Capítulo 49
O JARDIM DOS ANJOS -- CAPÍTULO 49
Pelo monitor de seu computador, Lorraine avistou o técnico parado diante da porta de sua sala. Apertou um botão e liberou a sua entrada.
-- Bom dia, doutora. Pronta para a festa?
-- Não brinque com coisa séria. Estou rangendo os dentes -- Lorraine deu um sorriso nervoso.
-- Sua amiga está pronta?
-- Acabei de falar com ela. Faz meia hora que Andras passou de carro pelo portão do prédio.
-- Então vamos nos preparar.
Lorraine olhou séria para ele. Pressionou um botão e falou no intercomunicador:
-- Sandy, pode nos trazer café, por favor? -- a morena forçou um sorriso -- Agora é só vigiar as câmeras. Assim que ela chegar, colocamos o plano em prática.
-- Olá senhor Sidnei -- disse Patricia ao parar diante da mesa do porteiro.
-- Patricia! O que faz aqui, sua maluca? -- olhou ao redor, desconfiado -- A dona Andras já saiu para o trabalho, mas vai que ela volte?
-- Volta nada. Ela já deve estar chegando no hospital.
-- Estava com saudades de você -- o porteiro sorriu e tomou-lhe as mãos delicadas entre as suas num toque gentil e carinhoso -- Mas me diga, o que faz por aqui?
Por um instante Patricia ficou em silêncio. Depois comentou:
-- No dia que deixei o apartamento, sai tão apressada que esqueci as alianças de casamento dos meus pais -- Patricia mordeu o lábio inferior. Não acreditava que estava falando uma besteira dessas -- O par de alianças foi o único bem material que eles me deixaram. A joia tem um valor sentimental enorme para mim. Muito maior do que o comercial.
O porteiro franziu a testa. Sentado atrás do balcão, ele lançou-lhe um olhar cheio de compaixão.
-- Sinto muito, Patricia, mas não posso permitir que entre. Dona Andras é muito esperta e desconfiada. Ela vai perceber que alguém entrou no apartamento.
-- Eu juro que vou entrar, pegar a minha caixinha e sair rapidamente. Ela nem sonha que eu esqueci as alianças... Por favor! - Patricia resolveu apelar para o lado emocional do homem - Eu quero usar as alianças no meu casamento -- recostou sua cabeça sobre o balcão e, em seguida, caiu no choro exageradamente.
-- Que droga! -- resmungou o homem -- Olha aqui Patricia, se a dona Andras sonhar que eu deixei você entrar no apartamento dela, não vou perder somente o meu emprego. Vou perder também a cabeça, os braços, o...
-- O bilau -- Patricia completou com um meio sorriso.
-- Vai brincando, vai -- ele virou-se e abriu uma gaveta -- Aqui está. Estas são as chaves do apartamento. Se acontecer algum imprevisto, me avise.
Patricia não esperou nem um segundo, pegou as chaves da mão do homem, saiu correndo e entrou no elevador.
-- Graças a Deus você chegou! -- exclamou Agnes, aliviada -- duas técnicas de enfermagem estão de atestado com gripe, estamos feito loucos aqui no PS.
-- Hoje não é um bom dia, não é mesmo Fael? -- Beca falou, sorrindo para ele.
-- E ainda pode ficar pior... Estou superatrasado -- falou desolado.
-- Está mesmo. É melhor se apressar. A enfermeira chefe ainda não notou sua falta. Eu lhe disse que você foi ao laboratório levar alguns exames.
-- Obrigado, Beca. Vou colocar o jaleco e logo volto.
Fael entrou apressado no vestiário, pegou o jaleco no armário e parou diante do espelho.
-- Que dor! -- o rapaz levou a mão sobre o peito -- O que está acontecendo? -- perguntou para sua imagem no espelho.
Beca pigarreou da porta para chamar a sua atenção. Fael se virou com um meio sorriso.
-- Há novos pacientes no setor de ortopedia e alguns problemas que surgiram de madrugada. O doutor Felipe foi afastado. Um novo médico foi chamado para substitui-lo.
Fez-se um silêncio carregado de tensão até que Fael conseguiu falar:
-- Estou com dor no peito e falta de ar. Sinto que estou me afogando -- tinha a sensação de que algo diferente estava para acontecer. Talvez fosse mau pressentimento, não sabia explicar.
-- Vamos até a enfermaria. Eu verifico a sua pressão...
-- Não! -- o olhar de Fael voltou-se rapidamente para o de Beca -- Preciso sair daqui.
Fael tirou o jaleco e saiu correndo...
Lorraine e o técnico, estavam sentados de frente para a tela do computador. Assim que Andras colocou o pé na porta de entrada do hospital, eles se entreolharam.
Até então Lorraine se mantivera controlada, falando num tom de voz frio e tranquilo, mas, de repente, ela mudou e deixou que as emoções tomassem conta dela.
-- Não sei se vou conseguir -- Ela estava chocada e com a voz trêmula como se fosse chorar -- Essa mulher me causa pavor.
O técnico começou a se preocupar com o comportamento de Lorraine. Ela não podia desistir, não teriam outra chance.
-- Você precisa ser forte para enfrentá-la da melhor forma possível. Pense que talvez seja essa a nossa última oportunidade.
Lorraine olhou para o monitor e viu Andras entrar e logo em seguida sair do elevador. Lembrou de Alisson, de como ela ficaria decepcionada com sua covardia. Pensou por alguns segundos, respirou fundo e se levantou decidida.
-- Você tem razão. Pode ser que não dê certo, mas ninguém poderá dizer que eu não tentei.
-- É isso ai, doutora!
-- O que aconteceu? -- Agnes perguntou assustada -- Fael passou por aqui correndo como um louco.
Beca apertou as mãos nervosa e olhou para a porta.
-- Não tenho certeza, mas desconfio que Fael esteja prestes a atingir o estado de Espírito Puro.
Agnes levantou as sobrancelhas, intrigada.
-- Como assim, atingir o estado de Espírito Puro?
-- É através da reencarnação que evoluímos, e Deus nos dá a oportunidade de resgatar as nossas "dívidas", pois de outra forma não conseguiríamos ficar em paz sem fazermos o bem a quem fizemos o mal em outras vidas. A reencarnação é necessária até que o Espírito atinja o estado de Espírito Puro, ai, já não está sujeito à reencarnação.
-- Mas isso é incrível! -- Agnes se debruçou no balcão e encarou Beca -- Tenho muita vontade de adotar crianças. É uma fixação que não consigo evitar. Todos os dias penso nisso, chego até a sonhar que estou adotando várias crianças.
-- Sério? -- Beca abriu um sorriso radiante. Em seguida, virou-se para Agnes e confessou empolgada: -- Eu também sonho adotar umas...
-- Cinco... cinco, crianças -- Agnes deu pulinhos e bateu palminhas.
-- Cinco -- Beca achou linda a euforia vibrante dela.
-- Como eu descubro se essa é a minha dívida?
-- Você pode conversar com a médium Helena Burnier, foi ela quem fez o meu espírito reconhecer o sofrimento que causei aos outros. O espírito vai perguntar-se como ajudar os seres humanos a sofrer menos. Ensinando você a fortalecer-se, buscar a paz, orientando-a para não se deixar enganar por falsas promessas, ajudando-a a não ser vítima de indivíduos do tipo que eu mesma fui no passado.
-- Me leva até ela -- pediu Agnes.
-- Levo, levo -- disse Beca, sorrindo -- Agora vamos trabalhar que hoje o bicho vai pegar.
-- Vamos, mas não pense que vou esquecer de falar com a Helena Burnier. Vou te perseguir até você me levar.
Beca não falou nada, apenas sorriu e balançou a cabeça que sim.
Lorraine olhou para a tela pela última vez antes de se levantar e sair em direção à sala de Andras. Ao mesmo tempo em que caminhava com passos decididos e enérgicos, olhava receosa a sua volta.
Enquanto andava, sussurrava palavras de incentivo e de calma. Era tudo o que precisava naquela hora, calma, coragem e sorte. Mais sorte do que juízo.
Parou diante da porta onde se lia a inscrição "Andras Barcelos". Deu dois toques e segurou na maçaneta.
-- Pode entrar -- Andras respondeu lá de dentro.
A voz dela produziu um calafrio em Lorraine. Ainda segurando a maçaneta, ficou parada durante um tempo até tomar folego e abrir a porta.
-- Que surpresa agradável -- Andras elevou as sobrancelhas demonstrando desconfiança -- Finalmente minha noivinha resolveu fazer um agrado a sua tão carente e apaixonada amante.
Com seu rosto sem expressão, Lorraine sentou se na cadeira de frente para ela. Estava ansiosa, portanto foi direto ao assunto.
-- Vim conversar sobre o nosso casamento.
Com os cotovelos em cima da mesa, Andras a observava em silêncio.
-- Eu decidi que não vou mais casar com você, Andras! -- a voz de Lorraine saiu grave e desafiante. Seu rosto estava pálido, os olhos verdes brilhavam e ela encarava Andras de cabeça erguida -- Aceitar foi um erro. Não posso casar com uma pessoa que não amo -- se encaravam olho a olho. Andras nem piscava.
-- Amor? É sobre isso que estamos discutindo? Você está me dizer que não quer casar comigo porque não me ama? -- O rosto de Andras estava vermelho -- Nunca ouvi uma bobagem tão grande em toda a minha vida! -- Andras se levantou, passando as mãos nos cabelos negros e macios -- Então você prefere mofar na cadeia? -- Ela perguntou e percebeu que Lorraine empalidecia.
-- Prefiro -- Retrucou Lorraine e Andras voltou a olhá-la de frente.
-- Minha paciência chegou ao limite, Lorraine. Não vou mais insistir nesse assunto -- Disse, fazendo uma pausa para tomar fôlego -- Não pense que serei boazinha -- Grunhiu ela, mal-humorada -- Entregarei as provas para o investigador Pinto, hoje mesmo.
Lorraine ficou ainda mais pálida. As palavras de Andras atingira-a como um tapa.
-- Hoje? -- Olhou, desesperada para a marqueteira e deu um longo suspiro -- Prefiro que seja assim.
Andras ficou olhando para Lorraine. Será que era isso mesmo que ela queria? Será que não entendia que seria presa e condenada? Virou-se e olhou por alguns instantes pela janela. Depois voltou a olhar para a médica.
-- Você está fazendo isso pela Alisson. Não é mesmo?
Lorraine a observava com os olhos verdes assustados. Preferiu não responder.
-- Ela não ficará com você. Conheço a Alisson, ela não fará a mesma besteira que eu.
-- Não estou fazendo isso pela Alisson. Você não consegue entender? -- replicou raivosa -- Não serei um peão nas suas mãos. Um peão que você move para frente e para trás no tabuleiro, para pegar um rei. Prefiro apodrecer na cadeia.
-- Sua estúpida! -- disse entre dentes -- Saia daqui! -- ela berrou, com raiva.
Lorraine bateu a porta pesada atrás de si, encostando-se nela e fechando os olhos.
-- Deus! Me ajude, eu te peço.
Patricia agradeceu o porteiro e saiu apressada do prédio. Entrou no carro, apoiou a cabeça no volante procurando se acalmar. Suas mãos tremiam de nervosismo, seu coração batia acelerado. Entrar no apartamento de Andras foi assustador. Porém, estava feliz por haver conseguido instalar as câmeras que Lorraine pediu.
Pela janela aberta, olhou para os lados, pegou o celular e ligou para o técnico de informática.
-- Avisa a Lorraine que a missão foi cumprida. Vou ficar aqui na frente do prédio aguardando novas instruções.
Fael sabia o caminho até o rio. Podia fazer esse caminho de olhos vendados. Mas o tempo passava devagar e tinha a impressão de que nunca chegaria até lá. Sentia que algo o puxava para trás, tentando impedir que ele prosseguisse.
A cada passo que dava, aumentava mais ainda a sua agonia. Seu cérebro sabia que tinha de voltar ao rio, enfrentar o passado, acalmar a sua alma.
Parou um pouco. Tempo suficiente para tomar um ar. Pôs as mãos sobre os joelhos olhando adiante, mirando o caminho.
-- Não vou desistir. Eu preciso continuar...
Cerca de dez minutos mais tarde, Fael chegou à ponte, esbaforido. E quando chegou ao ponto mais alto e olhou para o rio de águas profundas e traiçoeiras, sentiu os anos voltarem. Mais uma vez, tinha 15 anos e estava lá, com seu irmãozinho brincando de mocinho e bandido.
Ele sacudiu a cabeça numa negativa firme, afastando o pensamento. Não era o momento de evocar os fantasmas do passado.
Havia uma multidão gritando para um homem que estava prestes a se jogar do parapeito da ponte. Algumas pessoas tentavam dialogar com ele com o intuito de fazê-lo desistir do gesto extremo, mas não teve jeito. O homem se jogou e caiu no rio, tendo um grande impacto quando se chocou na água, afundou e não voltou.
-- FELIPE... NÃOOO...
Fael, de forma desesperada, correu e se jogou no rio, na esperança de salvá-lo.
Fim do capítulo
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Mille
Em: 30/07/2017
Bom dia Vandinha
Ah Felipe não faz assim, o Fael estará sempre presente para te ouvir e dar uma mão amiga. As vezes temos o carinho e amor de pessoas de fora do que dentro do ambiente familiar, já deu para ver que o pai (Marco) com seu jeito ambicioso humilde e os deixam pensar que são os errados quando na verdade exite alguém por trás nos mistérios que ocorre no hospital.
Lorraine mesmo com medo demonstrou força para enfrentar a Andras e estamos aqui na torcida para que ela possa pegar as provas falsas que a incrimina.
Bjus e até o próximo
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