A fortiori por Bastiat
Capítulo 36 - Ilunga
Camila
- Filhas, se despeçam e agradeçam a todos. Estou esperando vocês no carro, por favor não demorem.
Peguei a minha bolsa em uma poltrona e fui na direção da Dona Andreia.
- Obrigada pelo jantar, estava maravilhoso - a abracei.
- Por nada, minha querida. Eu que agradeço a sua presença neste Natal. Espero que tenha gostado de tudo mesmo.
Sorri com sinceridade. Abracei o senhor Carlos, desejei feliz Natal para a Lívia.
Fiz isso tudo com muita pressa, é claro. Estou morrendo de medo da Laura aparecer e pedir para falar comigo, fazer alguma cena.
Lembrei-me de me despedir do Sérgio, mas ele estava subindo as escadas com uma certa pressa. Com certeza ele foi atrás da Laura. Só tenho dúvida se ele sabe que tínhamos conversado, que estávamos juntas até agora.
Saí da casa passando pelo jardim, olhando para trás a todo momento. Eu parecia uma fugitiva. E sou mesmo. Quero sair o mais depressa possível e me refugiar em algum lugar que a Laura não possa chegar perto de mim.
Quando cheguei no meu carro, afundei minha cabeça no encosto do banco. Fechei os olhos e na primeira profunda puxada de ar senti o perfume da Laura ainda sobre mim. Seu cheiro impregnado na minha pele é a prova de que fizemos amor coladas uma na outra. Os caminhos que sua boca percorreu no meu corpo ainda estavam quentes. Meu sex* quer mais sensações. Meu corpo pede por suas mãos. Eu estou ficando completamente louca.
Ainda no quarto da Laura, quando minha consciência voltou depois de ser comandada pelo desejo carnal, olhei para ela e não tive dúvida: eu ainda a amo.
Eu só queria sair dali antes que me perdesse dentro daquele olhar apaixonado de novo. Eu estava exposta porque tinha aceitado o seu carinho, seus beijos e toques. Foi tudo tão rápido. Não vou dizer que estou totalmente arrependida. Mas estou com muita raiva de mim por não conseguir resistir.
Ouvi a porta de trás sendo aberta e logo depois duas criaturinhas entraram animadas com algumas caixas de presentes na mão. Virei para elas que me encaram felizes com a noite perfeita delas. Não havia porque me arrepender de ter vindo, elas são as últimas culpadas pela minha falta de resistência. Eu deveria ter evitado o primeiro beijo. Deveria ter fugido da sua pegada.
Verônica sentou-se no banco de passageiro e me olhando de forma enigmática. Seus olhos percorreram pelo meu rosto, como se estivesse me analisando. Senti que o clima estava para perguntas que eu não queria responder. Falei um não sem som para ela, dei partida no carro e sai dali me sentido estranha.
Laura
Adeus? Adeus? A Camila quer me deixar louca! A gente se ama, eu me declaro, vejo em seus olhos que ela ainda tem sentimentos por mim e depois simplesmente pede para esquecer tudo isso?
Quantos minutos eu estou aqui parada? 10 minutos? Tenho que me vestir o mais rápido que consigo e correr atrás dela. Não posso deixar que ela escape de novo. Agora talvez as coisas ficarão até mais fáceis. Espero que ela tenha entendido o quando eu ainda a amo.
Ouvi batidas na porta quando eu estava terminando de colocar o salto. Pedi para entrar já na esperança de ser o meu amor de volta.
Quando a porta se abriu vi o Sérgio. Nunca fiquei tão triste por ver meu amigo.
- A Camila saiu como um foguete de casa e está esperando as meninas no carro. Desce agora que elas só sairão daqui na hora quando você for se despedir - ele nem respirou para falar.
- Eu preciso falar com a Camila - disse simplesmente.
- É... Laura, acho melhor dar um tempo. Eu sei o que rolou aqui no quarto, e se ela saiu como saiu é porque ela está confusa e precisa pensar.
- Eu não posso permitir que ela pense demais e acabe optando pela namorada dela. Você não sabe o que rolou aqui, nós fizemos AMOR. A gente fez amor como antes, meu amigo. Foi como se os anos não passasse para nós - sorri lembrando de cada detalhe.
- Eu sei, querida. Mas os anos passaram e vocês ainda tem muitas coisas para conversar. Não meta os pés pelas mãos, Laura. Converse com ela amanhã. Hoje ela está com a cabeça fervendo.
- Eu já disse. Não posso deixá-la sair daqui sem conversar. Se ela pensar demais vai acabar optando por não ficar comigo.
- Depois do que aconteceu aqui, acho que ela já decidiu ou pelo menos já entendeu muita coisa. Ela só precisa de um tempo para assimilar e perceber que ainda te ama. Se você correr atrás da Camila hoje, ela não vai ter a chance de refletir e vai tentar te afastar de todos os modos.
Ponderei as palavras e a linha de pensamento do meu amigo. Pensei mais um pouco em silêncio. Cheguei à conclusão de que ele pode estar certo.
Desci e me despedi das minhas filhas. Foi bom ver que estavam felizes. Com as minhas filhas tão unidas e com a perdão da Camila, as coisas prometem ser diferentes agora. É pedir demais a minha família de volta? Sei que tenho que fazer por merecer isso e farei.
Camila
Cheguei em casa mais confusa do que saí da casa dos pais da Laura. As minhas filhas vieram o tempo todo falando com a tia. Verônica foi quem me salvou de dar atenção para as minhas filhas. Minha cabeça está fervilhando como o meu corpo está quente. Eu preciso de um banho frio. Encher a banheira de gelo pode ser uma opção.
Deixei as minhas filhas ainda na sala com a Vero e subi para o meu quarto. Tirei o meu salto, meu vestido, minha calcinha e meu sutiã. Fiquei totalmente nua de frente para o espelho. Me encarei e passei as mãos pelos cabelos.
- Foi só um desejo acumulado de anos, não foi? - Perguntei para mim mesma.
Continuei me encarando e pensando na resposta para a minha pergunta.
- Ela fugiu com a sua filha, Camila. Você não pode amar uma pessoa que te fez sofrer. Quantas vezes será preciso te lembrar de não cometa o mesmo erro? Arranque a Laura do seu coração.
Passei minhas mãos por onde eu ainda sentia os toques dela. Laura deixou rastros de seu amor pelos caminhos percorridos. Eu preciso me livrar disso.
Saí de frente do espelho e andei até o meu banheiro. Entrei no box, abri a água fria e nem liguei pelo quase choque térmico que aconteceu quando tocou o meu corpo. Era até melhor se eu morresse mesmo. Amar a Laura foi uma quase morte. Voltar a amá-la pode significar a própria morte.
Verônica
Eu estava doida para falar com a minha irmã, mas as minhas sobrinhas estavam agitadas demais para dormir. Diana não para de falar e insiste em querer falar com a mãe antes de dormir.
- A sua mãe está cansada, coisinha. Você não viu que ela subiu direto para o quarto? Ela já deve estar dormindo.
Imagino que a Camila esteja querendo ficar sozinha. Levar uma Diana agitada para o quarto dela é arriscado.
- Mas é importante, tia Vero. Eu preciso muito falar com ela.
- Fala amanhã, pequena. Hoje a sua mãe precisa de paz e sossego.
Diana deitou na cama ainda falando do jantar e eu aproveitei para cobri-la. Marina fez o mesmo que a irmã e bocejou indicando que esteve este tempo todo lutando contra o sono.
- Boa noite, amores da tia. Feliz Natal. Papai Noel pediu para avisar que não é para acordar antes das dez da manhã, viu? Ele vai se atrasar para colocar os presentes na árvore.
Tinha me esquecido desse pequeno detalhe, o de colocar os presentes na árvore. Sei que elas não acreditam, mas é bom manter a tradição. Vou fazer isso antes de deitar.
- Boa noite, tia Vero. Feliz Natal - Diana respondeu.
- É, Feliz Natal, tia. Esse foi o melhor Natal de todos.
Sorri pela fala da Marina e acenei para ela com a cabeça. Apaguei a luz do quarto delas e saí.
Não resisti e bati na porta do quarto da minha irmã. Queria tentar falar com ela, preciso saber se está tudo bem.
- Quem é? - ouvi ela perguntar perto da porta.
- Sou eu, Cah. - Respondi.
- Vero, agora não. Eu preciso ficar sozinha.
- Tudo bem, Cah. Eu só preciso saber se você está precisando de alguma coisa. Está tudo bem?
- Estou bem, Vero. Não se preocupe que só preciso de uma boa noite de sono. Amanhã a gente conversa.
- Está bem, como queira. Boa noite.
Ela respondeu me desejando boa noite também e então eu fui para o meu quarto.
...
Senti o meu celular vibrar e para a minha surpresa a tela anuncia que a Patrícia enviou uma mensagem.
"Feliz Natal, Vero!"
Nem para mandar um beijo, um abraço, perguntar se estou bem.
"Obrigada". Essa foi a minha resposta. Se ela quer ser fria, eu também serei.
Para a minha surpresa, a tela agora mostra que ela está me ligando. Caramba, o que eu faço agora? Merda de coração que já está batendo forte.
- Alô? - Atendi.
- Ainda acordada, querida? Aposto que foi para uma festinha e chegou agora.
- Você não sabe onde eu estava? Não tem falado com a Laura?
- Sim, eu sei que você, sua irmã e as meninas foram jantar na casa dos pais da Laura. Mas creio que já tenha acabado faz tempo e que você esticou em alguma festinha. Acertei?
- Errou, Patrícia. É que foi um jantar... digamos... agitado. Não estou conseguindo dormir.
- Agitado? O que aconteceu? Vai me dizer que teve briga? A Laura acabou de responder uma mensagem dando a entender que foi tudo bem.
- Não, não. Falei agitado no sentindo que as meninas ficaram felizes e agitadas. Não teve briga.
- Hum... certo.
- Foi só para isso que me ligou? Bom, se foi, já sabe que está tudo bem. Vou dormir.
- Ei, calma Verônica. Eu fiz alguma coisa?
Pensei em dizer que não, encerrar logo a ligação e deixar as coisas como estão. Mas eu nunca tive sangue de barata e não vou passar a ter agora.
- Você tem se afastado de mim de uns tempos para cá e pergunta se fez alguma coisa? Era melhor ter ficado só na mensagem.
- Eu tenho me afastado? Você também tem se afastado aos poucos. Eu fiquei com medo de estar forçando a minha presença porque você começou a falar pouco comigo e eu estava com alguns problemas para resolver.
- Você só me procurava quando tinha que resolver algum problema. Queria que eu estivesse cheia de sorrisos por isso?
- Se você não queria ajudar era só ser sincera e dizer não para o que eu pedi. Desculpe-me se te atrapalhei em algo.
- Eu te ajudei com o maior prazer e ainda te ajudarei no que for preciso. Mas, poxa, poderíamos pegar uma praia juntas, sair como amigas.
- Amigas, Verônica? Amiga fica dando em cima da outra? Eu queria muito te chamar para sair, mas ficava com receio de você entender outra coisa.
- Ah, Patrícia, há muito tempo que eu não dou tão em cima assim de você, vai.
- Verônica, a última vez que nos vimos você perguntou quando eu ia te dar uma chance.
- Certo, talvez eu tenha dado em cima de você. Mas tudo foi brincadeira, você não precisava ter se afastado. Eu sou assim, brinco com tudo.
- Eu me afastei para evitar um problema maior.
Ela realmente gosta da Laura. Está na cara que ela estava me evitando para não ter problema maior com a sua querida esposa.
- Então vamos continuar afastadas porque para mim está ótimo assim.
Foi corna esta noite mesmo e ainda quer dar lição de fidelidade para cima de mim, pensei.
- Verônica! Não seja infantil. Eu sinto a sua falta.
Certo, saber que ela sente a minha falta me fez esquecer por um momento que eu estava chateada com ela.
- Eu também sinto sua falta. Quando você volta?
- Depois de amanhã. Quero dizer, como já é madrugada de domingo, dia 25, então eu volto amanhã, dia 26.
- Vamos marcar de nos encontrarmos qualquer dia desses. Quero te dar um abraço.
- Claro, assim que eu chegar te ligo. Podemos ir à praia.
- Eu vou adorar te ver de biquíni... - me interrompi.
Merda, eu dando em cima da Patrícia de novo.
- Acho que você vai gostar mesmo. Agora você poderá ver as minhas tatuagens mais de perto.
É impressão minha ou ela correspondeu o meu flerte? Não, Verônica, ela só entrou na brincadeira.
- Tá bom - eu fiquei sem graça. Nem soube o que responder.
Ouvi a Patrícia dar risada e suspirar.
- Está tarde e eu estou morrendo de sono. Vou desligar, tudo bem?
Eu poderia ficar ouvindo sua voz meio rouca pelo resto da vida pelo telefone. Mas o sono estava batendo também.
- Tudo bem, querida. Obrigada por ligar. Feliz Natal.
- Feliz Natal para você também. Eu te ligo assim que botar meus pés no Rio.
- Está bem. Boa noite, Pati.
- Boa noite, Vero.
Encerrei a ligação com o coração na mão. Qual será a reação dela se descobrir que Laura a traiu com a minha irmã? É bem capaz dela descobrir o que fez e ainda perdoá-la. Ou pode ser que ela sofra muito. Bem, se ela sofrer, quero estar do seu lado para ampará-la.
Laura
Acordei com o perfume da Camila entrando nas minhas narinas. Provavelmente, quando me virei para o lado esquerdo da cama, acabei enterrando o meu nariz no travesseiro que ela se deitou.
A euforia que senti até me despedir das minhas filhas deu lugar para uma angústia. Deitada agora na minha cama, começo a relembrar do momento que ela disse que me perdoava. Aquilo foi da boca para fora. Foi como se dissesse para eu não correr atrás dela. Eu quero que a Camila me perdoe de verdade, olhando nos meus olhos, sendo sincera. Conversamos, nos confessamos, mas agora entendo que o que aconteceu ontem pode ter sido precipitado. Foi maravilhoso e eu vou guardar o momento para o resto da vida. Mas para quem precisava conversar um pouco mais, acho que me deixei levar além da conta.
Me angustia também pensar em como a Camila está. Eu vi muita mágoa em seus olhos e trans*r comigo só pode tê-la deixado mais confusa. Será que ela pelo menos vai pensar nas minhas palavras? Tentar assimilar as coisas que disse? É difícil. Sei que é. Mas se ela quiser me perdoar de verdade, sei que ela é capaz.
Camila
"Virada de costas assim é fácil dizer tudo que você disse. Eu até aceito o seu adeus, mas para ser verdadeiro você terá que virar de frente para mim e repetir tudo o que falou olhando nos meus olhos."
Foi a voz da Laura na minha mente quem me despertou pela manhã. Falar sem olha-la foi muito fácil mesmo, faria isso um milhão de vezes. Agora, talvez, eu precise de mais coragem para encará-la e dizer que não a quero como ficou parecendo por termos feito o que fizemos. Feito... amor.
"Eu assumo todos esses erros. Eu errei, caramba! O que você quer que eu faça? Eu estou arrependida. Talvez o meu arrependimento não signifique nada para você, mas eu quero que saiba que me arrependo do fundo da minha alma."
Será que é errado passar a acreditar no arrependimento da Laura? Ela foi tão sincera. Sei reconhecer quando uma pessoa é sincera. Seus olhos me mostraram que se ela tivesse a chance de mudar algo no passado, com certeza seria o dia que levou a Marina com ela.
Ouvi batidas na porta e a cara da Verônica pontou quando a porta foi aberta.
- Posso entrar?
- Entra, bom dia.
- Bom dia, minha xerox.
Sorri com a brincadeira e ela deitou do meu lado. Encarou-me por alguns instantes e perguntou:
- Como você está se sentindo depois de ontem?
- Tentando me entender.
- Eu imagino como você deva estar confusa. Você não quer conversar sobre o que aconteceu?
- Você não sabe o que aconteceu.
- Talvez eu saiba... - Vero falou hesitante.
- Não, não sabe. Talvez você tenha percebido que eu conversei com a Laura, mas o que rolou, você não sabe.
- Eu sei que vocês trans*ram.
- O QUÊ? - Pulei na cama e sentei.
Minha irmã acompanhou o meu gesto e sentou-se também.
Verônica
Eu não podia falar para a minha irmã que o Sérgio e eu tínhamos flagrado o começo do ato delas. Ela me mata se desconfiar que eu fiquei tentando escutar a conversa e ainda por cima o Sérgio a ter visto fazendo sex*.
- Eu vi vocês duas subindo e depois de um tempo fui até o quarto para ver se estava tudo bem. Abri a porta bem devagar para não interromper nada e vi o que vocês estavam fazendo.
- Verônica! Você ficou vendo a gente trans*r?
- Claro que não! Fechei a porta e desci em seguida.
- Ah bom! Então você deve imaginar como estou me sentindo. Eu fiz merd*, deixei que a Laura me levasse para cama.
Levantei a sobrancelha direita em questionamento.
- Você não parecia estar sendo obrigada a nada.
- Eu não quis dizer que foi forçado. Muito pelo contrário, eu sabia dos meus atos. Nem posso colocar culpa na bebida porque não bebi nada ontem. Vero, eu não podia ter deixado que o nosso reencontro terminasse na cama, entende?
- Como você se deixou levar assim? O que aconteceu para que vocês fossem parar na cama?
- Eu não sei explicar, droga. Não foi só desejo. Foi mais que isso. Na hora que a Laura chegou mais perto de mim, foi como se algo nos puxasse para perto uma da outra. Eu sabia que chegar perto dela nunca foi uma boa ideia. Quando eu a conheci foi assim, essa coisa me puxando para perto dela. Durante todo o nosso namoro também foi assim. No casamento só piorou porque eu comecei a amá-la mais e mais a cada dia. Parece que eu perdi aquela raiva que senti esses anos todos e deixei-me levar.
Camila
Verônica ouvia com muita atenção todas as palavras. Ela me conhece como ninguém. Sabe que eu estou procurando respostas que quero fugir, não quero encontrar.
- O que fez você não a rejeitar como todo mundo apostaria que faria?
- Acho que todo o arrependimento que ela demonstrou. A Laura não soube explicar. Na verdade, ela não buscou tentar justificar o que fez como eu pensei que faria. Ela me surpreendeu de uma forma inexplicável.
- O que você esperava dela? Não entendo.
- Eu pensei que ela ia colocar a culpa em mim, no trabalho, no relacionamento com a mãe dela ou na infância que teve. Jurava que ela ia criar uma boa desculpa, inventar uma história. Eu fui pronta para não ser manipulada e me deparei com uma Laura assumindo todos os erros, arrependida e demonstrando ser uma mãe maravilhosa.
Acabei sorrindo por lembrar da interação dela com as nossas filhas durante o jantar. Desde o cuidado de ajeitar a franja delas até na total atenção quando conversava. Laura fazia elas rirem, sorrirem, vi até uma bronca com o olhar que fez a Marina baixar a cabeça e parar de brincar com a comida no prato.
- Ela me desarmou quando disse que queria voltar para o Brasil, mas não encontrava uma saída. Eu imaginei que ela passou esses anos todos com a certeza de que fez a coisa certa, mas a verdade é que vai ter que lidar com esse peso na consciência para o resto da vida - confessei para a minha irmã.
- Cah, quando a Laura apareceu aqui pela primeira vez depois da volta, vi de longe o peso que ela carrega. Ali eu não tive dúvida de que ela queria consertar as coisas que fez. Só depois de conversar com as filhas que ela se sentiu um pouco aliviada.
- É como a Laura disse, ela não pode mudar o passado. Como o passado não pode ser apagado, sinto-me ainda no direito de não a querer por perto.
- Mas, Cah, o que você fez depois da loucura do sex*? Vocês conversaram sobre isso? É estranho te ouvir falar assim.
- Não conversamos e nem vamos conversar. Deixei bem claro que foi um erro e dei adeus a ela.
- E a Laura? Deixou você ir embora numa boa?
- Ela me pediu para dar o adeus olhando-a nos olhos. Eu falei algumas coisas para ela, mas parece que não surtiu efeito. Aposto que ela vai bater aqui em casa pedindo para conversar.
- Por quê? Você não disse adeus olhando-a nos olhos?
- Eu não consegui. Apenas corri. Queria ir para longe dela o mais depressa possível.
- Ela ainda mexe com você.
- Mexe, eu não tenho como negar mais. Ainda mais depois do que aconteceu ontem. Por isso agora eu tenho certeza: tenho que me afastar dela.
- Você mesma disse que ela vai correr atrás. Como vai se afastar dela?
- Eu sei como, mas não me peça para te contar.
- Já vi que vai dar merd*. Cah, pelo amor de tudo que é mais sagrado, não vai fazer algo que vai prejudicar as meninas.
- Não vou prejudicar ninguém. Apenas vou colocar um ponto final na minha história com a Laura.
Verônica ficou como uma estátua olhando-me. Não falou nada e nem deu sinal de que vai abrir a boca.
- Acho que está na hora de levantar.
Minha irmã saiu da cama e ajeitou o cabelo.
- Te espero lá em baixo.
- Vero, eu não vou fazer merd*, acredite em mim.
- Eu só quero que você seja feliz, Cah. Se quer colocar um ponto final em tudo isso, vou te apoiar. Só se lembre que quem vai viver as consequências no futuro é você, minha querida.
- Vou tomar um banho e já desço - encerrei.
Verônica acenou e saiu do meu quarto.
"Eu ainda te amo, Camila". "Eu ainda te amo, Camila". "Eu ainda te amo, Camila". "Eu ainda te amo, Camila". "Eu ainda te amo, Camila". "Eu ainda te amo, Camila". "Eu ainda te amo, Camila". "Eu ainda te amo, Camila".
Esta frase me acompanhou enquanto eu tomei meu banho. Eu também ainda amo a Laura. Só que eu não posso passar por cima de tudo e amá-la como antes. O que se quebrou, quebrado permanecerá.
...
Após o banho, desci os degraus da escada que dava para a sala da minha casa. Uma das minhas filhas parecia bem feliz com os presentes que ganhou. Virada de costas assim, eu não sabia qual era, ainda mais com esse pijaminha parecido.
Não demorou muito para ela virar e sorrir muito. Seus olhos cor âmbar desapareceram com a largura do sorriso que obrigava-a fechar os olhos.
- Obrigada pelo presente, mãe. Eu adorei!
Desesperei-me. O presente que estava na mão dela é o da Marina. Será que esqueci de escrever no papel de presente?
- Meu amor, esse presente não é para você, é para a sua irmã.
- Ué. Mas estava escrito meu nome no papel. Olha aqui - ela pegou o papel todo rasgado e estendeu na minha direção - está escrito Marina.
Fiquei olhando para ela e cheguei à conclusão de que é realmente a Marina que está na minha frente. Marina tem a mania de andar com a franja bagunçada para o lado, já a da Diana está sempre impecável para frente.
- Você ainda não sabe diferenciar eu da Diana, mãe? Somos tão diferentes.
Ela fez de novo. A Marina me chamou de mãe duas vezes.
- Não é isso, eu sei diferenciar as duas. É só que... Do que você me chamou, Marina?
- Ah, é isso? Te chamei de mãe. É estranho, não é? - ela deu uma risada envergonhada.
- Por que é estranho? Eu sou a sua mãe e esperei esse tempo todo te ouvir me chamar assim.
- Se você queria tanto que eu te chamasse assim, por que não pediu?
A chamei para o sofá. Ela deixou a caixinha de música perto da árvore de Natal e sentou-se junto comigo, bem perto de mim.
- Eu queria que fosse uma coisa natural, que partisse de você. Talvez, se eu pedisse para você me chamar assim, seria como se fosse uma obrigação. Você se sente à vontade agora para me chamar assim, não é?
- No começo eu não achei que te chamaria de mãe algum dia, confesso. Depois eu senti vontade de te chamar assim e já te chamava mentalmente de mãe, mas eu ficava com vergonha. Eu não sabia se te chamava de mãe Camila, mamãe ou simplesmente de mãe. Mas não importa. Você é a minha mãe, sabe? Eu te sinto como minha mãe. Eu te amo do mesmo jeito que eu amo a minha mãe Laura. Esses meses aqui com você, a nossa convivência, é como se resgatasse uma parte que eu não vivi com essa parte da minha família.
Eu estava emocionada e a abracei apertando aquele corpinho com o meu. Ela me abraçou forte de volta.
- Eu te amo tanto, filha. Você não sabe a alegria que me deu ao te ouvir falar tudo isso. Te amo, muito, muito, muito, muito.
- Eu também te amo, mãe. Você e a Laura são as melhores mães do mundo. Eu e a Diana temos sorte de ter vocês.
- Marina, o que te fez perdoar a Laura?
- A minha mãe Laura sempre me ensinou que perdão são como presentes. Primeiro devo me dar esse presente. Depois tenho que dar para outra pessoa, mesmo que ela não mereça, porque vai me fazer muito bem. Eu dei esse presente a ela porque estava precisando e isso me fez muito bem. Só depois de ela me contar tudo que eu consegui te ver com outros olhos. Se estivesse guardado rancor a minha vida estaria ruim porque eu estaria brigada com alguma das duas e isso faria mal a todos.
Queria enxergar a vida da maneira simples que a Marina e a Diana enxergavam. Para mim é tudo tão complicado.
- Que bom que você conseguiu perdoar a sua outra mãe, meu amor. Isso te faz uma pessoa muito especial.
- Vocês conversaram ontem que eu percebi. Você a perdoou?
Eu não sabia que tinha perdoado a Laura de coração ou disse aquilo para esquecer aquela história de conversa e tentar seguir em frente.
- Uhum... Cadê a Diana? Ela não deveria estar aqui com você?
- Ela ganhou uma bicicleta da nossa outra mãe e a tia Vero foi lá fora com ela. Ela já estava aprendendo a andar com a minha bicicleta que a mãe Laura trouxe de São Paulo.
- Ah sim, ela me disse que aprendeu. Mas não é perigoso?
- Mãe, é só uma bicicleta. Ela já tem trainado bastante. Além disso, o outro presente foi um monte de equipamento de segurança, relaxa. Por que você não a ensinou até hoje?
Agora quem ficou envergonhada foi eu.
- Porque eu nunca aprendi a pedalar direito - e já mudei de assunto. - O que você ganhou de presente da Laura?
Ela sorriu sapeca.
- Um patins.
Eu vou matar a Laura e seus esportes radicais.
Laura
- Mãe? - Entrei no quarto dela assim que bati na porta.
- Oi, filha. Seu pai acabou de falar que as meninas ligaram para agradecer os presentes. Elas adoraram.
- Sim, a Diana endoidou com a bicicleta e a Marina está louca para aprender a andar de patins.
- Eu imagino. Haja disposição para o pique dessas duas agora, sorte que você é jovem.
- Mãe, meu aniversário está chegando e sabe o que isso significa? 38 anos nas costas. Mais dois anos eu chego na casa dos quarenta.
- Ai, Laura! Isso só piora a minha situação. As pessoas vão começar a calcular a minha idade.
Dei risada quando me sentei na cama e ela largou o hidratante no criado mudo. Depois eu baixei a cabeça quando me lembrei da Camila. Ela não saiu da minha cabeça o dia todo.
- Tem algo que você queria me falar, Laura? Quer falar sobre ontem?
- Sim, quero falar sobre ontem.
Só não sabia por onde começar.
- Eu percebi que você e a Camila sumiram por um bom tempo e acredito que estavam juntas. Vocês conversaram?
- Conversamos.
- Laura, conta para mim o que aconteceu. Vocês brigaram, é isso? É por isso que você está com esse olhar triste?
- Não brigamos. Acho que seria até melhor se tivéssemos brigado, não sei. Mãe, no meio da conversa pintou um clima e acabamos na cama.
- Vocês fizeram sex*? Foi isso?
- Fizemos amor, mãe. Eu e a Camila nos amamos.
- Mas isso é uma coisa positiva, não? Sinal que a conversa foi boa.
- Nós conversamos, mas não foi como eu imaginei, sabe? Eu entendo que para ela foi difícil, ainda mais olhando naqueles olhos o mal que eu fiz. Eu falei, falei, falei e esperava que tivesse mais diálogo, que ela tivesse mais perguntas. Mas, mãe, eu não me vi chegando perto dela. Eu tentei resistir quando percebi que queria beijá-la. Mas ela também queria e aguardou um beijo meu que eu dei. Uma paixão louca nos pegou e acabamos trans*ndo como se o tempo não tivesse passado para nós.
- E ela? O que ela disse depois?
- Essa foi a pior parte - eu segurei algumas lágrimas que brotaram. - Ela disse que foi um erro e que era para esquecer o que tinha acontecido.
- Nossa! Isso deve ter doído. Mas o que você disse? Aposto que você não ficou quieta.
- Eu pedi para que ela dissesse tudo que disse virada para mim e olhando nos meus olhos.
- Então ela não olhou para você? - Acenei um não confirmando para a minha mãe. - Ela foi embora depois disso?
- Sim, ela não virou. Abriu a porta e foi embora.
- Isso foi um sinal, querida. Silêncio e ir embora também é uma forma de resposta.
Fiquei pensando qual seria o significado daquela atitude.
- Se tem uma resposta, qual foi?
- Que ela ainda te ama, mas que tem medo de confiar em você.
Espero que a minha mãe esteja certa. Que seja mesmo uma questão de confiança. Eu posso provar para a Camila que ela pode voltar a confiar em mim. Só preciso de uma chance.
Fim do capítulo
Olha a Marina chamando a Camila de mãe!!!
O que se passa na cabeça da Camila? Como ela vai afastar a Laura?
Próximo capítulo temos mais um encontro entre as duas.
Comentar este capítulo:
patty-321
Em: 10/09/2017
Achei tão lindo a Marina, enfim, chamar a Camila de mãe. Eu acho q a cah vai aceitar namorar a fotógrafa. Mas vai ser egoísmo pq ela não ama a moça. Mas lógico que a cah não vai aceitar a Laura assim tão fácil.
Resposta do autor:
Achei lindo também. Espero que tenham entendido a Marina.
Estranho seria se aceitasse, ela não chamaria Camila haha.
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