Letting You Go
Pov- Delphine
Todos aprendemos a cometer erros para, no final, compreende-los ou fugir. É a suja natureza humana, vivemos correndo de algo, só nunca sabemos do quê, exatamente. Entretanto, perseguir fantasmas do passado, ou romances lânguidos e póstumos, é extremamente irresponsável. Conheça o alvo antes de mirar, e ao atirar, certifique-se de não deixar pontas soltas ou o coração mole. Ambos significam a mesma coisa, basta usar a imaginação.
Todo começo tem um fim, nós que teimamos em insistir em algo além, seja por saudade ou por maldade.
Seguir em frente e esquecer, há quem acredite em seus sinônimos, porém, desconfio que tais pessoas conheçam a dor de desamar alguém. Não lembro-me corretamente como o dilúvio ocorreu, uma hora estava tudo bem, na outra...assisti meu mundo desabar enquanto caminhei sonambula em cacos de vidro.
Ah! O destino é um amante ingrato, te apunhala por trás, mas te encara e depois sorri, como se nada houvesse acontecido.
Mal recordo o cheiro de Cosima, mesmo o encontrando em minhas roupas. Raramente reconheço meu reflexo no espelho, a mulher que observa meus atos é tão crítica, ela aponta meus defeitos, escurece a luz em mim, mas ela é nitidamente uma tola, e tanto eu quanto ela sabemos disto.
Sinto-me quase tão fria quanto uma onda de ignorância, a qual quebra no banco de areia da praia Inocência. A onda destrói ao quebrar, e após retornar, apenas as marcas e os desenhos apagados tornam-se fieis a um passado recente.
Cavar covas cobertas é tolice, todavia, o passado persiste, perseguindo memórias mínimas e mortas.
É a lei da vida, reviver arrependimentos ou momentos escritos na mente de quem sente arrependimento por não ter aproveitado o quanto deveria. Alguns nomeiam tal fenômeno de "Saudade", mas eu prefiro chamar de "Karma", soa melhor e faz mais sentido.
Ultimamente venho conhecendo a escuridão que transborda em mim. Estudei seus motivos, anotei seus horários e não atrapalho sua agenda. A depressão nunca falha, até mesmo quando finge sumir, sei que ela está lá, só esperando para atacar novamente. Eu deveria evita-la, trata-la, porém, metade de mim gosta do que ela causa, já a outra grita por socorro no vácuo de uma garrafa vazia.
Faz um bom tempo que não tenho um momento somente meu, e morar sozinha depois de anos dividindo o teto com outro ser humano, fornece tudo aquilo que não pensei sentir falta: a calmaria exagerada da manhã, o desfile nu quando a preguiça de se vestir invade, a bagunça intocável de uma desorganizada rotina, e, por fim, o descompromisso com a saúde. Lembro-me como Paul matava-me com sua preocupação, ou como Cosima fingia não ligar para minha má alimentação e bem-servidas taças de vinho. Sozinha sou quem quero ser, e não quem devo ser. A verdade é que, infelizmente, adoro sofrer, procuro motivos, desculpas para meu comportamento autodestrutivo.
Terminar com Paul foi complicado, porém na mesma medida, foi fácil. Não sinto falta de seus toques, beijos, risadas, porém...
...não ter Dra. Niehaus para atormentar minha tormenta é, como ela diria, "fodidamente foda". Entendo a ausência de sua culpa, nos afastamos por minha causa, eu nos destruí, eu perdi o bebê, foram minhas ações cruéis, meus múltiplos papeis, a vilã, a vítima e a mocinha. A atuação nunca existiu, os sentimentos foram reais, palpáveis e horripilantes, mas o cheiro de frutas podres quase não reside mais em mim, então estou presa em corrente de arrependimentos sem fim.
Livrei-me de todos meus travesseiros, pois à noite eu sempre encontrava um jeito de abraçar um deles, como se penas de ganso e seda fossem comparáveis à suavidade de uma pele cheirando à maça verde, com covinhas e pintas delicadamente desenhadas para desalinhar meu desiquilíbrio.
Já tornei-me incapaz de decifrar se Cosima sente minha falta, se ainda pensa em mim. Recentemente, ela age indiferente, até parece que me perdoou, mas não faz questão de questionar o que poderíamos ter sido. Eu admito, joguei tudo para o ar, entretanto garanto, não tive o controle, a compreensão ou a mínima atenção da destruição que cada uma de minhas ações ocasionaram. A onda recuou, preparou, atacou e logo retornou. Senti a angustia de estar afogando, mas não permiti auxilio nenhum. Não sou mulher suficiente para ter filhos, porém sou fodida mentalmente, ao ponto exato para não arrastar ninguém direto ao inferno no qual eu queria estar.
Novamente, não entendo como tudo, detalhadamente, aconteceu, mas eu a observo sorrir, e como este sorriso faz bem para mim. Mesmo quando não mereço, Cosima devolve-me terço por terço do pacifico estado à qual não pertenço.
Certo, confesso, nada aqui dentro é sereno ou satisfatório, sou merecedora de cada desvio de olhar vindo daquela moça de cabelos selvagens. Mas ela persiste em olhar em minha direção só para redirecionar-se novamente.
Alguns nomeiam tal fenômeno de "Saudade", mas eu prefiro o termo "Déjà vu", ou até mesmo "Sonhar Acordado." Cosima me têm sonhando à noite, durante o dia, ela me tem sonhando dormindo ou acordada, seja caminhando, seja seguindo pela estrada. Assim como não controlei seu abandono, não coordeno a fulminante culpa de ter que desama-la.
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Há dias que amanhecem desnecessariamente ensolarados, hoje foi um deles. As grossas cortinas de meu quarto não foram capazes de conter a luz matinal que despertou-me agressivamente. Sorte a minha não precisar de alarmes, porém azar o meu de ter que levantar em uma manhã fria e vazia. Eu deveria ter ficado na cama, ainda me restava meia garrafa de Bailey's, meu digníssimo creme de Whisky. Entretanto, meu dia seria cheio de trabalho, surpresas, e acasos programados por um deus mal-humorado.
A ducha morna, aos poucos, foi auxiliando meu espirito a se recompor. Selecionei roupas formais e penteado desleixado, nem me dei ao trabalho de secar meu cabelo por inteiro, até dava para ver os cachos tímidos nadando nas ondas louras em minha cabeça.
Café preto, torradas integrais com ricota, eu não tinha fome, mas a ressaca embrulhava meu estômago. Cigarro de filtro vermelho, perfume Escocês, chaves do carro, caminho solitário. O Instituto é imenso à distância, e quando próximo, tem o tamanho dobrado. Chega a ser intimidador para pessoas que não são como eu.
Caminhei pelos corredores, os empregados aparentavam estar odiando aquela quinta-feira. No meu andar de trabalho, cientistas e seguranças operavam apressados ao notar minha presença. Antes de adentrar minha sala, observei o movimento no laboratório, a equipe ecoava um silêncio otimista enquanto manuseavam experimentos promissores. Ao fechar minhas transparentes portas, removi meu casaco, liguei meu computador e comecei a análise dos relatórios. Após quarenta minutos, vesti meu jaleco, apaguei meu cigarro e, em passos cautelosos, andei até as bancadas bagunçadas do laboratório.
"Dra. Cormier, bom dia." Virginia Coady envelhecia a cada segundo que passava.
"Bom dia." Respondi por educação.
"Aqui estão as últimas amostras após a transfusão dos Bernes." Minha cabeça já doía antes mesmo de receber a pilha de exames de uma das cobaias humanas.
"De quem são esses resultados?" Questionei tentando equilibrar o peso das múltiplas folhas.
"Você sabe de quem." Coady e eu trabalhamos juntas durante anos, quando Aldous propôs o experimento com os Bernes, Virginia não hesitou em participar. Às vezes, não é necessário comunicação verbal entre nós duas, basta apenas um olhar enrugado.
"Devo me preocupar?" Indaguei já preocupada.
"Se ele viver por mais dois meses, será um milagre..." Tossiu feito fumante viciada, "Ou pura sorte."
"Obrigada, Virginia." Ainda equilibrando os exames em meus braços, chamei por Cosima em meu escritório. Quando disse seu nome, todos voltaram sua curiosa atenção a nós.
Ela caminhava atrás de mim, porém seus passos eram lentos, leves e saudosos.
"Feche a porta, por favor." Demandei ao pousar os papeis sobre a mesa.
Ela obedeceu.
"Como posso lhe ser útil?" A formalidade vinda de uma moça extremamente informal, não era apenas forçada, era necessária. Cosima sabia que não haveria motivos para aquela conversa estar acontecendo, se o assunto não fosse importante.
Não pude deixar de notar as olheiras embaixo de seus olhos sonolentos, face de ressaca, cor pálida e embriagada. A jovem, com certeza, estava aproveitando a vida de solteira rejeitada. Tal fato não trouxe desconforto, sei que Cosima adora encontrar diversão na madrugada, principalmente com amantes insignificantes. Novamente, tal fato não trouxe desconforto, a linda mulher, centímetros, distante de mim, merecia ser feliz, nem que fosse só por uma noite.
"Gostaria de ver os relatórios da cobaia LD2005." Informei ao sentar sobre a mesa.
"Você diz de Charlotte? Quer ver os relatórios dela, mas não reserva um segundo para visitar a menina?" Sua formalidade foi substituída por raiva e indignação.
"Dra. Niehaus, por favor, entregue os relatórios até o final do dia." Eu não queria discutir às dez da manhã.
"Você só pode estar brincando! Venho trabalhando sozinha no tratamento dela e agora você quer participar? Você não a vê faz mais de um mês, e acha que tem o direito de reaparecer agora?" Ela não parava de expressar sua revolta, suas palavras ficavam cada vez mais abafadas em minha cabeça. Aquela discussão instigava cada nervo meu, eu poderia explodir a qualquer momento.
"COSIMA, CHEGA!" Gritei tão alto, todos ao lado de fora perceberam o desgastante momento.
Olhos redondos e esverdeados observavam-me destemidos, porém surpresos.
"Eu..." Suspirei fundo, passei a mão entre as ondas de meus cabelos, "estou tentando, Cosima. Por favor, quero os relatórios até o final do dia."
"Como desejar, Dra. Cormier." Ela ainda soava indignada, porém havia algo além. Antes de partir, senti todo o peso vindo de sua maneira em me olhar, só podia ser amor ou dele, o quê restou.
Enquanto reajustava-me após um evento de tensão, servi em um copo elegante, uma vulgar dose de Whisky. A cada gole era um amargo açucarado, um impulso controlado, um desejo acalmado. E assim, passei o final do dia lendo documentos, analisando exames, bebendo, e ocupando minha doentia mente, a qual insistia em correr atrás de coisas que já não me pertenciam mais.
"Delphine?" Ouvi a porta abrindo e, também, a voz rouca de meu mentor.
"Aldous! Passei a tarde estudando seus resultados, por que fui excluída dos experimentos?" Questionei furiosa.
"Você não foi excluída, apenas poupada. Não queria trazer mais problemas para você." Dó é um sentimento nojento, não é empático, como dizem por aí.
"Pouco me importa sua benevolência, exijo participar no seu processo de cura! Virginia me entregou os exames por algum motivo, então engula sua piedade e me deixe ajudar." Levantei bruscamente prestes a proporcionar um leve caos.
"Te deixar ajudar? Olhe para você..." Franziu sua enrugada testa, "Delphine, você está desbalanceada, não tem condições de trabalhar como antes, o cheiro de bebida evidencia sua desorganização, você até causou um alvoroço pela manhã discutindo com Dra. Niehaus." Ele tinha argumentos válidos, porém fiz questão de não compreende-los.
"Sou a melhor em minha área e você sabe disso." Afirmei.
"Sim, eu sei, mas estou morrendo, é só ler os resultados, não há nada que você possa fazer sobre isso. Entretanto, você ainda pode consertar as coisas com Cosima, não perca seu tempo afundando em miséria desnecessária." Clarificou apreensivo.
"Aldous, estou tentando voltar ao normal, só te peço para não me excluir ou me poupar da ciência, é a única coisa que me resta." Implorei disfarçadamente.
"Tudo bem, mas prometa que irá se esforçar para se recompor." Condicionou.
"Eu prometo!" Não hesitei, nem menti, já estava na hora de voltar à ação.
Aldous sorriu brevemente antes de deixar-me sozinha novamente.
O relógio marcava 21:00, meu estômago suplicava por algo sólido, porém eu ainda não havia recebido os relatórios sobre Charlotte, então decidi sentar em um das altas poltronas, beber meu último copo e observar a noite pela imensa janela de minha sala.
Os cientistas já haviam partido, o andar estava praticamente apagado, apenas a luz do luar iluminava escassamente o amplo ambiente. Mirando meus olhos às estrelas, ouvi risos e passos alegres pelo corredor. Virei minha poltrona para entender o que acontecia, era Cosima e Scott. Eles andavam até o elevador, e quando as portas se abriram, de lá quatro pessoas saíram. Reconheci apenas Felix e Mud, eu não sabia que ele ainda estava em Toronto. Um rapaz de cabelos devidamente penteados, usava óculos grossos e roupas que não combinavam, e eu não o conhecia, porém percebi a química entre o jovem e Felix, talvez fossem um casal, mas não foi isso o quê me chamou a atenção. Havia uma moça junto a eles, ela era alta, tinha seios tão magros quanto seu corpo, porém suas curvas pareciam intimidadoras, e mesmo de longe pude ver o quão verdes eram seus olhos enormes. Seu cabelo era quase tão negro quanto a noite lá fora, e compridos, passavam a linha de seus brancos cotovelos. Não precisei de reflexão, estudo comportamental ou brecha, apenas observei os contidos toques entre ela e Cosima para entender que ambas dividem uma perturbadora tensão sexual.
"Vamos logo! Quero conhecer o laboratório." Felix exclamou.
"Pera, preciso deixar esses papéis na sala de Dr. Cormier." Minha funcionária estava atrasada como sempre.
"Dra. Cormier? Nossa quanta formalidade." O amigo a provocou ligeiramente.
"Delphine não é mais Delphine, agora é só Dra. Cormier." Ardeu, doeu, mas a verdade nunca falha.
Virei minha poltrona novamente, bebi meu último gole, mas não engoli enquanto Cosima deixava os relatórios em minha mesa, esperei por sua saída. Dra. Niehaus não me percebeu contida na escuridão, porém ouvi quando suspirou fortemente, como quem tenta captar o aroma de algo ou alguém. Ao partir com seus amigos, o gole, finalmente, desceu rasgando minha seca garganta.
Eu poderia ter feito algo, proibir a excursão do grupo de amigos, chamar a segurança, entretanto, preferi nada fazer, de miserável já bastava eu.
Busquei por meu casaco, coloquei os papéis em minha pasta e caminhei sem fazer barulho até o elevador. Fingi estar olhando para o celular, mas quando as portas estavam quase fechando-se, olhei para frente e notei que olhos esverdeados olhavam-me entristecidos. E eu odiava vê-los daquela forma.
Dentro de meu carro, eu permaneci sentada enquanto explorava um aplicativo de restaurantes. Senti uma louca vontade de comer carne seca com molho de churrasco picante, meu prato preferido quando morava em Londres. Não encontrei um só restaurante que tivesse tal refeição, na verdade, havia apenas um, porém este não fazia entregas. Então coloquei meu cinto, ascendi um cigarro e segui as coordenadas do GPS até o recém-aberto comércio.
A fachada do local levou-me em uma breve viagem na linha do tempo. De repente, eu tinha dezessete anos novamente, tomando vinho em um pub Londrino. O real estabelecimento era pequeno, porém luxuoso, as paredes eram feitas de tijolos escuros, o salão era espaçoso e, ali, haviam exuberantes lustres espalhados. Caminhei até o caixa e fiz meu pedido. Permaneci sentada ao balcão do bar, à espera de minha refeição.
"Delphine Cormier." Foi feito levar um potente chute na boca do estômago. Notei minha loucura fatal ao assumir estar ouvindo uma voz fantasmagórica. Não podia ser aquilo que pensei, não podia ser quem presumi ser.
Assustada, surpresa e descrente virei-me para encarar a familiar face de um amante perdido no tempo.
"Pallo Papillon." Seus olhos ainda tinham a mesma profundidade, "C'est impossible!"
"Pois é! Quem diria que de todos os lugares do mundo, eu te reencontraria em meu restaurante?" Seu jeito egocêntrico causava-me o mesmo efeito competitivo.
"O quê faz aqui?" Questionei tremendo levemente.
"Trabalhando, e quando ouvi o peculiar pedido na cozinha: carne seca ao molho de churrasco picante, tive certeza de que certas coisas nunca mudam." Sentou-se na banqueta ao lado meu.
"Digo, aqui no Canadá." Especifiquei.
"Ah!" Abriu a boca definindo o desenho de seu perfeito maxilar, "Minha mãe casou de novo, está morando em Toronto com o marido e a filha dele. Depois que meu pai morreu, terminei minha especialização e vim morar mais perto da minha senhora. E você, o quê Delphine Cormier faz em terras Canadenses?"
"Trabalho no Instituo Dyad." Expliquei rapidamente, eu sabia que aquela conversa poderia se estender por uma vida inteira, então decidi que ficar ali com o último homem que amei, seria uma péssima ideia, "Preciso ir agora."
"Não! Por quê?" Pallo buscou por minha mão, e o simples ato modificou a química em meu organismo.
Suspirei profundamente, "Acordo cedo pela manhã."
"Não vá, por favor." Suplicou honestamente, "Carter, traga uma garrafa de nosso melhor vinho e duas taças."
Manipulador como sempre.
"Pallo, não acredito que beber com você seja uma boa ideia." Confessei ainda presa frouxamente por suas macias mãos.
"Por quê? Você ainda me odeia?" Questionou franzindo as grossas sobrancelhas.
Merde, ele ainda tinha poder sob mim.
"Não tanto quanto deveria, mas sim, ainda odeio você." De maneira defectiva, afirmei.
"Isso é um começo, então beba uma taça comigo." Mirou seus castanhos olhos em minha direção e fuzilou-me impiedosamente.
"Uma taça, apenas." Condicionei sabendo que quebraria algumas regras internas.
"Obrigado." Sorriu, e quando o fez, me destruiu.
No momento que o bartender abriu a garrafa em minha frente, minhas narinas aspiraram o puro sabor de uvas delicadamente hidratas. O vinho era bom, mas poderia ser o vilão daquele conto noturno.
Conversamos durante três taças. Meu estômago ainda estava vazio, mesmo com as malditas borboletas embriagadas pairando em minhas entranhas.
"E foi aí que decidi ir embora de Londres." Finalizou sua história.
"Ainda não acredito que vocês quase foram presos por fumar cannabis." Gargalhei involuntariamente.
"Pois é, graças a deus, os tempos mudaram na Inglaterra." Acrescentou.
Enquanto as risadas iam perdendo o ritmo, a tensão entre nós foi ganhando velocidade e potência absurda.
Pallo permaneceu olhando em meus olhos cansados, hesitou uma ou duas vezes, e então, finalmente, criou coragem para fazer perguntas que nunca teriam respostas, se não tivéssemos nos encontrado naquela noite de quinta-feira.
"Por que você me odeia?" Seu tom era comovente, como de quem não sabe onde errou.
"Você está falando sério?" Sorri sarcasticamente.
Havia uma música saindo das caixas de som, ela não precisava ser, porém era propícia para um momento tão nostálgico como aquele, "Do You Love Me Still?" por The Kooks.
O acaso me odiava, mas o sentimento era mútuo.
"Sim, estou falando sério. Você terminou comigo, você foi embora." Seu ponto de vista era completamente diferente do meu.
"Pallo, eu terminei com você, pois não queria te ver preso, entende? Meu curso havia acabado, eu já estava matriculada na faculdade, não tinha o porquê ficar em Londres, mesmo querendo estar com você, eu não podia. E depois de três semanas, Samantha e Courtney me contaram que você estava ficando com outras meninas, fazendo coisas que nem gosto de lembrar. Foi aí que decidi mandar você à merd* e seguir com minha vida." Clarifiquei desenterrando memórias póstumas.
"O quê você não sabe é que Samantha e Courtney me disseram que você só voltou para ficar com seu ex-namorado." Ele soou exageradamente furioso.
"Isso não é verdade, eu era louca por você, não queria estar com mais ninguém, e durante anos eu fiquei imaginando o quê seria de nós, se caso tivéssemos ficado juntos, se eu não tivesse terminado, se você tivesse me escutado." Aquelas eram confissões que jamais pensei em fazer, principalmente a ele.
"Eu também fiquei imaginando essas coisas." Enrijeceu seu largo maxilar e punhos.
"Você foi sacana comigo." Terminei minha taça.
"E você também." Sorriu com o canto da boca.
Permanecemos ali naquele bar vazio, em um restaurante que já havia fechado, não desviávamos nossos olhares, era como se tudo aquilo fosse um sonho. Acredite no que digo, pois sonhei com aquele exato momento por muitos anos.
"Bom, agora eu tenho que ir." Informei na esperança de que ele me pedisse para ficar.
"Fique mais, não estou pronto para te desconhecer mais uma vez." Levantamos simultaneamente, ele buscou por minha cintura, e eu envolvi meus braços em seu longo pescoço.
Aceleração inconsequente das malditas batidas de meu coração. Eu não deveria estar sentindo aquilo que não sei nem como descrever. Eu não deveria estar debruçada ao balcão enquanto Pallo beijava-me com seus lábios carnudos e suculentos. Suas mãos não deveriam estar pressionando-me a carne, minha vagin* não deveria estar tão ensopada.
Entretanto, quem controla o quê sentir ou não sentir?
Seres humanos são complexos, então imagine aqueles que guardam coisas demais dentro de si, aqueles que são consumidos pela culpa e pela falta de perdão.
Em algum momento decidimos estender a noite, e sem saber como, encontrei-me no apartamento de meu antigo amante.
Pallo havia mudado, porém seus gostos ainda eram os mesmos. Havia grande quantidade de diferentes quadros de rappers e pinturas expressionistas em volta das quatro paredes cinzas, e também, moveis rústicos, videogames e geladeiras coloridas. Aquele lugar exalava o cheiro característico e infindável da epiderme levemente bronzeada do homem que estava sobre mim. Um aroma misto de fragrância amadeirada, um tanto floral com toques de lavanda, acordes verdes, passando por algo parecido com gengibre junto à gardênia, violeta e sálvia. Entorpeci-me navegando naquela essência.
Despida, excitada e saudosa, fui lançada a cama. Rasquei todos os botões da camisa azul claro de meu antigo amante. Seu peitoral era liso, mamilos minúsculos, umbigo pequeno, abdome definido sem esforço, igual ao de homens que não precisam de academia. E minha pinta preferida posicionada ao meio do tórax, ainda permanecia lá. Pallo, também, não havia se desfeito do escapulário que, em 2002, lhe dei. A corrente era longa e tinha o mesmo aroma que seu dono.
Eu poderia continuar descrevendo aquele momento nostálgico e palatável, porém, sei que muitos não irão gostar de saber que fui uma promíscua amante naquela noite. Eu suava por rebol*r demais, arranhava a sumosa carne de Pallo, eu gemia a cada profunda e familiar penetração vagin*l. Apreciei cada mordida, cada lambida em meus seios, cada beijo distribuído ao longo de meu longo corpo. Beijei Pallo com tremenda volição e gana, dancei com sua língua, degustei seu p*nis, e ao final de uma deliciosa trans*, não me arrependi.
Os lençóis azuis claros daquela cama enorme remetiam-me o céu do verão Francês. Os braços envolvendo-me delicadamente, lembraram-me dos travesseiros que joguei fora.
Uma breve ideia, um atormentado devaneio...
Às vezes, acordo pensando em Cosima, e durmo com vontade de tê-la novamente, mas sou extremamente fria. Sei que ela não despedaçaria meu coração, mas talvez seja exatamente disso o que eu preciso. Só entendo o momento em que estou errada, quando mostram-me meu equívoco. Já está tarde demais para voltar atrás, mas ainda não acredito que, aos poucos, estou deixando Cosima ir. Não há motivos, razões ou protestos contra nós, entretanto, quanto mais ela tentava ficar perto, mais eu a afastava. E agora, ela segue sua vida sem mim, e talvez eu deva fazer o mesmo.
Por tudo que Dra. Niehaus não fez de errado, por tantas palavras que tiveram intuito de me salvar, eu estou a deixando ir. Não por mim, não por fim, mas por saber que talvez, assim, seja melhor.
Não sei, ao certo, o quê será de mim. No momento, estou deitada e nua na cama de outro alguém. Um homem que tanto amei, que moldou a amante que hoje sou.
Pallo foi o início de meu fim.
E Cosima foi a parte II de um romance que não merecia ou deveria ganhar sequência.
Fim do capítulo
Muito obrigada por tanto carinho e suporte. Agradeço de coração pela singela atenção e pelos comentários engraçados, tristes e honestos. Não deixem de comentar, de deixar aquele feedback e de divulgar nosso neném.Um grande beijo <3
Ana Carolina Fertonani Bertoloto :)
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