto fria e muito surpresa de Márcia me fez perceber que eu estava a mais de uma hora, ali, sentada nos degraus de seu andar.
- Boa-noite para você também. - retruquei olhando-a nos olhos.
- Desculpa... - ela desviou o olhar. Depois, balançando as chaves de sua casa, caminhou até a porta. - É que eu não esperava encontrá-la aqui.
- Pois é... - levantei e me aproximei dela. - Deixei vários recados em seu novo escritório e também em seu celular.
Ela me olhou...
Apesar de estar com as roupas amarrotadas pelo dia de trabalho, Márcia ainda estava bastante elegante.
- Tive um dia cheio hoje. - suspirou cansada.
Abriu a porta e me convidou para entrar.
Caminhei até a janela e, abrindo a persiana, deixei a brisa fresca da noite entrar. Podia sentir Márcia andando de um lado para outro atrás de mim. Ouvi-a deixar as chaves sobre o aparador da entrada, acender o abajur, despir o casaquinho de linho tropical e jogá-lo sobre o sofá... Aspirei o ar perfumado que havia naquele ambiente, misturado com a brisa leve de início de noite. Meus pulmões reconheceram de imediato o velho perfume e meu coração apertou-se de saudades. Quantas vezes havia vivido aquele mesmo momento, naquela mesma sala...
Havia um silêncio inquietante entre nós.
Virei-me lentamente. Márcia estava parada, no meio da sala, me olhando. Com a penumbra provocada pela iluminação fraca do abajur, não conseguia definir o que se passava por trás do olhar profundo que ela me lançava. Mas eu sentia que dela vinha uma onda de amor misturada com uma vontade férrea de se manter a distância.
Meus olhos se encheram de lágrimas. Como pude magoar tanto uma pessoa tão especial?
- Eu... - tentei falar, mas minha voz rouca, pelo misto das emoções que me tomavam, falhou.
- Já estou sabendo de seu pai, Valentina! - ela me disse suave e, sinceramente, sentida.
- Como? - minha reação, é claro, foi de surpresa.
- Guto. - ela respondeu depois de me examinar por breves instantes. - Vem comigo para a cozinha. Estou varada de fome, não comi nada o dia todo.
Sentia-me presa ao chão e foi com muito esforço que consegui acompanhá-la.
- Sente-se enquanto preparo algo rapidinho para a gente... - de costas para mim ela mexia numa coisa ou outra.
- Márcia? - chamei-a suplicante.
Ela me olhou e, tão logo percebeu minha angústia, largou o que estava fazendo, aproximou-se e me abraçou. Então, desabei.
Fim do capítulo
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