Música do capítulo: Resentment - Beyoncé
Capítulo 15 - Quer ajuda?
Acordei com o barulho de Luiza no banheiro. A água do chuveiro caía forte e só não abafava sua cantoria porque era impossível. Sua voz grave rompia qualquer barreira e transcendia qualquer dimensão.. Fora e dentro de mim. Tentei sem sucesso lembrar de quantas vezes a vi cantando. Sua imagem sempre esteve pra mim relacionada à música, às artes das quais me alimento. Luiza era pra mim um conjunto dessas artes que me moldavam. Pintura, música e literatura. Essas que me alegram e entristecem na mesma proporção. Numa pessoa só eu tenho um quadro de Van Gogh, uma música do Cazuza e um livro da Clarice Lispector. Luiza é o que há de mais artístico. Talvez por isso não passei indiferente ao nosso encontro de vidas.
-- Oi. -- Ela disse me arrancando de meus devaneios. Estava com uma camiseta meia manga branca com gola v e uma calça jeans justa. Minha toalha enrolada na cabeça. Mudei o hábito de manter duas toalhas no banheiro um mês depois que foi embora. Morri um pouco com a lembrança. Engoli seco.
-- Bom dia! -- Não saiu animada e muito menos agressivo. Só cansado e indiferente. Olhei o relógio e já era quase 12:00hrs. Lembrei do nosso compromisso e olhei pra Luiza de maneira interrogativa enquanto ligava o rádio baixinho.
-- Tem duas reuniões. Eu queria ir de manhã pra ter a tarde livre, mas podemos ir na que vai começar 14:00hrs. -- Assenti e entrei no banheiro. Escovei os dentes antes de entrar no chuveiro. Ir à faculdade me lembrou a moça com o sorriso parecido com minha mãe. Será que eu a encontraria de novo? Se eu apenas soubesse seu nome... Desliguei o chuveiro e me dei conta que minha toalha estava com Luiza. As outras ficavam no guarda-roupa, no meu quarto. Merda! Essa garota abusada, nem pra pegar uma toalha pra tomar banho. Peguei a toalha de rosto e estiquei na minha frente. Óbvio que mal tapava o principal, se é que me entendem. Fui até a porta do banheiro e chamei Luiza que secava o cabelo no espelho do quarto. Gente, mas era o cúmulo do abuso. Saiu mexendo em tudo, pelo jeito.
-- Luiza! Luiza! -- O barulho do secador não deixou que me ouvisse. bufei e proferi palavrões inconfessáveis.
Resolvi que pegaria a toalha eu mesma, afinal não há nada que Luiza nunca tenha visto, caso acontecesse algum incidente. Fui andando com cuidado para manter a pequena toalha na minha frente e quando já estava perto armário me toquei que teria que ficar na ponta do pé pra pegar a toalha na parte de cima. Puta que pariu! E nesse momento escuto o secador ser desligado. Puta que pariu três vezes! A toalha obviamente só cobria a parte de frente e eu estava de costas para onde Luiza estava, ou seja, dando visão total da parte traseira do meu corpo. Senti meu corpo queimar com o impacto do seu olhar. Meu rosto deve ter ficado vermelho vivo, apesar da cor da minha pele. Resolvi rapidamente que seria melhor continuar o que estava fazendo. Me estiquei e apalpei dentro do armário sem sucesso. As toalhas deviam estar mais pra trás. Ouvi os passos de Luiza atrás de mim. Mais perto. Mais perto. Senti seu corpo colado no meu enquanto sussurou no meu ouvido.
-- Quer ajuda? -- Senti a umidade invadi meu sex*. Inundei. Ela pressionou mais o corpo, pra pegar a toalha. Seu sex* grudado na minha bunda e seus seios roçando nas minhas costas. Engoli o gemido que brotou em meus lábios. Mas a respiração não pude controlar, estava ofegante. A de Luiza mais ainda. Uma de suas mãos enlaçou minha cintura. Não ofereci resistência, não fazia sentido. -- Alice. -- Sussurou no meu ouvido e o meu nome entrou e foi recebido com pedido.
Joguei a cabeça levemente pra trás e foi o sinal que precisava. Suas duas mãos em um segundo estavam no cobrindo meus seios. Apertavam com vontade despertando gemidos incontroláveis. Sua boca explorava meu pescoço. A saudade do meu corpo deixou Luiza meio selvagem, agressiva, Parecia um animal com sede. Deixava uma trilha de violência no meu corpo. Senti as marcas sendo deixadas em meus ombros e pescoço. Eu estava adorando, meu corpo ansiava por ser tocada intimamente por ela. Minha excitação parecia escorrer por minhas pernas e aí então Luiza me virou com força e minhas costas foram de encontro as portas do armário. Só percebi que ainda segurava a toalha quando a mesma foi arrancada abruptamente da minha mão. Senti os olhos de Luiza me acompanharem de cima abaixo com um desejo transbordande, beirava a obcenidade. Finalmente, seus lábios tomaram os meus e foi como se sua língua estivesse me abraçando e me batendo ao mesmo tempo. O misto de saudade, agressividade, tristeza, desespero e sobretudo dor, a dor estava em cada pedaço de nossos corpos, até nos mais íntimo, ela não se escondia, não podíamos esquecê-la só aceitá-la.
Seus beijos desceram pelo meu corpo e seu boca alcançou meu seio direito, tentando engoli-lo de uma vez. Luiza ch*pava com tanta vontade que doía um pouco, mas era gostoso. Muito gostoso. Suas mãos passeavam na parte interna da minha coxa. Ela trocou de seio, enquanto eu a puxava pela camisa pra mais perto. Não queria que tirasse a roupa, eu gostava assim. Essa vulnerabilidade de estar completamente pelada enquanto ela estava vestida, me excitava. Ela sabia. Suas mãos finalmente alcançaram meu sex* e eu instintivamente retesei o corpo. Luiza estava muito descontrolada pra percebi minha hesitação. Eu só lembrava dela entrando e saindo da garota do banheiro. Luiza não me tocaria assim, estava decidido. Me afastei e ordenei:
-- Tira a calça. -- A pressa em me obedecer fez com que se enrolasse um pouco. Abri a parte de baixo do armário e peguei uma cinta com um dildo preso. Ajoalhei na frente dela e retirei sua calcinha com a ajuda da minha boca. Depois vesti a cinta nela e me levantei. -- Assim, eu quero assim. Me come. -- Disse segurando seu rosto com as mãos, olhando em seus olhos. Eles me queimaram.
Ela levantou minha perna e forçou o objeto pra dentro de mim. O movimento de vai e vem fazia minhas costas baterem forte na parede. Por de baixo da camisa eu deixava minhas marcas nas costas e nos braços de Luiza, que metia sem parar, me fazendo perder a noção de uma vez por todas.
-- Isso, Luiza. Mais. Vem forte, vem. Vem. -- Eu dizia de forma desconexa completamente descontrolada. Soltei um urro gutural e g*zei prolongadamente e Luiza não parava. Só quando meu corpo quase desfaleceu completamente ela parou. Ela ficou abraçada a mim segurando meu corpo mole. -- Fica dentro, não tira. -- Pedi sem forças pra fazer qualquer coisa. Aos poucos o brinquedo saiu sozinho, meio que escapuliu. Eu já conseguia me manter em pé sozinha, achei que tinhamos acabado, quando Luiza se ajoelha na minha frente. Olha pra cima e sem dizer nada, põe uma de minhas pernas em cima de seu ombro e me ch*pou. No início com calma e depois freneticamente.
-- Ahhhhhhhhhh -- Foi só o que eu disse enquanto rebol*va sem querer em sua boca. G*zei de novo.
Abri os olhos e Luiza estava em pé na minha frente. Se inclinou e colou a boca no meu ouvido:
-- Tava com saudade do seu gosto. Melhor que eu lembrava. -- Me arrepiei mesmo sem querer. Estava arrependida de ter cedido. Não arrependida porque foi bom. Bom não. Maravilhoso. Mas estava irritada por perder o controle. Por não ter sido planejado. E estava enjoada pelas lembranças da noite fatídica que estavam na minha cabeça. Espalmei as mãos em seu ombros e a empurrei levemente.
-- Pode pegar a toalha pra mim? Estamos mais que atrasadas para sua reunião. -- Ela pegou sem a menor dificuldade e me entregou. Voltei ao banheiro e deixei a porta aberta. Não para Luiza, mas para Beyoncé que pareceu entender o momento e começou a cantar uma música que foi uma bofetada na cara.
I wish I could believe you
Then I'll be alright
But now everything you told me
Really don't apply
To the way I feel inside
Loving you was easy once upon a time
But now my suspicions of you
Have multiplied, and it's all because you lied
I only give you a hard time
Cause I can´t go on and pretend like
I haven't tried to forgive this
But I'm much too full of resentment
Just can't seem to get over
The way you hurt me
Don't know how you gave another
Who didn't mean a thing, no
The very thing you gave to me
I thought I could forgive you
And I know you've changed
As much as I wanna trust you
I know it ain't the same
And it's all because you lied
I only give you a hard time
Cause I can´t go on and pretend like
I haven't tried to forgive this
But I'm much too full of resentment
I may never understand why
I'm doing the best that I can
And I
I tried and I tried to forgive this
I'm much too full of resentment
I'll always remember feeling
Like I was no good
Like I couldn't do it for you
Like your mistress could
(Oooh, Oh)
And it's all because you lied
Loved you more than ever (you lied)
More than my own life (you lied)
The best part of me I gave you (you lied)
Lived with Sacrifice (sacrified)
And it's all because you lied
I only give you a hard time
Cause I can´t go on and pretend like
I tried and I tried to forgive this
But I'm too damn full of resentment
I know she was attractive
But I was here first
Been riding with you for six years
Why did I deserve
To be treated this way by you, you
I know your probably thinking
What's up with B
I´ve been crying for too long
What did you do to me
I used to be so strong
Now you took my soul
I'm crying
Can´t stop crying
Can´t stop crying
You could have told me
You wasn't happy
I know you didn't wanna hurt me
Look at what you done to me now
I gotta look in her eyes
And see she's half of me
How could you lie
Meu banho durou pouco, só o tempo da música. Vesti um vestido longo soltinho, prendi o cabelo num coque porque não ia dá pra pentear, peguei meus inseparáveis óculos escuros e saímos correndo.
Levei minha maquiagem e fui disfarçando as marcas no espelho do carro. Além de dar um jeito na minha cara que não estava lá essas coisas. Luiza ia me olhando de canto de olho durante o caminho. Minhas costas estavam doloridas pelo impacto no armário e toda vez que eu me mexia fazia uma careta de dor. Recebi olhares preocupados:
-- Tudo bem? -- Assenti olhando pra frente.
Meu pensamento voou pensando no que tinha acabado de acontecer entre Luiza e eu. E também a letra da música ficou na minha cabeça. Eu superaria esse ressentimento um dia? Me perdi nos meus costumeiros momentos de introspecção. Porque eu estava fazendo isso comigo? Essa aproximação de Luiza não era saudável. Na maioria das vezes, eu estava chorando, sofrendo. Até no momento mais íntimo, na primeira que trans*mos depois de mais de um ano eu não consegui esquecer aquilo. Com todo o meu corpo eu queria essa mulher pra mim de novo. Queria ela do meu lado sempre, assim do jeito que está agora. Mas não queria me tocasse do jeito que tocou aquela outra. Não poderia deixá-la sair sozinha sem enlouquecer esperando-a voltar e lembrando do que aconteceu naquele banheiro. Ao mesmo tempo é a única pessoa que posso contar. Que está sempre ali pra mim e que eu tenho toda certeza do mundo que faria qualquer coisa por mim. Como é possível todos esses sentimentos em relação a uma mesma pessoa? Por que diabos Luiza tinha que comer uma vagabunda qualquer no banheiro? Por que eu tinha que ter visto? E se não fosse isso, seria mais fácil? E as crises absurdas de ciúme que Luiza tinha? Meus surtos com drogas que já aconteciam antes? Eu tive a porr* de uma overdose! Me assustei com a porta do carro abrindo. Arregalei os olhos, mas o que vi foi Luiza me esperando sair.
-- Que cara é essa? O que foi? -- Ela me perguntou enquanto eu permanecia paralisada.
-- Eu tive a porr* de uma overdose! -- Repeti o pensamento em voz alta. Saí do carro e passei por Luiza sem olhar pra ela. Ouvi o alarme ser ligado e logo estava caminhando ao meu lado. Fomos pro tal auditório onde acontecia a reunião.
Parei quando vi uma menina com a roupa mais espalhafatosa que já vi na vida. Era uma combinação de estampas absurda. Tanta informação que até respirei fundo pra absorver melhor. Parei observando uma mulher mais velha se vestindo da mesma forma nada discreta. Coloquei a mão no coração enquanto olhava horrorizada. Luiza olhou na mesma direção e riu do meu exagero. E foi me puxando pela mão enquanto as pessoas dessa família saiam de uma enorme SVU vermelha. Percebi que estava sendo exageradamente crítica. Não pensei mais nisso.
Entramos no auditório e observei o reitor falar algumas palavras de recepção aos calouros. Quando ele me viu se surpreendeu e acenou. Era amigo de Pierre, só podia, sua moral duvidosa combinada com a falta de escrúpulos do meu pai. Sorri falso e me joguei numa cadeira dos fundos acompanhada por Luiza. Percebi que a reunião era destinada aos calouros do campus em geral. Foi um martírio do começo ao fim e eu tinha outras mil coisas pra pensar e não prestei atenção no que foi dito.
Saímos de lá quase às 17hrs. Foi tão legal que eu cochilei diversas vezes. Fui mostrar alguns lugares importantes a Luiza no campus para que ela se localizasse quando viesse para suas aulas. Sabia como ela odiava não saber de alguma coisa. No último lugar, a biblioteca, meu celular tocou. Era Matheus. Antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, Maria Luiza viu seu nome no visor. Mesmo não devendo nenhuma explicação, dessa vez não queria que ela visse. Por algum motivo, não estava interessada em provocá-la, só estava cansada. Fisica e mentalmente. Atendi o telefone e fui carinhosa por lembrar meu péssimo comportamento noite passada, mas não o suficiente para provocar Luiza. Não intencionalmente.
-- Oi, Math. -- Atendi calmamente.
-- Tá bem, pirralha? -- Ele disse com a voz animada. Sorri.
-- Estou tá tudo bem. Foi mal por ontem. -- Ele ficou em silêncio por instantes.
-- Não liguei antes porque não queria te acordar. Ai de mim -- Gargalhou o que me fez sorri de novo. Deliberadamente não encarei Luiza nenhum momento. -- Tá onde? -- Deve ter ouvido os barulhos.
-- Na faculdade. -- Pausa. -- Com Luiza. Depois falo contigo. Beijo! -- Desliguei.
Olhei pra Luiza que estava com uma expressão indecifrável. Disse que iria ao banheiro. Sorri fria. Banheiros seriam sempre um trauma? Ela endureceu.
-- Não demoro. -- Me entregou as chaves e o celular.
Tentei muito arduamente não mexer no celular, mas não consegui. Me odiei profundamente por essa invasão de privacidade. Não tinha código, foi só delizar a tela. Olhei as ligações, sms e aplicativo de mensagens. Foi nesse último que li o que eu não queria ou queria. Ainda não me decidi.
"Bom te ver hoje, Lu. Já estou com saudade rs"
Era de sábado, um pouco antes do horário que Luiza me ligou. No fim da mensagem tinha um ícone com cara de um diabinho. O nome do contato era Rafaela e a foto era da menina do banheiro. Aquele rosto que olhei de relance tão rapidamente, mas que não consigo esquecer. Teria sido por isso que Luiza não ficou até a manhã seguinte? Voltou pra matar as saudades? Eu ri histericamente atraindo o olhar de quem passava. Fechei o aplicativo e guardei o celular. Luiza voltou. Entreguei suas coisas e me dirigi até o carro em silêncio. Fomos surpreendidas por uma dessas chuvas de fim de verão. Aqueles temporais que todo mundo sabe que são possíveis, mas ninguém conta com eles. As pessoas em volta começaram a correr para se proteger. Era o primeiro dia de aula então obviamente só tinha calouro na universidade. Luiza me olhou com os cabelos crescidos grudados na testa. Piscando toda hora pra conseguir enxergar apesar da chuva. Andei devagar, com o vestido grudado em mim e o coque desfeito pela força da chuva que caía sobre nós. Eu poderia lhe dizer ali, o quanto eu amo ou simplesmente lhe perguntar o que aquela mensagem queria dizer. Claro que eu poderia. Mas pra quê? Eu não confio nela e o mais importante não confio em mim. Não estamos prontas uma para a outras. Somos demais. Quase nos enlouquecemos. Ela de ciúmes, eu usando as drogas pra me sentir melhor e suportar a dimensão desse sentimento.
Olhando pra Luiza toda molhada, com os olhos confusos, esperando que eu lhe dissesse o que fazer, eu desisti de nós. Além disso, desisti de mim e desisti dela individualmente também. Tudo que foi bom a chuva levou, deixei que levasse sem reclamar de tarifa ou impostos. Parei de andar e olhei para o céu, rápido porque a chuva impedia meus olhos de permanecerem aberto, me tornei cinza como ele. Olhei pra Luiza de novo que arregalou os olhos e, depois de uma rápida hesitação, entrou no carro. Percebi que tínhamos chegado. Entrei também. Olhei lá pra fora e vi a menina gordinha de roupas espalhafatosas de mais cedo, ela era bonitinha até, porém a chuva e as roupas não estavam ajudando. Bem a tempo.
-- Agora que está oficialmente na faculdade observe seu primeiro desafio. -- Apontei pra caloura perdida na chuva que era o estereótipo heterossexual provinciano. Luiza me olhou como se eu tivesse xingado a mãe dela. Eu mantive o olhar divertido.
-- Que os jogos comecem! -- Falou num tom seco. Não pude ver seu rosto ao sair com o carro.
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Maria Luiza
Depois da manhã que tivemos eu estava bem esperançosa em relação a Alice. Esse fim de semana, ela pareceu baixar à guarda e fazer um intervalo nesse duelo eterno que trava dentro de si mesma. Eu sempre tento respeitar esse tempo dela, sua maneira única de reagir a dor que eu lhe causei porquê não quero afastá-la de vez. Fiquei quase um ano sem vê-la e foi a segunda coisa mais difícil que já passei. A primeira foi me sentir responsável por sua overdose. No carro a caminho do campus, entretanto, ela estava distante. Distante como fica às vezes. Estava passando maquiagem, porém seu pensamento estava longe. Não disse nada além de lamentos por dor nas costas e quando descemos, onde ela curiosamente (e dolorosamente) citou sua overdose. Parecia estar pensando alto.
A reunião foi um saco, só a mesma ladainha de recepção como sempre. Alice cochilou inúmeras vezes, mas fingi não perceber. O importante é que tínhamos dormido juntas, fizemos amor de manhã e ela tinha mantido sua palavra em vir comigo. Eu estava feliz de um jeito cauteloso. Seu silêncio absoluto já estava me preocupando. Não consegui ver como isso seria um bom sinal. Ela já tinha me mostrado grande parte da faculdade, quando seu maldito celular toca e adivinhem quem era? O babaca em pessoa.
A observei se derreter pelo mané e descobri que foram juntos a festa de sábado. Isso me irritou, não posso mentir. Mas tentei focar na parte em que eu voltei com ela e o que aconteceu a partir daí. Ela dispensou o idiota e fui ao banheiro. Ao mencionar isso ela sorriu. Será que eu nunca mais iria ao banheiro em paz? Quando voltei e olhei pra Alice logo notei que algo estava diferente, gelado. Pensei ser só o vento que anunciava a tempestade, mas era Alice. Alice tinha esse poder quase sobrenatural de alterar tudo a sua volta. Quase chego a acreditar que as nuvens cinzas e a chuva forte são o reflexo do seu humor. Como se ela pudesse externar seus sentimentos de uma maneira tão forte que nem o tempo permanecia intacto.
A chuva caía com força e alheia a todos os meus pensamentos Alice andava calmamente em direção ao carro. Algumas pessoas corriam a nossa volta e eu, já completamente encharcada pensava em fazer o mesmo. Todo mundo sabe que não adianta, mas o instinto manda correr e nós o obedecemos. Parei olhando pra ela que permanecia inalterada pelo temporal que desabava em nossas cabeças. Ela me olhou e eu pude vê-la indo embora mesmo que não tenha dado um passo. Me virei em negação e continuei a andar em direção ao carro. O coração debaixo do pé do pé grande de tão esmagado. Parecia que eu vomitaria seus pedaços um por um. Quando chegamos perto do carro, ousei olhá-la novamente, ela estava com o rosto voltado para o céu. Olhos fechados, braços estendidos ao lado do corpo, vestido grudado e coque desfeito com a força da chuva. Sua integração com esse fenômeno da natureza era magnífico. Percebi que nesse momento eu a contemplava. Tive a confirmação de minhas suspeitas. Alice é uma força da natureza. Implacável, inevitável e irremediável. Era bobagem tentar resistir às suas vontades.
Quando ela finalmente abaixou o rosto e me olhou. Seu rosto estava transfigurado. Ele não tinha nada de diferente fisicamente, mas estava deformado por algo que eu conhecia bem. Ela tinha me olhado assim na saída daquele bar em que me viu com Rafaela. Seu rosto beirava ao monstruoso, não consigo definir de outra forma. Só não posso dizer que estava irreconhecível, que não era a Alice porque era. Era ela em todo seu esplendor. Assim como há um segundo antes, quando sua aparência era quase angelical também era Alice. Encarei a imensidão verde aprisionada em seus olhos e não vi nada neles. Isso foi demais e só consegui fugir. Entrei no carro. Tinha acabado.
Desde que a conheci eu esperei por esse momento. De alguma forma, ele chegaria. Por isso, o ciúme absurdo e todo meu comportamento abusivo. Por isso fugi antes que pudessemos realmente conversar sobre o dia em que a traí. Eu sabia que a perderia. Sei que nada do que eu dissesse poderia remediar a situação e isso me irritou. A maldade nos olhos verdes de Alice e na sua voz quando apontou pra uma gordinha mencionando um absurdo que combinamos em minha casa há pouco mais de um mês atrás. E quer saber? O que me importava mais? O que eu tinha pra lutar? Eu seria a cafajeste que Alice acredita que eu sou. Ela não estava errada, achei que mudaria por esse amor, mas eu a traí não foi? Então está certo. Ela tinha acabado eu estava apenas começando. Respondi ao seu comentário com uma frase de filme e saí com o carro virando o rosto. Era a última lágrima que eu derramaria por Alice e ela não teria o gostinho de ver.
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1 ano depois (Atualmente)
Acordei com a provinciana toda agarrada em mim. Esse apelido que Alice inventou acabou pegando. Haja paciência! Me levantei e tomei um banho devagar. Eram 10:00hrs da manhã, olhei no celular pra ver se Alice tinha dado algum sinal de vida. Eu fazia isso toda droga de dia, como se eu não a conhecesse. Olhei para a menina dormindo na cama do motel e odiei Alice por esse desafio. A guria é boa pessoa, mas muito grudenta. Mas também é muito gostosa e sempre me leva no bico e terminamos em algum motel. Nesse aqui inclusive eu já era conhecida pela senhora da recepção o que me era bem útil pra sair e deixar as meninas aqui em cima dormindo. Eles não tinham medo que as meninas estivesse mortas no quarto. Sou muitas coisas, minha gente, mas assassina não é uma delas.
A verdade é que já estou cansada dessa vida idiota., mas também não quero admitir derrota para Alice. Mas a verdade é que não consegui esquecê-la. Como poderia? Nos aprisionamos nesse jogo doente só pra permanecemos uma na vida da outra sem admitir que nos precisamos. É bem melhor as repetidas mágoas, a dor de ver quem amamos nos braços de outro alguém. O que diabos estamos fazendo? De que me serve esse orgulho idiota? Peguei meu celular e disquei o número tão familiar. Tocou inúmeras vezes e nada. Liguei de novo e fui atendida no sexto toque.
-- MARIA LUIZA VIEIRA DE ALBUQUERQUE, ME DÊ UM MOTIVO MUITO BOM PRA EU NÃO MANDAR ARRANCAR SUA CABEÇA LOIRA DESSE PESCOCINHO FINO! ISSO LÁ É HORA DE LIGAR? -- Pra quem tinha acabado de acordar sua voz estava bem potente. Odeio dizer isso, mas essa mulher me assusta.
-- Bom dia, Al! Estou bem obrigada! O motivo eu te dou pessoalmente. 11 horas, você sabe onde! -- Desliguei rápido porque minha ironia desencadeou uma torrente de palavrões que não teriam hora pra acabar.
Saí correndo daquele quarto horroroso, afinal eu tinha um encontro do outro lado da cidade e só faltavam meia hora.
Fim do capítulo
Repostando pois não verifiquei a formatação e estava uma bagunça danada!
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