Dois

Na quarta-feira meus pais chegaram em Bertioga, optaram por adiantar a viagem e eu adorei. Passeamos, fomos à praia, ao cinema e até fizemos compras juntos. A companhia de ambos era tudo o que eu mais precisava. Antecipei a visita aos apartamentos e com a ajuda deles, escolhi este que no momento estou organizando. Na mudança só tinha itens que pertenciam a mim, me desfiz de fotos e de tudo que Alejandra deixou para trás. Não faz bem conviver com fantasmas do passado.

A iniciativa foi minha em vender a casa, porém foi um choque quando a venda foi confirmada, ocorreu muito rápido, já que era bem localizada e estava em ótimo estado. Com a minha parte comprei meu novo apartamento e ainda troquei meu carro.

Precisei encontrar com Alejandra por duas vezes, primeiro por conta da venda da casa e em seguida para assinar a documentação do divórcio. Sofri muito. Não brigamos e com cordialidade, dentro de dois meses, resolvemos tudo.

No final do domingo terminei de arrumar minha nova residência. Pelo aplicativo do celular pedi um lanche e quando chegou comi na varanda admirando a lua.

O prédio que escolhi é bem localizado, bem no centro da cidade e próximo do meu trabalho. Agora posso ir a pé e nem vou me cansar, já que andarei somente três quadras. Eu sempre quis morar próxima do consultório, para ir andando ao trabalhar. Sonho um, realizado!

Minha semana transcorreu tranquila e sem novidades. A solidão não estava sendo uma boa companhia durante as noites e por isso decide realizar outro sonho, que eu ainda não tinha o feito, já que minha ex esposa é muito alérgica. No sábado fui a um pet shop e conversei com a dona.

- Eu quero comprar um cachorrinho, algum filhote. Pode me ajudar?

- Senhora, para vender não tenho. Mas posso te passar um contato, uma conhecida e cliente. Se eu não me engano ela está vendendo yorkshire.

- Gosto muito desta raça (afirmei sorrindo).

Liguei e por sorte tinha um último filhote a venda, uma fêmea, que conheci no dia seguinte e levei para casa. Batizei-a de Nina, um nome tupi que significa graciosa. Sonho número dois, também realizado!

- Mãe, agora tenho uma cachorra (contei em ligação).

- Nossa sério minha filha, que legal. Quando você era criança tínhamos um cachorro e você adorava.

- Lembro dele, o Bob né.

- Isso mesmo.

- Eu estava me sentindo muito sozinha e gosto tanto de cachorro.

- Você fez uma excelente escolha e será uma ótima companhia. Já escolheu o nome?

- Sim, Nina.

- E quando vem nos visitar?

- No próximo final de semana e a levarei comigo.

- Ótima notícia, vamos te aguardar.

Durante a semana ao chegar no meu apartamento e ser recebida por Nina é uma alegria. Ela faz toda uma festa e nos acostumamos rapidamente uma com a outra. Como combinado, na sexta viajei para Joanópolis e a Nina dormiu a viagem toda. Meus pais também se apaixonaram por ela e tivemos um final de semana delicioso em família. Retornei para Bertioga no domingo à noite e a minha semana começou tranquila.

Uma vez na semana e geralmente na quarta-feira realizo trabalho voluntário em um hospital público da cidade; já nos outros dias me dedico exclusivamente ao meu consultório, atendo planos de saúde e consultas particulares.

Cerca de um mês no novo apartamento e eu já estava totalmente familiarizada, amando aquele cantinho só meu e da Nina. Já que minha vida mudou tanto, decide adquirir um novo visual, cortei o cabelo e o corte ficou bem jovial. Comprei roupas novas e foquei muito no amor próprio.

Em um sábado a tarde, passeando pelo calçadão com a Nina, tive mais uma decepção, vi Alejandra em um quiosque, na companhia de um casal de amigas nossas e bem próxima dela uma loira. Felizmente elas não me viram, já que eu estava distante. Para piorar, ainda tive o desprazer de vê-las trocando um selinho, foi doloroso, voltei correndo para casa e chorei muito.

- Pior mãe, que a nova mulher dela é bonita (reclamei ao telefone).

- Meu bem, não fique assim, você estava tão bem e superando. Não se chateie com isso.

- Eu estou muito entristecida.

- Filha ela ainda vai se arrepender de tudo isso e será tarde demais. Você já estará muito bem e com um novo amor.

- Deus te ouça mamãe!

- Você precisa de um bom banho, se arrume linda e vá viver. Saia um pouco, relaxe!

- Hoje não, talvez outro dia.

- Ô meu amor, não se abale tanto, ela não merece todo este seu sofrimento.

Meu final de semana foi bem chato, fiquei muito desanimada e passei a maior parte do tempo largada na cama.

Na segunda atendi o dia inteiro e no final do expediente, quando eu já estava saindo, minha secretária perguntou se eu tinha disponibilidade para um encaixe no dia seguinte.

- Bia, minha agenda já esta lotada, mas se tiver alguma desistência te aviso.

Cheguei em casa e fui muito bem recebida por Nina. Minha semana foi produtiva e somente no final da sexta consegui encaixar o paciente que queria marcar uma consulta. Já passava das cinco horas da tarde, quando uma jovem muito bonita entrou na minha sala. Ela usava um vestido florido, que combinava com a sua pele morena, o cabelo estava preso em um coque, olhos claros, um tom diferente e um pouco acinzentado.

- Olá! Eu sou a Yara e você é a Florência, certo? (falou abrindo um belo sorriso).

- Sim, sou a Florência, prazer. Por favor, sente-se.

- Obrigada! Um colega de trabalho é seu paciente e marquei uma consulta por conta de uma queloide.

- ok! Faremos uma avaliação. Já adianto que tratar queloide é um processo longo e chatinho. Mas quem sabe você tem sorte e contigo seja mais rápido (expliquei).

- Doutora eu já estou com sorte, porque o Luiz, meu colega de trabalho disse que a senhora é uma ótima dermatologista e se me permite o elogio, és linda! (afirmou voltando a sorrir).

Aposto que fiquei vermelha, senti minhas bochechas queimarem e adorei aquele elogio.

- Obrigada! Muita gentileza da sua parte e devolvo o elogio, você também é linda! Yara vou confirmar alguns dados, sua consulta é pelo plano de saúde?

- Sim.

- Qual a sua idade?

- 27 anos.

Muito jovem, lamentei por alguns segundos e em seguida me concentrei no meu trabalho.

- Por favor, sente naquela maca.

Aguardei ela se acomodar e me aproximei para examina-la. Senti um arrepio quando a toquei, mas disfarcei.

- Esta hipertrofia é resultado de uma cicatriz, como surgiu? (questionei analisando).

- Um corte feito à faca (revelou com desanimo).

Ela tem um hematoma fibroso no braço direito, entre o ombro e cotovelo.

- Você já fez tratamento anteriormente?

- Sim, por um tempo fiz, mas parei.

- O que foi utilizado?

- Aquela fita adesiva com medicamento e também uma pomada. Não notei diferenças.

- Volto a afirmar que o tratamento é longo. Por favor, retornemos até a minha mesa que vou te explicar melhor.

Voltamos a nos sentar uma de frente para outra. Peguei um papel de rascunho e esbocei a queloide.

- Neste tratamento faremos pequenas cirurgias, retirando a parte interna, visando à diminuição. Já a segunda etapa será com gelo seco. O processo vai durar meses.

- Tudo bem.

- Podemos agendar e começar na próxima semana?

- Sim!

-Na terça, você pode?

- Se for ao final do dia, como o horário de hoje, posso sim.

- ok! Agendado.

- Obrigada! (ela estendeu a mão e nos despedimos).

Depois que ela saiu, fiquei um bom tempo parada e pensando nela, que mulher bonita! Meus pensamentos foram interrompidos por Bia, minha secretária, já tinha passado do nosso horário e fomos embora.

Naquela noite demorei para dormir e desta vez foi por um motivo totalmente diferente das noites anteriores. Eu não estava chateada e nem mesmo chorando. Era uma sensação nova e boa. Eu não parava de pensar na minha paciente. Adormeci lembrando do rosto de Yara.

No sábado cedo viajei para a casa dos meus pais, optei por passar o final de semana com eles, já éramos muito próximos e após a minha separação não nos desgrudávamos mais. Novamente tivemos um final de semana adorável. Claro que nestes dias pensei em Yara e na segunda também, até que finalmente a terça chegou, porém, o dia demorou para acabar.

Fim do capítulo