Capítulo 10 - (Males e tormentas)
Capitulo 10
(Males e tormentas)
Quando Anna-Lú deu às costas a irritação de Carol era visível e talvez até compreensível, “como ela era capaz de me enfrentar daquela maneira? Quem ela pensa que é?” era o que pensava. Mas, o incompreensível mesmo, para Carol, apesar de toda raiva, era a agitação que estava a sentir, algo até então para ela inaceitável, mas que crescia a cada dia em seu peito sem que pudesse impedir, acalmar-se, ou entender-se. Desde que conhecera Anna-Lú suas emoções e sensações andavam de pernas para o ar. Todas as certezas que tinha estavam agora embaralhadas, e, além disso, tinha que lidar com a sexualidade da filha e a sua própria sexualidade, não era lésbica, disso tinha certeza, nunca foi e jamais havia sido preconceituosa, mas é diferente agora que era com ela que estava acontecendo.
A lembrança do beijo, da boca, da voz de Anna-Lú lhe alastravam na alma mais confusão e ainda maior inquietação. Notava-se fora de si, perturbada, “excitada”, “maluca” “só posso estar maluca” pensava, “onde já se viu? Excitada! EU?! Por uma mulher?!” levantava-se e sentava outra vez, totalmente alterada. “Uma loucura!” exclamava em seus pensamentos. Respirou fundo e deixou sair o ar até então, preso na garganta. Recostada na parede em frente a UTI onde Alicia estava Carol fitava o teto quando Miguel voltou.
- Nossa! O que foi? Onde está a senhorita Garcia? – perguntou notando a inquietação de Carol.
- Ah! – suspirou – Ela já se foi... Nós discutimos novamente... Só pra variar – respondeu desanimada.
- Entendi por isso a cara de enterro então? – questionou outra vez.
- Não enche! – falou revirando os olhos.
- Calma! Só pensei que vocês pudessem ter se acertado – falou Miguel como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.
- Tu sabes mais do que ninguém que minha prioridade é a Alicia, não posso dar vazão a essas loucuras que estão acontecendo – respondeu séria.
- Ao menos admites que esta acontecendo alguma coisa, mas eu entendo sim.
- Pois então, não fique me enchendo com essa história. E depois, ela deve estar aborrecida pelas coisas que eu falei, eu meio que... bem... meio que estou arrependida, de ter dito tudo aquilo que falei– lamentou-se Carol.
- Esquece isso, por hoje, conversa com ela amanhã quando for pegar o celular. Mas, enfim... que tal deixar toda essa coisa – Miguel falou com delongas e gesticulou abrindo os braços e fazendo círculos no ar – e... Irmos a casa tomar um banho bem gostoso, trocar essa roupa que já está um horror, e comer qualquer coisa que seja melhor que comida de hospital?! – falou animado pontuando cada item nos dedos - E sim amiga, está mesmo um horror, pode acreditar – sorriu fazendo Carol também dar um meio sorriso – Hein?! E, antes que você diga não, mais um argumento: o médico disse que o sedativo é bem forte, a Alicia vai dormir como um anjinho por muitas horas ainda, então temos tempo para tudo isso, inclusive para um soninho de leve. E amanhã bem cedinho voltamos! – concluiu.
- É tens razão estou mesmo muito cansada – Carol suspirou - Vou ligar pra Olga preparar alguma coisa pra gente – falou Carol tateando os bolsos em busca do celular.
- O que você está procurando? – perguntou Miguel.
- Meu celular, você não o viu? Passa-me essa bolsa.
- Toma, usa o meu. Esqueceu que está com a senhorita Garcia? – lembrou Miguel.
- Aff! – bufou – É verdade, e agora?
- Agora você usa o meu e amanhã você pega o seu com ela – respondeu piscando.
- Hm! Não quero nem imaginar que tipo de ideia passou pela tua cabeça ao fazer esse comentário – disse revirando os olhos e pegando o aparelho de Miguel – vamos indo que é melhor.
- E nem queira mesmo – disse sem esconder o grande sorriso - Primeiro as damas! – continuou zombeteiro e deu um passo atrás dando passagem a Carol e saíram deixando o pronto-socorro.
***************
- Arg! – Anna-Lú grunhiu esmagando a testa contra o volante.
"Irritante", "preconceituosa", "prepotente", eram infinitos os adjetivos ruins que Anna-Lú proferia um atrás do outro em analogia à Carol. Saiu do pronto-socorro e rodou pela cidade por uma hora inteira tentando acalmar-se, foi inútil. Quanto mais tentava, mais lembrava e muito mais ainda se aborrecia, não conseguia entender o porquê tudo em relação à Carol a incomodava tanto, queria tirá-la da cabeça, mas era incapaz. Já passava das 20h e era uma noite de sexta-feira, parou o carro em um dos pontos turísticos da cidade que ficava nas docas a beira da baía, desceu e foi em direção ao calçadão. Ela adorava esse lugar, sempre que precisava pensar ou mesmo respirar era para lá que corria, andou alguns minutos sentindo o frio regelante, recostou-se ao parapeito de proteção e se pôs a comtemplar as minúsculas ondas que tremulavam com o vento, as luzes da grande estação as suas costas davam a superfície das águas um brilho dourado que mais parecia uma fogueira e dentro dela não era diferente o que acontecia, sentia o peito cheio de fogo e ao mesmo tempo gelado. “Essas sensações estão acabando comigo” pensou, “quer saber vou aceitar o convite da Mel, é isso mesmo uma noitada para voltar ao normal...ao meu normal” decidiu.
- Oi Mel! Então, aquele convite ainda está de pé? – perguntou ao telefone assim que Melissa atendeu.
- Claro meu anjo, pra você sempre e sabia que não ia negar-me isso – respondeu animada do outro lado da linha.
- Ótimo! Nós jantamos naquele restaurante que você adora e depois esticamos para alguma boate. Quanto tempo pra você me encontrar aqui na estação? – indagou.
- Das docas? – Melissa quis saber.
- Sim, das docas! – respondeu Anna-Lú como se fosse óbvio.
- Calma! Coração! Eu preciso me situar primeiro, afinal são tantos os restaurantes que eu adoro – respondeu entre risadas – mas, voltando ao que interessa, chego aí em 20 min meu bem!
- Estou te esperando, já estás atrasada – respondeu zombeteira.
- Hm... Não me apresse, sei que minha beleza não precisa de muita coisa, mas não custa ajudar neah, até mais logo gata – desligou.
“É, o jantar será animado” pensou Anna-Lú sorrindo, além de Caio e Marina, Melissa era outra das pessoas com as quais Anna-Lú jamais se arrependera de se relacionar, era divertida, falante tudo que ela precisava para abstrair Carol de sua mente e o detalhe principal Melissa não lhe reprimiria se decidisse encher a cara de tequila para abafar a montanha russa de seus sentimentos.
Fim do capítulo
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