A fortiori por Bastiat
Capítulo 13 - Rotina e Carnaval
Laura
- Que novidade é essa de casamento?
Sérgio me perguntou enquanto separava alguns legumes na minha cozinha.
- Eu e a Patrícia vamos morar juntas. Até já trouxemos objetos e as roupas dela para cá.
- Laura, você não ama a Patrícia.
- Eu gosto dela.
- Estamos falando de amor, Laura. Você a ama?
- Não é exatamente um grande amor, mas ela gosta de mim. Sérgio, eu resolvi dar uma chance para mim. Para ela também. Eu preciso seguir em frente. Se ainda não é amor, vai virar.
- Acho impressionante como ela ainda consegue passar pela porta - ele fez um sinal de chifre na testa.
- Que idiota você.
- Ah, desculpa vai! Foi uma brincadeira. No fundo você sabe que tenho razão. Quem ama não bota chifres.
- Brincadeira pesada - bronqueei. - Não vou fazer isso mais. Isso de procurar outras. Me dei conta do carinho que Patrícia tem por mim e como ela é maravilhosa. Eu vou amá-la.
- Aposto que vocês brigaram e ela quis terminar. Cometendo os mesmos erros, Laura? Agindo por impulso com medo das coisas saírem do seu controle?
- Não é nada disso! Eu não agi por impulso. Patrícia praticamente já estava morando aqui em casa. Eu também não prometi nada para ela, só fiz o convite que foi aceito.
- Fico feliz por você. Mesmo! - Sorriu de lado. - Acho a Patrícia incrível, uma pessoa que pode te fazer feliz. Mas, querida, você tem certeza do que quer?
- Tenho plena consciência de que meu passado tem que ficar no passado.
- Boa sorte. Qualquer coisa é só gritar, estou no andar de baixo.
Abracei o Sérgio com carinho e segurei o choro. Eu preciso fazer dar certo.
Sérgio
Enquanto abraço a minha melhor amiga, lembro-me dos dias difíceis:
"Estávamos no meio da rua. Laura chorava e recusava-se a subir para o meu apartamento. Com a Marina nos braços, ela pulou de susto quando um trovão soou.
- Sérgio. Sérgio... acabou. O meu casamento acabou. A minha vida acabou.
- Laura, calma. Vamos subir e você me conta exatamente o que aconteceu. Não pode ter acabado assim. Camila sempre te perdoou.
- Foi diferente. Eu senti que foi diferente. Olhei nos olhos dela e vi que ela estava desistindo de nós. Não posso subir. Eu... eu tenho pouco tempo, estou indo para o interior do Espírito Santo. Por favor, não fala para ninguém. Eu não quero mais essa vida, eu odeio o que me tornei.
- Laura, você não pode fugir assim. Ainda mais com a Marina! É loucura.
- Sérgio, por favor, eu só preciso de algum dinheiro, depois eu pago..."
Meu coração apertou, o desespero da Laura era visível. Ela precisava da minha ajuda mais do que nunca. Lembro-me exatamente do momento que peguei o meu cartão de débito e o de crédito e entreguei na mão dela. Aceitei a sua fuga. Achei que ela voltaria correndo para casa depois que se acalmasse.
" - Eles estão como loucos te procurando. Você não vai voltar mesmo? - Perguntei.
Laura definhava em vida. Mais magra em poucos dias e mais pálida a cada dia. Só se levantava da cama para cuidar da filha.
- Eu não posso voltar, eu me destruí. Tenho que sair do país, meu amigo.
- Ainda acho que você está desesperada à toa.
- À toa? Como estava a Camila a última vez que você esteve com ela?
- Ainda com muita raiva. Mas... também pudera, você está com a Marina.
- Se eu voltar, ela não vai me permitir chegar perto das meninas nunca mais. Eu não sei o que me deu aquele dia, pegar uma das duas e escrever aquela proposta, mas eu não posso voltar.
- Mas, sair do país, Laura? Como?
- Eu estive pensando, você tem dupla cidadania, não é?
- Sim. Sou francês também.
- A França é o último lugar que a Camila me procuraria. Eu vou para França, está decidido.
- Se você quer mesmo isso, vamos para França.
- Vamos?
- Sim, não vou te abandonar por nada neste mundo. Falsificamos alguns documentos e como eu tenho a cidadania, vai ficar muito mais fácil. Fingimos que somos namorados e que a Marina é nossa filha. Quando chegarmos em Paris, regularizamos tudo.
- Isso vai dar certo?
- É a sua única chance.
- Vamos.
- Você tem certeza do que quer? Se você for, dificilmente voltará. Deixará tudo para trás.
- Eu não posso voltar. Se eu voltar terminarei de arruinar a minha vida"
...
" - Aaaaaaaah, não acredito que você conseguiu esse emprego para mim! Finalmente eu vou voltar a trabalhar.
- Sabia que você ia ficar feliz. Faremos uma dupla maravilhosa no 'Le Monde'.
- Je t'aime, mon ami.
- Je t'aime, Laura."
...
" - Laura, voltar para o Brasil? Não é arriscado?
- Sim, mas vamos para São Paulo, uma cidade enorme. É como achar agulha no palheiro. É uma grande oportunidade para a minha carreira.
- Mesmo que seja São Paulo, acho arriscado.
- Ah, vai Sérgio! Por favor.
- Vamos, Laura. Vamos. Tudo sempre da sua maneira. Eu vivo para te fazer feliz."
Eu errei? Talvez tenha errado por não falar para ninguém do seu paradeiro e acabar logo com aquelas mentiras. Entretanto, eu não poderia trair a pessoa que mais me ajudou na vida, que me apoiou nos meus momentos mais difíceis. Faria tudo novamente por ela.
- E você Sérgio? Não vai se casar? - Ela perguntou rindo.
- Eu não! Sou solteiro convicto.
- Aquela francesa ainda te liga?
- Não, chega uma hora que as pessoas desistem.
Seguimos dando risada durante o almoço e pelo resto da tarde.
Marina
Eu tenho que acabar logo com isso. Não é apenas a Diana que está com saudade de casa, eu também estou. Além de sentir falta da minha rotina, agora tenho receio de descobrir a verdade. E se eu fosse adotada? Não, isso é impossível. Eu pareço muito com a minha mãe, nossos olhos são iguais.
Fui até onde a tia Vero estava trabalhando, a sala da biblioteca. Fiquei na porta com medo de entrar pois minha mãe sempre me dava uma bronca se a atrapalhasse. Para a minha surpresa, ela olhou para mim e sorriu.
- Pode entrar, bebê.
Sorri de volta e me aproximei da mesa. Sentei-me em seu colo, não deixei de admirar os seus desenhos.
- Que desenho lindo, tia Vero! Essas roupas estão lindas.
- Gostou, meu anjo?
- Muito!
- São para o próximo desfile.
- Que legal! Quando vai ser?
- No mês de junho em São Paulo.
- Em São Paulo? Posso ir?
- Acho que você estará na escola, meu bem.
- Verdade - disfarcei ao perceber meu quase furo. - Tia Vero...
- Oi.
- Eu tenho um pai?
- Um pai? Não! - Ela sorriu sem graça. - Por que essa pergunta agora?
- Tia Vero, a cor dos nossos olhos são diferentes. Então eu puxei de alguém isso, não?
- Já estão te ensinando genética na escola?
- Ge o quê? Não sei. Só quero entender... como a minha mãe me teve?
- Escuta, sua mãe te teve independente. Ela não precisou de outra pessoa, sabe? Ela simplesmente foi ao médico e eles te colocaram na barriga dela.
- Maneiro!
Isso me lembrou quando a minha mãe me disse algo parecido uma vez.
- Coisinha curiosa.
Em seguida foi um ataque de cócegas que eu não conseguia nem respirar.
Camila
Cheguei em casa e ouvi gargalhadas vindo da biblioteca. Uma risada adulta e outra infantil.
Escutei pedidos para parar de fazer cócegas ao mesmo que a risada infantil se tornava mais intensa.
- Ei, que farra boa. Posso participar?
Ataquei as duas ao mesmo tempo e demos boa risada. Isso fez o meu dia melhorar após ter acordado com uma sensação esquisita que nem o trabalho conseguiu tirar.
- A próxima vez que você me atacar desse jeito, quebrarei a sua cara - minha irmã me ameaçou.
- Que isso, Verônica?!
Minha filha dava risada, ainda estava tentando se recuperar do primeiro ataque.
- Que isso Verônica nada - aumentou seu sorriso. - Foi um ataque covarde.
- Violenta! Acho que senti ciúmes porque você passou o dia todo com a Diana. Hum... agora é a minha vez de ficar com ela. Vem Di, vamos aproveitar o sol do final da tarde para bagunçar na piscina.
- Opa, agora mesmo.
Isso é um peixe ou minha filha? Diana sempre gostou de piscina, mas parece muito mais empolgada.
Marina
Foi um final de tarde e uma noite muito divertida com a Camila.
Devo admitir que ela é diferente da minha mãe.
Minha mãe era muito carinhosa também, mas mais linha dura. Não me falta carinho, reparo nas diferenças das regras. A Camila não ligava se eu botasse o pé no sofá, por exemplo, mas a minha mãe brigava.
Por falar em Camila, ela acabou de sair do meu quarto. Deu vários beijos e conversou um bocado de bobagens comigo. Eu me senti uma pessoa horrível por estar fazendo o papel de filha dela.
Definitivamente, preciso descobrir por que existe outra Marian o mais rápido possível.
Laura
Espreguicei-me lentamente. Bocejei gostoso. É sexta-feira. Não qualquer sexta-feira. Vai começar o carnaval. Pelo menos em São Paulo.
Desejava mesmo era estar no Rio, torcendo pela minha Tijuca. Porém, devo me contentar assistindo pela TV mesmo, como faço há anos.
Levantei-me, tomei um banho relaxante e desci. Encontrei a Patrícia fazendo café na cozinha.
- Bom dia - a saudei.
Contemplei a visão da Patrícia que vestia um short apertado, curto e uma blusinha branca de alcinha.
- Bom dia - respondeu-me ao se virar para mim.
- Chegou hoje? - Questionei sem conseguir tirar meus olhos de suas pernas tão belas.
- Sim, cheguei hoje de manhãzinha. Não consegui chegar ontem, então dormi por lá mesmo e voltei hoje cedinho. Você estava dormindo tão tranquila, por isso só tomei um banho e desci.
- E como foi a viagem?
- Foi esplêndida! Fechei dois negócios que vão me render uma grana boa. Mas o melhor mesmo foi a ligação que recebi de New York. Vou vender os meus desenhos e projetos por uma nota e de quebra fazer o meu nome por lá.
- Que fantástico, querida. Fico muito feliz por você.
- Eu sei que fica.
Trocamos longos beijos. Não sei o motivo, mas a inteligência da Patrícia me atrai de uma forma carnal. É excitante ver o seu relacionamento com o trabalho.
- E você, amor? Fez o que na minha ausência?
- Nada. O Sérgio chegou e acabou sendo a minha companhia do dia.
- E a Marina?
- Marina... Bem, Maria continua estranha. Patrícia, ela está com umas atitudes tão incomuns. Acho que vou procurar ajuda.
- Você não disse que ia fazer um programa com ela? Levar para passear?
- Quem disse que ela quis? Perguntei o que queira fazer e ela disse que queria ficar em casa.
- Estranho.
- Nem me fale.
- Qual o seu plano para hoje?
- Shopping com a Marina. Se ela não quiser ir, hospital.
- Hospital?
- Lógico, você acha que ela em sã consciência vai recusar um passeio no shopping? Se ela recusar é psiquiatria direto.
Demos risadas juntas concordando.
Enquanto a arquiteta colocava café em uma xícara, começou a cantarolar:
- Meu amor, você me dá sorte
Meu amor, você me dá sorte
Meu amor, você me dá sorte na vida.
Um soco na boca do estômago seria melhor. Na verdade, a sensação é exatamente essa, um belo cruzado de direita na minha barriga. Parece não existir ar para respirar e tudo revira. Senti que ia vomitar.
Levantei-me da cadeira e corri na direção do meu quarto. Agachei na privada e coloquei o quase nada que tinha. Quanto mais eu lembrava da música 'Sorte', mais eu vomitava.
- Amor, o que houve? Você está passando mal?
Por que ela tinha que cantar essa música? Por que essa reação?
- Amor, você quer que eu chame um médico? Quer ir ao hospital? Amor, você está me deixando preocupada, fala comigo.
Consegui parar de vomitar e joguei água na cara.
- O que você está sentindo?
- Eu quero ficar sozinha.
- Laura, o que foi?
- Eu quero ficar sozinha, Patrícia.
A sensação estava voltando, meu estômago estava agitado. Cadê o ar?
Patrícia carinhosamente se aproximou.
- Fala para mim o que aconteceu?
- EU QUERO FICAR SOZINHA - explodi conforme a dor do meu peito apertava. - DEIXE-ME EM PAZ. SAI! EU QUERO ficar... sozin... - perdi as forças para gritar.
A cara de assustada da Patrícia deixava claro a sua indignação perante minha atitude. Ela saiu o mais depressa possível.
Vomitei mais um pouco. Maldita música.
Ao conseguir me recuperar, lavei meu rosto, voltei para o quarto e peguei o maço de cigarros. Acendi um no meio do caminho até a varanda. Olhei para trás e vi Patrícia trocando de roupa, provavelmente vai trabalhar.
Continuei apreciando o cigarro que me acalma. Um apego ao vício que preenche o vazio.
As lembranças invadiram a minha mente em sintonia com a música.
O sorriso da Camila, o seu jeito de dançar quando estava feliz, o tom da sua voz suave dizendo que me amava, seu jeito tranquilo de dormir, seu beijo, suas mãos habilidosas para tocar o meu sex*.
O que eu estou fazendo? Eu prometi que seguiria em frente. Por que a Patrícia tinha que cantar aquela maldita música? Será que eu nunca irei esquecer Camila?
Uma hora depois, larguei o maço quase vazio na sacada.
Arrumei-me e decidi levar a Marina para um passeio no shopping. Preciso distrair a minha mente.
Camila
Saí antes do almoço da redação. O clima de carnaval já imperava pelas ruas há pelo menos uma semana, mas só hoje consegui entrar no clima.
Este será o meu primeiro ano de folga, já que os outros eu preferi trabalhar. Como Diana já está maior, então pensei em levá-la para assistir à Portela na Sapucaí pela primeira vez.
Cheguei em casa e encontrei as duas, minha irmã e minha filha, almoçando.
- Olha o Carnaval aí gente!
Minha filha ficou em pé na cadeira e cantarolou:
- Metade do meu coração é Tijuca, a outra metade é Tijuca também.
Olhei para a cara da Vero e sua reação foi equivalente à minha. Aterrorizante. Tijuca? Desde quando minha filha gosta da Tijuca? Desde quando ela sabe essa música da Tijuca? Meu susto foi tão grande que não consegui dizer nada. Foi a Verônica quem disse:
- Tijuca? De onde você tirou Tijuca, Diana?
A pequena fez uma cara de quem não estava entendo nada.
- E a Portela? Somos Portela! - Vero emendou franzino a testa.
- Portela?
- Sim, Portela!
- Ah é, verdade. Confundi.
Sem olhar para nós, concentrou-se no seu prato quase vazio.
- Confundiu a nossa Portela com aquela escolinha? Você está louca?
Verônica chamou a sua atenção pela dureza em sua voz.
- Ei, a Tijuca ganhou o ano passado! Não é uma escolinha! - Diana defendeu a escola que até o ano passado ela não gostava.
- Que vira-casaca! Já vou logo avisando que não quero uma sobrinha tijucana.
Eu observei aquela discussão sem entender nada. Tijuca? Por que logo a Tijuca? Diana sempre foi louca pela Portela como eu e a sua tia.
- Diana, por que isso agora? - Perguntei.
- Eu estou brincando - sorriu sem graça. - Só queria deixar a tia Vero nervosa.
- Pois conseguiu! Ainda bem que é brincadeira. Torça para Mangueira, mas não torça para a Tijuca - minha irmã sorriu.
Eu sei bem o motivo pelo qual minha gêmea não suporta a Tijuca, foram várias brigas com a Laura por isso.
- Bom, o importante é que domingo estaremos juntas em um camarote da Sapucaí curtindo a nossa Portela.
Encerrei a discussão não menos intrigada com aquela brincadeira que não pareceu nada divertida, nem verdadeira.
Laura
Cheguei em casa com várias sacolas de compras. Ainda bem que encontrei o Sérgio no estacionamento para nos ajudar.
- Comprou o shopping todo? - Ele perguntou assim que entramos.
- Não exagera, Sérgio!
- Pela quantidade de sacolas que foi para o quarto da Marina, ela fez a festa.
- Sabe que sim.
- E aquele papo que tivemos de que você não impõe limites?
- Imponho limite sim. É só que... bem, ela queria comprar e eu tenho dinheiro para pagar. Qual é o problema?
- Você é tão rígida na educação dela, mas não nota o quanto ela é mimada.
- Ela não é mimada.
- Laura... - era um tom de advertência.
- Ela está estranha - resolvi mudar de assunto.
- Estranha?
- É, o gosto para roupas parece que mudou. Sei lá.
- Ah, normal. Ela está crescendo e está no Brasil agora. Pode ter também a influência da escola, dos coleguinhas.
- É, pode ser - concordei ainda contrariada.
Notando as vestimentas informais do meu amigo, questionei:
- Vai fazer o que todo arrumado assim?
- Eu estava saindo para o Sambódromo do Anhembi quando encontrei vocês.
- Vai assistir aos desfiles? Que inveja branca!
- Melhor seria se fosse no Rio.
- Nem me fale, amigo.
Ficamos em silêncio trocando olhares saudosos de nossas ida à Sapucaí.
- Quais seus planos para a noite? - Sérgio perguntou quebrando a minha recordação.
- Ver se você aparece na TV.
Sérgio me beijou carinhosamente na bochecha e saiu sambando.
...
Já são uma hora da manhã e a Marina já estava dormindo em meus braços há pelo menos meia hora. O desfile está passando na TV está bonito, mas eu não consigo parar de pensar na Patrícia.
Cansada de esperar na sala, peguei a Marina no colo para levá-la ao seu quarto quando finalmente a Patrícia entrou na, agora, nossa casa.
Sem dizer nada, continuei o meu caminho ao subir pelas escadas. Sua expressão fechada já diz tudo.
Coloquei a minha filha na cama e dei alguns beijos. É em momento como esse que também dou boa noite à Diana pelo pensamento.
Deixei o cômodo dando uma última olhada na minha pequena antes de fechar a porta e seguir para o quarto.
Sentei-me na cama e fiquei aguardando a Patrícia sair do banho. O que não demorou muito pois logo sem seguida ela saiu apenas de toalha.
- Desculpa pela minha reação. Fiquei nervosa, detesto vomitar - disse de uma vez.
- Que curioso, eu também detesto que gritem comigo - ironizou.
- Eu sei. Eu estou completamente errada. Você está certa em todos os sentidos. Não tinha direito nem de levantar a voz naquele momento. Eu realmente fiquei fora de mim.
Ela fitou meus olhos. Nos encaramos. Sua é tão pesada quanto sua voz ao dizer:
- Não sei com que tipo de moça você se relacionava antes de mim e nem quero imaginar. Tenho apenas um aviso: EU não sou igual a elas. A próxima vez que você levantar a voz sem motivo ou me maltratar, terminamos de uma vez por todas, sem volta! Você entendeu?
- Sim, desculpa mais uma vez. Foi a última vez que isso aconteceu.
Me aproximei dela. Sei exatamente como encerrar essa conversa da melhor forma possível. Com um toque, fiz sua toalha cair no chão. Olhei maliciosamente para o seu corpo, mas rapidamente ela pegou a toalha e cobriu-se novamente.
- Não estou com vontade.
Deu-me as costas e procurou algo para vestir.
- Fala sério, Patrícia.
- Estou falando seríssimo. Os gritos pedindo para que eu saísse de perto de você ainda ecoam nos meus ouvidos. Ainda não estamos bem.
Fiquei em silêncio e deitei-me na cama, liguei a TV prestando atenção no desfile.
As sacolas de compras na poltrona chamaram a minha atenção. Talvez Patrícia melhore seu humor com elas.
- Aquelas sacolas ali são presentes para você. Eu e a Marina fizemos a festa no shopping.
Ela olhou por cima dos ombros as sacolas e permaneceu séria.
- Obrigada.
- Não vai olhar?
- Estou com muito sono, amanhã eu olho.
- Olha agora, eu escolhi com carinho - insisti.
- Amanhã, Laura. De qualquer maneira, eu sei que vou gostar. Você tem bom gosto e é impossível errar comprando na 'Vero S'.
- Você disse uma vez que gosta dessa loja.
- Adoro, tenho várias roupas de lá.
- Sim, eu sei. A dona da marca é incrível - sussurrei a última frase.
- Vamos parar com esse papo mole que eu vou dormir. Se você está sem sono, aproveite para pensar se você não precisa de ajuda psicológica porque gritar daquele jeito não é normal. Boa noite, Laura.
Ela se deitou, virou de costas e dormiu. Ignorei seu conselho para procurar ajuda psicológica.
Olhei mais uma vez para a sacola preta com a escrita 'Vero S' em dourado. Quem diria que a Verônica ia crescer tanto. Quer dizer, eu diria. Ela sempre teve um talento incrível. Confesso que até eu já comprei algumas roupas para mim na loja dela.
Patrícia
Estava na varanda olhando para o cinzeiro cheio de cigarros que a Laura fumou. Um sinal de que algo a deixou extremamente nervosa. Ela só fuma quando alguma coisa a tira do sério porque isso, na cabeça dela, acalmava-a. Acho um hábito horrível, mas como não era sempre, não me indisponho.
Já tinha tomado o café da manhã com a Marina e a Laura continuava dormindo. Normal para quem ficou assistindo os desfiles até tarde.
- Hum... bom dia, Patrícia.
Ela disse com cara de quem acabou de acordar, linda. Minha linda.
- Bom dia. Pensei que estivesse morta.
- Vou te mostrar como estou morta.
Laura atacou os meus lábios em um beijo avassalador. Sua língua macia tocou a minha da maneira mais erótica possível. Finalizando, sua boca foi me explorando em outro lugar sensível.
Enquanto trabalhava em meu pescoço, suas mãos passeavam pelo meu corpo, ora nos meus seios, ora na minha barriga, ora na minha bunda.
- Laura...
Ouvi um gemido como resposta.
- Estamos... na... varanda... - tentava controlar as suas investidas - calma... amor... é melhor... quarto.
Quando eu vi estava sendo jogada na cama. Ainda bem que as paredes são daquelas que não passa som. Eu não sou nem um pouco discreta quando o prazer vem.
Camila
Descansava na beira da piscina com a Vero enquanto observava a minha filha se divertindo ao nadar de um lado para o outro.
- Diana está crescendo tão depressa - comentei.
- É verdade. Está ficando esperta também.
Verônica comentou de um jeito como quem diz que a esperteza da sobrinha tinha feito ela de vítima de alguma pergunta constrangedora.
- Por que você está dizendo isso nesse tom?
- Ela me perguntou como nasceu. Questionou até se tem um pai. Quis saber o porquê dos nossos olhos serem diferentes do dela.
- E você respondeu o quê? - Perguntei desesperada.
- Ah, falei que o médico colocou ela dentro de você e de genética. Ela pareceu acreditar.
- Sei não...
- Acho que você deveria ser mais franca com ela. Falar que você se relaciona apenas com mulheres, sabe? Daqui a pouco a menina coloca na cabeça que tem um pai. Antes disso acontecer, você tem que encarar que a nossa menina está crescendo e cheia de dúvidas. Ela não é mais um bebê.
- Mas eu falei para ela que sou lésbica.
- Falou meio que na marra, não foi?! Você deveria sentar-se com ela e explicar as coisas.
- Talvez você tenha razão. Também reparei que nos últimos dias ela está cheia de dúvidas. Chegou a hora de termos uma conversa séria.
- Por falar em ser lésbica, que tal um amor de carnaval?
- Não começa, Verônica.
- Ah, por favor, pensa no monte de mulheres lindas que terá amanhã na Sapucaí. Sério que você não cria expectativa de encontrar uma que esquente sua noite?
- Eu vou com a minha filha. Você acha que eu vou paquerar alguém na frente dela?
- Aquele monte de peito e bunda desfilando por lá e você vai resistir? Ninguém sai desacompanhado da Sapucaí.
- Credo, Verônica! Parece que você está falando de um açougue. - Ela deu de ombros. - Pois se ninguém sai de lá desacompanhado, nesse caso serei a primeira.
- Você vai virar santa se continuar com esse celibato.
- E você vai queimar no inferno.
Verônica mostrou a língua em forma de protesto.
- Estou pensando em quebrar o meu recorde de beijos do ano passado.
- Que recorde? - Perguntei assustada.
- Beijei 15 mulheres o ano passado em uma madrugada só.
- Vero... que absurdo!
- Absurdo? Por quê? Estava me divertindo.
- E você passou a noite com alguma?
- Você quer saber se transei com alguma? Sim. Uma no banheiro. Quase fui pega em flagrante - dei risada imaginando a cena. - Depois eu reencontrei a primeira que beijei e fomos para um motel.
- Você é pior do que eu imaginei.
- Por quê? Só por que eu sei me divertir?
- Dá para se divertir com uma mulher apenas.
- Eu não consigo.
- Você nunca tentou ou apenas não encontrou ninguém ainda.
- O amor não é para mim.
- Nem para mim.
Compartilhamos as dores sorrindo. Vero merece ser feliz. Torço para ela encontrar uma mulher que a faça mudar de ideia. Por mais que meu coração esteja fechado, sei que o amor é uma coisa boa quando acontece de verdade.
Laura
- Amor...
Patrícia chamava minha atenção que está focada em um e-mail.
- Hum... - Respondi, mas continuei olhando para a tela do notebook.
- Você sabe onde eu costumo passar o meu domingo e minha segunda de carnaval, não é?
Ela conseguiu a minha atenção. Olhei para seu rosto tentando analisá-la. Eu sei, é no Rio de Janeiro.
- Sim.
Esperei ela prosseguir.
- E você sabe que eu sempre ganho camarote por causa dos meus contatos?
- Sim - respondi temendo o que estava por vir.
- Então, eu tenho quatro convites.
- Bacana.
- Que tal eu, você, a Marina e o Sérgio no Rio?
- Sem chances.
- Mas amor, é a Tijuca. Você ama a Tijuca.
- Não.
- Não o quê? Não ama mais a Tijuca?
- Não vou - suspirei.
- Por quê?
- Não estou com vontade.
- Você nem se esforça para falar uma desculpa de verdade.
- Não, Patrícia. Não vou porque eu não quero ir para o Rio de Janeiro. Satisfeita? Entendeu?
- Não, não entendo. É por causa dos seus pais?
- Não toque nesse assunto, por favor. Se você quiser ir, fique à vontade.
- Sozinha?
- Sei lá. Chama algumas amigas.
Ela olhava incrédula, parecia que tinha acabado de ver uma aberração.
- Quer saber? Eu vou mesmo!
- Patrícia - puxei ela para perto de mim no sofá e tirei meu notebook do colo - eu não quero mais uma briga, uma discussão.
- Desculpa, é que eu não entendo mesmo.
- Um dia você vai entender. Eu quero mesmo que você vá, de verdade. Você não perde um ano e não sou eu quem vou proibi-la.
- Se não tem outro jeito...
- Não tem.
- Eu vou com as meninas da empresa então.
- Ótimo. Divirta-se!
- É o que mais vou fazer.
Não gostei do tom dela, soou como ameaça.
- Divirta-se com cuidado e respeito ouviu?
- Não se preocupe. Eu gosto de você até mais do que imagina.
- Eu sei. Eu confio em você.
Ela sorriu e selou os lábios dela nos meus, mas parou de repente o que seria um beijo mais profundo.
- Oi, Marina - ela disse.
Olhei para trás e a Marina estava terminando de descer as escadas.
- Oi, filha.
- Só vim dar boa noite.
- Mas já? Não vai nem assistir a primeira escola?
- Não, estou com sono. Mas amanhã eu não perco por nada.
- Certo, dá um beijo aqui na sua mãe.
Ela hesitou um pouco e chegou mais perto. Deu um beijo em mim, outro na Patrícia e subiu.
- Estou te dizendo, Marina está estranha. Você viu a forma como quase recusou meu beijo? Eu só posso estar ficando louca. Não estou gostando disso, não mesmo - disse assim que a minha filha terminou de subir as escadas.
- Laura, você reparou uma coisa?
- O quê?
- Que a Marina não tem te chamado de mãe?
- Não...
Parei para pensar e tentei puxar na memória a última vez que ela me chamou de mãe, parecia distante.
- É verdade. Patrícia, a minha filha não está me chamando de mãe.
- Agora comecei a ficar preocupada.
- Amanhã eu vou reparar melhor.
...
Levantei mais cedo que a Patrícia no sai seguinte. Estou temerosa com a constatação de que a minha própria filha não me chama mais de mãe.
Fui até o seu quarto e para a minha surpresa ela já estava acordada.
- Bom dia, Marina. Acordou cedo?
- Sim.
Fiquei olhando-a por algum tempo. Desde quando a Marina é monossilábica assim? Ela sempre falou pelos cotovelos e sua recente quietude é incompreensível.
- Está tudo bem com você?
- Tá.
- "Sim", "Tá"... Meu bem, o que está acontecendo com você?
- Nada, ué.
- Eu fiz alguma coisa? Se eu tiver feito, fala que eu corrijo. Eu sei que eu não sou uma mãe perfeita, mas saiba que eu te amo e faço o que você quiser só para te ver feliz.
- Você não fez nada.
Fiquei pensando em um modo fazê-la me chamar de mãe e resolvi testar. Fingi um desmaio.
- LAURA? LAURA! AI MEU DEUS, ELA DESMAIOU.
Laura? A minha filha estava me chamando de Laura?
- Laura? - Levantei do chão questionando aquele jeito de me chamar.
- Ai que susto! Pensei que você estivesse desmaiada!
- Laura, Marina? Laura? Desde quando você me chama pelo nome? Eu sou sua mãe!
- Foi o desespero.
- O que está acontecendo? Faz dias que você não me chama de mãe!
Ela ficou muda, parece estar confusa.
- Qual a diferença? Mãe ou Laura, tanto faz.
- Onde você aprendeu isso? Eu sou sua mãe e você tem que me chamar assim.
- Você tem uma foto de mim dentro da sua barriga?
Que tipo de pergunta foi essa? A Marina tem dúvida de que eu seja a sua mãe?
- Está duvidando de que sou sua mãe?
- Não, claro que não. É só uma curiosidade.
- Pois saiba que somos iguais! Nossos olhos são iguais. Não têm motivos para qualquer dúvida.
Fiquei nervosa. Será que eu não estou sendo uma boa mãe? Será que a Marina me rejeita?
- Desculpa.... mãe...
Sorri aliviada com sua voz me chamando de mãe novamente.
- Nunca, nunca mais me chame pelo nome. Você é a pessoa mais importante da minha vida. Eu te amo tanto, tanto. Você não faz ideia do quanto eu te amo. Me chama de mãe de novo?
- Sim, mãe. Eu não vou mais te chamar de Laura, sempre será mãe. Só mãe.
Diana
É verdade, somos muito parecidas. A mãe da Marina tem bastantes semelhanças com nós duas. Nada faz sentido nessa história. Sinto que algo de ruim estava para acontecer. Pressinto isso há dias.
A situação está cada vez mais sem controle. Agora terei que chamar uma desconhecida de mãe. Isso está indo longe demais.
Liguei para Marina e torci para ela atender.
- Alô?
Ufa, é ela.
- Ainda bem que foi você que me atendeu.
- Sei lá, mas eu senti que era você.
- Está podendo falar?
- Sim. A Camila e a tia Vero nem acordaram ainda.
- Novidades?
- Ainda nada. Mas Diana, vou avisar uma coisa: minha mãe é tijucana!
- Oi?
- Vocês amam a Portela, eu e a minha mãe amamos a Tijuca. Quase dei um furo aqui com a sua mãe e tia Vero. Elas ficaram desconfiadas.
- Ainda bem que você avisou. Sinto que vou ser descoberta a qualquer hora.
- Por quê?
- Sua mãe percebeu que eu não estou chamando-a de mãe e ficou muito chateada quando eu perguntei das fotos dela grávida.
- Diana, você está fazendo tudo errado! Não está investigando nada, ainda por cima está quase entregando nós duas! Sabe o que vai acontecer se a gente não desvendar o mistério antes delas?
- Não, o quê?
- Além de ficarmos de castigo pelo resto da vida, elas vão falar que é só coincidência e ficar por isso mesmo. Existe possibilidade até de sermos adotadas, sabia? Eu quero saber se sou adotada.
- A sua mãe disse que pareço muito com ela. Se repararmos Marina, somos realmente parecidas, os mesmos olhos...
- Reparou que nada faz sentido? Sua mãe tem foto de você na barriga dela, nós parecemos com a minha mãe. Por isso que temos que investigar.
Respirei fundo, não adiantava discutir.
- Você está certa. Mas vamos resolver o mais rápido possível.
- Pode deixar que eu resolvo. Não faça mais nenhuma besteira, tente agir normalmente. Beijo, tchau.
- Tchau.
Agir normalmente, vamos lá.
Fim do capítulo
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NovaAqui
Em: 19/07/2017
Agora ela descobre alguma coisa. Não é possível que a mãe ou a tia cheguem para atrapalhar.
Laura está ficando louca. Tem que enlouquecer mesmo e sair da vida da Camila, das meninas e da Patrícia. Mulher sem princípios.
Vero e Patrícia gostei. Shippo as duas e espero que Vero leve Patrícia para cama antes dela terminar com a insuportável da Laura duzinferno Kkkkkk
Abraços fraternos procê!
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