Música do Capítulo: Encontro - Maria Gadú
Capítulo 16 - Não estou mais
11:00hrs.
Chego ao parque da cidade, me perguntando o que estou fazendo ali aquela hora da "madrugada". Meus óculos escuros não me poupam de toda a claridade incômoda do sol, crianças passam por mim gritando. Sinto que minha cabeça vai explodir e não sei se é resultado da ressaca ou a tensão desse encontro. Olho pros dois lados e a vejo ainda um pouco distante, distraída embaixo de uma árvore. Tiro os óculos para vê-la melhor. Lembro de imediato o que estou fazendo ali. Caminho a passos rápidos em sua direção, Luíza percebe minha chegada e me encara com os olhos inundados do que só pode ser amor. Aí então ela sorri. "Por que diabos você está sorrindo, babaca?" pensei olhando sua boca. Parei. Mudei o peso do corpo de um lado pro outro e um sorriso escapou sem que eu pudesse controlar. Um sorriso frio, arrogante. Ela ficou séria, parecia ofendida.
--Vai ficar me olhando com essa cara de babaca pra sempre ou vai me dizer o que descobriu? -- Rompi o silêncio.
-- Bom dia pra você, também! - Ela disse beijando o dorso da minha mão e depois a palma. Bufei e ganhei um meio sorriso ridículo. - Pra falar a verdade não descobrir nada do que você me pediu.
- Ah que ótimo! Qual é o seu problema, idiota? Não dava pra esperar até a noite?- Praticamente urrei. Ela riu do meu mau humor constante matinal. Um riso cansado.
--Vim pra dizer que não quero mais jogar - Falou me analisando.
-O quê? Tá com medo de perder? Luíza, fala logo o que está acontecendo, saco! - Disse recolocando os óculos e apertando a testa.
--Rompi a única regra, Al - Suspirou vagamente.
Senti uma pancada. Doeu tudo. Doeu muito.
-- Você é um fraca mesmo hein, Maria Luíza? - Soltei um riso seco, curto enquanto apertava a palma das minhas mãos sem perceber.- Se apaixonou pela imbecil provinciana não foi? Ainda por cima dona de ferro velho! Isso faz de você o que? A nova rainha da sucata? - Continuei num tom carregado de deboche, tomada por um ciúme egoísta.
-Não diga bobagens, Alice! Você sabe que ela é só um jogo. Não precisa ficar com ciúmes. - Praticamente sussurrou, enquanto acariciava meu rosto como se faz com uma criança. Percebi que a voz dela estava doce. Seu rosto suave, parecia estar realmente desarmada. E como senão bastasse ela sorriu de novo. Luíza estava sorridente hoje. Que ótimo!
Repeli o toque, dei alguns passos pra trás, rindo e balançando a cabeça como se desacreditasse.
- Ciúme? Você esqueceu com que está falando? Olha se você não tem nada pra mim eu vou voltar a dormir. - Minha voz soou cansada, exausta. Nada agressiva como eu desejava.
-Você sabe que já é diferente com a gente - Sua voz continuava doce, quase hipnótica. - Não foge- Ela praticamente... implorou? Eu não to acreditando.
De repente eu fui arrastada para uma nova dimensão. E nessa dimensão Maria Luíza Vieira de Albuquerque me implorava para... ficar? Aí então admiti para mim mesma: eu não queria mais jogar. Sorri esgotada. Derrotada. De uma hora pra outra todas as horas de sono que perdi farreando fizeram um acordo e apareceram juntas. Minhas pernas dobraram-se levemente. Caminhei até a árvore buscando apoio.
- Você está bem? - Indagou visivelmente preocupada - Quer que eu vá buscar água?
- Estou bem. - Sorri de lado. Sinal que minha máscara estava de volta. - Me diga o que você quer.
- Você. Eu quero ficar com você. - Resoluta.
Taquicardia, tremedeira , mãos suando. Disfarça, porr*. Disfarça.
- Não é o suficiente. Quer ficar comigo por que? - Eu não posso simplesmente confiar. Estamos falando da maior cafajeste da cidade. E se eu for mais um jogo dela com outra pessoa, assim como fizemos com dezenas de garotas e garotos? - Diga, Maria Luíza! As duas malditas palavras. As únicas que me fariam acreditar.
Ela abaixou a cabeça lembrando do que tinha me dito há séculos atrás, depois passou a mão pelos cabelos alvoroçados e enfim me olhou. Eu estava absurdamente concentrada. Músculos tensos, esperança e muito, muito medo estavam escondidos atrás de minha habitual máscara de indiferença. Máscara inútil diante de Malu. Sua boca mexeu, ela estava balbuciando alguma coisa.
- Eu... - Seu olhar passou de esperança a dor. Ela sorriu e seu sorriso me parecia um pedido de desculpa, antes de se tornar cruel - Você não para de jogar nunca, não é? Quer fazer com que eu assuma a derrota. Se esse jogo é tão importante pra você, esqueça o que eu te disse. Vou continuar jogando. - Luíza Albuquerque estava de volta. O olhar sujo, empoeirado, que eu odeio ,tentava buscar o meu ,por trás dos meus óculos frios, protetores.
- Você realmente me chamou aqui pra me fazer platéia desse seu showzinho lamentável, querida? Francamente, você é mais digna de pena do que eu pensei. Se quer um conselho, pare de andar com a sinhá-moça porque os efeitos estão sendo sérios. - Ela bufou.
Minha voz passou todo o sarcasmo que eu pretendia, sem ao menos vacilar. Fiquei orgulhosa de mim e continuei:
- Enfim, acabada a palhaçada posso voltar a dormir? Posso.
Passei por ela, uma certa eletricidade era quase palpável entre nós, e me dirigi para a saída do parque, na metade do caminho, me virei e disse numa altura que ela pudesse ouvir :
- Que o jogo continue! - Sorri largo, não esperei a resposta. Continuei andando, parei um táxi, entrei e disse meu endereço. O taxista acelerou. Desmoronei.
Voltei do encontro com Luiza exausta. Esse último ano tinha sido conturbado. Não havia um dia que eu não me arrependesse de ter inventado esse jogo imbecil. Eu matei a Luiza pela qual havia me apaixonado há mais de dois anos atrás. O que domina seu corpo agora é uma Luiza completamente despida de consciência, cafajeste, fechada e incrivelmente sarcástica. E pior de tudo: sexy. Esse jeito bad girl não atrai tantas meninas à toa. Nossa pequena competição está tecnicamente empatada com uma leve vantagem minha. Eu já estava de saco cheio dessa vida desgastante, mas nem preciso dizer que não seria eu a pedir pra sair né? Tô mais pra capitão Nascimento que pra 06!
A relação com Luiza parece não ter volta, está tudo tão bagunçado que se Fátima entrasse nele ia achar meu quarto a oitava maravilha do mundo. Entro em casa e logo sinto sua presença asquerosa na sala. Tento correr para o quarto fingindo que não o vi, mas sua voz desagradável não invadiu meus tímpanos sem minha permissão. O enjôo veio tão forte que tive de tapar a boca com as mãos. Como ele pode me causar tanto mal só me dirigindo a palavra? Nos últimos tempos o medo que eu sentia dele vinha se transformando em asco mesmo.
-- Você está terrível! -- Continuei andando sem olhá-lo. Senti medo, mas meu medo era vomitar na mesa de centro -- Olha pra mim, menina, não me dê as costas enquanto falo com você! Quer perder suas mordomias? Tiro sua verba pra essa vida desregrada que você leva num piscar de olhos! -- Ele grita e eu o olhei sem reação com os ombros parecendo que iriam arrastar no chão. Eu estava de ressaca, não dormia há 2 dias e, bom, Luiza. A última coisa que eu preciso é desse mau caráter hipócrita se esguelando na minha frente. Me virei de costas e continuei andando.
-- Alice! ALICE BITENCOURT! -- Ele continua gritando. Que homem mais irritante. Eu nem mexi em meus óculos escuros. De repente Fernanda e Fátima vem correndo da cozinha.
-- O que está acontecendo aqui, Pierre Bittencourt? Que gritaria é essa? -- Ela disse com a voz calma apesar da aparente exasperação. Estava engraçada de avental uma cena que eu não esperaria ver neste século. Estava com um vestido tom pastel um pouco acima do joelho, com as mãos na cintura esperando uma resposta.
-- Essa menina como sempre me tirando do sério! Ela é incapaz de uma simples demonstração de respeito, Fernanda! -- Nessa hora, eu tiro meus óculos e esfrego meus olhos em sinal de cansaço. Olho para Fernanda e algo no meu olhar a faz se aproximar. Ela limpou as mãos no avental e me abraçou. -- Faz favor, agora se faz de coitada. -- Revirou os olhos.
-- Tenha santa paciência, Pierre. Cala a sua boca ou eu corto a sua língua fora! -- Disse entre dentes. Fui para o meu quarto seguida por ela. Entrei nele já com as lágrimas descendo sem que eu pudesse impedi. Elas me pegam de surpresa. -- Ah, meu bem, vocês duas estão se destruindo. -- Ela diz limpando minhas lágrimas. -- Vim te visitar e até estou fazendo um almoço para nós. -- Em resposta a minha careta desconfiada ela sorriu e completou -- Ok, estou mais pra auxiliar da Fátima que para chef principal. -- Sorrimos juntas
-- Me deixe apenas tomar um banho e já te acompanho, está bem? -- Ela assentiu e me beijou a face.
Depois que Fernanda saiu, tranquei a porta e fui me despindo em direção ao banheiro. Enquanto tomo banho penso nesse último ano e na única coisa boa que aconteceu: minha recente aproximação com Lúcia. Lúcia era a moça que se parecia com minha mãe. Eu tentei me dissuadir desta ideia, mas era impossível. Ainda mais depois que ouvi sua voz novamente. Reconhecimento. Eu precisava descobrir mais sobre as circunstâncias da morte de minha mãe, mas como? Não dava pra simplesmente perguntar a Pierre, ele desconfiaria, Fátima pareceu ter me dito o que sabia sobre a morte dela e eu nem tinha mais a quem perguntar. Vovô ainda morava aqui, mas duvido que soubesse do mau caráter do filho. Foi aí que tive a ideia. A família de Fernanda era responsável pelos assuntos jurídicos da minha! Com alguma sorte eles teriam algo no arquivo do escritório. Como eu pegaria? Isso me levou obviamente a Maria Luiza! Parece sacanagem, mas é verdade. Foi assim que eu infiltrei Luiza no escritorio da familia para me dar acesso a esses arquivos. Montamos juntas um plano no qual ela dizia estar interessada em estagiar na parte de licitações e contrato da firma. Seu avô adorou o interesse e ela estava numa espécie de estágio. Achei que ela queria me dar informações sobre isso hoje e não me fazer de platéia para o seu showzinho ridículo.
Saí do banho e depois de me vestir confortavelmente fui encontrá-los na sala. Fernanda me recebeu com um sorriso e me abraçou de novo. Falei com ela sobre a galeria e sobre a faculdade. Ignoro completamente a presença de Pierre, como de costume. Insisto que que Fátima se sente conosco e ele não se opõem. Noto que em todo esse tempo, minha amiga, pois era assim que eu via Fernanda, nao bebeu um gole de álcool e a acompanho no suco de abacaxi com hortelã e aperto sua mão em cima da mesa, como que passando força. Ela me entendeu.
A tarde passou rápida e eles foram embora. Qual não foi minha surpresa quando meu telefone toca e vejo o nome do Math. Atendi prontamente.
-- Olha quem lembrou da minha existência. A que devo a honra? -- Disse irônica. Ele havia me abandonado totalmente nos últimos meses.
-- Ei, não fale assim, Al. Você sabe que não esqueço da minha pirralha. -- Ele responde carinhoso. -- Vamos matar a saudade hoje? Te pego em 30 minutos. -- Acrescenta para que eu não reclame mais.
-- Pega é? -- Disse aproveitando a palavra de duplo sentido para implicar com ele. Soltei uma risada. -- Tô esperando. -- E desliguei.
Sinceramente, eu não estou com a menor vontade de sair de casa. Porém, sair um pouco e respirar novos ares pode ser bom. Não sei onde vamos, mas sei que não preciso me arrumar. Depois de um banho rápido, visto um short jeans e camiseta branca. Sandálias de dedo da mesma cor nos pés. Prendi o cabelo num rabo de cavalo e fiz uma maquiagem leve. No exato momento em que acabo de me arrumar Matheus chega ao meu prédio. Entro no carro e fomos. No caminho meu amigo me atualizou sobre as novidades, seu início na faculdade e o estágio. Faço o mesmo e percebo que iríamos a Santa Teresa. Adoro o lugar, Matheus me disse que um amigo dele tinha inaugurado um bar recentemente e era para lá que estávamos indo. Quando nos preparamos para descer do carro meu telefone tocou. Matheus faz uma careta involuntária, mas era só o Marcos.
-- Oi, Marcos. -- Digo para tranqüilizar o Math. Faço um carinho em sua mão. Ele sorri.
-- Hi, bitch! Onde a senhora tá? A galera tá querendo tomar uma cerveja de leve pra fechar o fim de semana. -- Ele responde do seu jeito peculiar.
-- Estou com o Math. -- Meu amigo incentiva que eu os convide para vir nos encontrar. -- Estamos em Santa Teresa. Venham pra cá! -- Ouço Marcos dá um gritinho entusiasmado e passo o telefone para Matheus explicar como chegavam.
Entramos no bar e nos sentamos há uma distância intermediária entre o palco e saída. Dava para ver bem e ainda assim conversar sem gritar. Math me olhou de um jeito paciente e protetor ao perguntar:
-- Como estão as coisas com Luiza? -- Suspiro e solto os ombros em sinal de impotência. Eu não poderia dizer nada de novo. Olho para o teto e reprimo vontade súbita de chorar. Pelo menos foi o que pensei. Quando olho para Matheus duas lágrimas descem.
- Percebe como é só isso que ela te causa agora? Al, essa garota só te faz mal. Ainda tem esperanças de ficar numa boa com ela? -- Ele perguntou roubando minhas lágrimas que corriam pelas bochechas livremente. Contei o que havia acontecido de manhã. Ele pensa e responde:
-- Ela pode estar tão cansada dessa palhaçada quanto você. Vocês precisam se libertar. -- E foi a última coisa dita do assunto Luiza. Conversamos coisas leves e nos concentramos no show que ia começar. Seria algo no estilo voz e violão.
Quando a cantora subiu ao palco, algumas pessoas gritaram e assoviaram. Isso me fez olhar naquela direção. Por algum motivo ela me olhava também. Fui invadida de uma paz tão absoluta que nao pude reconhecer o sentimento. Nunca havia sentido. Ela era linda, mas linda de uma forma tão serena, confiante e absoluta que eu fiquei sem saber como me sentir em relação a isso. Ela era plena e minha opinião nada interferia nisso. Percebi que ela continuou me olhando. Um olhar suave, mas firme. Ela me atraía com cada poro do seu corpo. Eu não deixei de olhar, as pessoas esperando que ela dissesse algo, mas essas pessoas não pareciam existir agora. Ela me sorriu. Seu sorriso foi um abraço. De repente eu estava feliz, não havia mais nenhum peso. Quando deipor mim estava em pé, pronta para andar em sua direção. Ela me olhava imóvel. Antes que eu pudesse dar um passo se quer, sinto meu corpo ser abraçado. Marcos chegou com a galera. Ela começou a cantar. Me sentei e tentei sem sucesso acompanhar o papo na mesa. Cada partícula da minha atenção era dela.
Observo discretamente, seu rosto enquanto ela canta. Morena, cabelos longos, olhos castanhos brilhantes. Parecia ter uns trinta anos. Estava vestida com uma cança jeans justa e uma blusa preta lisa de alcinhas, os cabelos do tamanho do meu estavam meio presos, mas com vários fios caindo soltos nas laterais de seu rosto. Emanava maturidade e isso me atrai como imã. A voz gostosa se propaga pelo ambiente e eu quase sinto suas ondas me atingirem. Eu não me importaria de me afogar. Antes que eu desse bandeira, passei a conversar com os meus amigos que como sempre riam de algo dito pelo Marcos. Inclusive Matheus.
Depois de umas músicas, ela anunciou um intervalo. Eu estava tão absorta que não ouvi quando se apresentou. Eu não sabia seu nome, mas eu saberia. Não havia arrogância ou pretensão nessa certeza, eu apenas sabia que o momento que tivemos não tinha acabado ali. Nos olhos fizeram promessas silenciosas. Eu saberia bem mais que o seu nome.
Matheus avistou seu amigo e acenou. Ele conversava com a cantora. Tive um impulso de ir lá e me apresentar, mas não tem razão pra fazer uma maluquice dessas. Ela vai me achar louca. Olho para Math de maneira apreensiva e ele faz uma cara de total confusão. "Ela tá vindo!" foi o que tentei sussurrar e ele não entendeu. O seu amigo chegou o cumprimentando e eu levantei de súbito. A cara do pessoal da mesa foi impagável. Eles ficaram assustados e aos mesmo tempo desconcertados com minha "formalidade". Ela disse boa noite e todos responderam além de elogiarem seu show. Ela agradeceu sorrindo e disse olhando pra mim:
-- Se vocês me permitem... -- Não completou a frase só me estendeu a mão. Não olho para os meus amigos. Aceitei delicadamente e ela me guiou para fora do bar. Se colocou de frente pra mim e me olhou nos olhos. Seus cabelos ondulados estavam soltos.
-- Que bom que você chegou. -- Disse com a cabeça de lado e um olhar carinhoso. Vocês podem não acreditar, mas isso fez todo sentido do mundo. A abracei como num reencontro. Fui maravilhosamente acolhida.
Suas mãos alisaram minhas costas num ritmo constante e isso me trouxe uma paz absurda. Eu não queria sair de seus braços, mas tinha certeza que encontraria um olhar confuso. Mas me enganei. Estavam suaves como ficaram ao cantar. Ela era linda demais. Eu passo a mão delicadamente pelo seu rosto, seus olhos se fecham e um sorriso arrebatador se forma em seu rosto. Ela tem uma pintinha em cima dos lábios que eu adoro. Sem me controlar, roço meus lábios nos seus como uma carícia, mas não a beijo. Só insinuo e continuo a carícia em seu rosto.
-- Precisa voltar para o palco. -- Sussurro em seu ouvido. Ela faz que não com a cabeça e enlaça minha cintura. Agora nossos corpos estão grudados. Eu só consigo sorrir. Por que esta mulher me deixa tão feliz? Nem a conheço. -- Então tem outro motivo para o dono do bar estar nos encarando? -- Ela virou para olhá-lo e depois me olhou com uma carinha de cachorro abandonado.
-- Eu não quero ir...
-- E eu não quero que vá. -- Respondo bem perto do seu rosto. Ela toma uma decisão. Mais uma vez entende a mão e eu a aceito prontamente. Quando estamos andando em direção ao carro escutamos um grito.
-- MAYAAAA! -- Ela se virou e viu o dono do bar. Sorrindo disse que já voltava e ele sorriu de volta como quem diz: "você não tem jeito!". Descobri seu nome.
Andamos até a Selaron e nos sentamos nela. Ela já foi dizendo:
-- Acho que já pode me dizer seu nome não é? -- Eu sorri. Dessa vez eu estendi a mão, mas para cumprimentá-la.
-- Alice Bittencourt, muito prazer! -- Ela pegou minha mão e beijou de forma sedutora. Me arrepiei.
-- O prazer é meu, Alice Bittencourt. Eu sou Maya Lal! -- Achei seu nome e principalmente o sobrenome bem diferente. Ela percebeu e e completou. -- Sou indiana, na verdade meus pais são, eu sou carioca mesmo. -- E sorriu. -- Agora me fale um pouco sobre você. Corro o risco de ser presa? -- Dei um tapinha em seu braço e mostrei a língua.
-- Claro que não! Sou uma menina crescida, futura historiadora da arte que faz 20 anos daqui há quatro dias. -- Minha voz saiu tão divertida que eu não reconheço de imediato. Eu falei isso mesmo? Gente, o que essa mulher estava fazendo comigo?
-- Nossa, desculpe o engano. Você é quase uma senhora. Seu "amigo" não vai sentir sua falta? -- Senti uma pergunta implícita além da explícita. Ela queria saber se Math era só um amigo.
-- Provavelmente, ele não vive sem mim. Mas ele aguenta. -- Pisquei pra ela que sorriu.
-- Por que você está tão triste? Quer dizer, eu te vi antes de subir ao palco e você estava chorando ao falar com o rapaz. Seus olhos estavam tão tristes como lindos e isso quer dizer que estavam muito tristes. -- Sua voz não soa curiosa ou invasiva. Só preocupada mesmo. Pela primeira vez pensei em Luiza desde que a conheci. Senti a tristeza vir ao meu encontro, mas algo não a deixou entrar. Era Maya.
-- Não estou mais. -- Digo antes de me inclinar e beijá-la. Seus lábios eram o que esperava. Macios e firmes. Suas mãos estavam em minha cintura. Foi um beijo calmo um encontro de almas. Sua lingua era tão quente que quase queimou a minha. Seu nariz geladinho dava um contraste gostoso. Foi um beijo muito bom. Talvez eu tenha ouvido sininhos e levantado meu pé um pouquinho se estivesse em pé. Encerramos o beijo com muitos selinhos. E eu com muitas dúvidas. -- Precisamos voltar ao bar. -- Tentei deixar minha voz suave, mas caiu a ficha de tudo que eu tinha para pensar. Levantei e estendi a mão sorrindo. Ela aceitou e caminhamos de volta.
Quando chegamos o dono do bar ficou surpreso, achou que não iríamos voltar. Maya me deu um beijo no rosto e foi para o palco. Seu pequeno intervalo durou cerca de uma hora. Ao voltar para mesa ouvi as habituais piadinha dos meus amigos, mas fiquei na minha. Exceto de Matheus que parecia bem distraído. Laila, umas das meninas do nosso grupo estava toda saidinha para o lado dele. Como sempre não gostei. Claro, que Math pode namorar, beijar na boca etc. Eu até ouvia sobre suas conquistas, mas não quando ele estiver comigo. O que eu mais gosto nele é sua atenção total a mim. E sim, eu tenho ciúme de ter alguém querendo roubá-la. Na verdade, é que a minha confusão interna estava me deixando irritada. Olhei para Matheus com os olhos apertados e ele fez cara de inocente. Ouvi a voz Maya e me virei para o palco.
"Pessoal, vou cantar uma música que não faz parte do meu repertório. Ela me lembra uma jovem senhora que acabei de conhecer. Perdoem se eu esquecer a letra.
" Sai de si
Vem curar teu mal
Te transbordo em som
Poe juizo em mim
Teu olhar me tirou daqui
Ampliou meu ser
Quero um pouco mais
Não tudo
Pra gente não perder a graça no escuro
No fundo
Pode ser até pouquinho
Sendo só pra mim sim
Olhe só
Como a noite cresce em glória
E a distância traz
Nosso amanhecer
Deixa estar que o que for pra ser vigora
Eu sou tão feliz
Vamos dividir
Os sonhos
Que podem transformar o rumo da história
Vem logo
Que o tempo voa como eu
Quando penso em você
Olhe só
Como a noite cresce em glória
E a distância traz
Nosso amanhecer
Deixa estar que o que for pra ser vigora
Eu sou tão feliz
Vamos dividir
Os sonhos
Que podem transformar o rumo da história
Vem logo
Que o tempo voa como eu
Quando penso em você"
Eu a encarei encantada. Seus olhos ficaram fixos em mim durante a música. Borboletas infestaram meu estômago. Eu sorri pra ela e olhei para o chão diversas vezes. Minhas mãos estavam suadas. Meu coração estava tão acelerado que ganharia do Usain Bolt numa corrida. "Alice, você acabou de conhecê-la." Tentei dizer essa frase para controlar as reações do meu corpo, mas não funcionou. Ele estava irredutível. Queria Maya.
Quando a música acabou eu a mandei um beijo que ela pegou no ar. Decididamente preciso ir embora ou não respondo por mim perto desta mulher. Avisei que estava indo. Disse que iria de táxi e que Matheus poderia ficar. Me despedi de todos e fui pagar minha parte. No caixa pedi papel e caneta e enquanto esperava coloquei meu nome e telefone nele. Matheus me alcançou enquanto eu pagava e pagou a parte dele também. Disse que me levaria em casa.
-- Não precisa, pode ficar com sua namoradinha. -- Ele sorriu e me abraçou. Eu o abracei de volta, mas depois mostrei a língua.
Providencialmente, ele quis se despedir do amigo que estava perto do palco. Maya me olhou e fez uma carinha triste. Pedi a um rapaz que trabalhava lá para te entregar o papel. Ela sorriu e guardou no bolso da calça. Fiz um sinal com a cabeça e saímos do bar.
Entramos no carro e o caminho foi feito em silêncio. Luiza agora tinha voltado com tudo para os meus pensamentos. Parecia saber o que havia acontecido e me cobrava atenção e explicações. Eu não sabia explicar o que Maya tinha causado. Nunca senti essas coisas por ninguém, além de Maria Luiza. Lembrei de Maya cantando pra mim e foi impossível não lembrar de quando Luiza fez o mesmo e de como tudo deu tão errado a partir daí. Por que eu sentia essa culpa absurda por gostar de Maya? Eu já posso dizer que gosto dela? E como fica essa relação estranha como Maria Luiza?
Entrei em casa e fiz tudo no automático: banho, troca de roupa, boa noite à Fátima. Deitei e como sempre coloquei música para tocar baixinho. Enquanto eu estava deitada meu pensamento oscilava entre Maya e Luiza. Eu tinha certeza que meus sentimentos por Luiza não haviam diminuído. Nem os bons e nem os ruins. Então como Maya conseguiu entrar? Onde ela conseguiu espaço?
Estava perdida em pensamentos quando meu celular apitou.
"Olá, fugitiva. Espero que esteja tudo bem. Boa noite e amanhã te ligo para combinarmos o que faremos no seu aniversário rs Quero te ver de novo, senhora. Beijo! Maya"
Eu fiquei encarando o celular sorrindo. Sorrindo muito e sem ninguém ver. Sem sorriso cruel ou irônico. Sorriso sincero como aqueles que Luiza costumava me causar. Luiza. Ah, Maria Luiza. Seu nome aparece no visor do meu celular e o sorriso morre. Ignoro a chamada, não posso fazer isso agora. Ah Luiza, se você soubesse. Algo me diz que vou romper a única regra do nosso jogo particular.
Não tenho muita experiência nisso, mas acho que estou me apaixonando.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook:
[Faça o login para poder comentar]