Um

Meu novo apartamento ainda cheirava tinta fresca e meu final de semana prometia ser longo. Colocar tudo no lugar, desocupar caixas e malas com certeza seria uma tarefa árdua. Adorei os meus novos móveis, mamãe tinha razão contratamos um excelente marceneiro, o pintor também era muito competente e minhas paredes ficaram lindas, na tonalidade azul clarinho. Fiquei animada e comecei a montar minha nova casa com todo o meu capricho, atividade essa que tomou todo o meu final de semana. Enquanto eu organizava tudo fiquei pensando na minha vida, que foi modificada sem aviso, de forma surpreendente e tudo começou há três meses...

Num domingo à tarde, após o almoço, Alejandra, que estava totalmente desanimada nos últimos dias sentenciou:

- Florência, nós precisamos conversar! (afirmou séria e entristecida).

- ok (concordei).

- Acho que chegamos ao limite e nem podemos continuar adiando esta conversa (lamentou cabisbaixa).

Eu não fazia a mínima ideia sobre o assunto que seria abordado e já estava ficando nervosa.

- Ale, o que se passa?

- Conheci uma pessoa que mexeu comigo (falou sem rodeios).

Naquele instante me veio à mente a música “Meu mundo caiu”, de Maysa. Foi um choque, eu nem sabia o que fazer e muito menos o que dizer, permaneci em silêncio. Estávamos juntas há dez anos, construímos uma vida juntas e agora eu estava atônita.

- Você esta apaixonada por ela? (questionei com medo da resposta).

- Sim (confessou).

- Onde se conheceram? (indaguei com curiosidade).

- Numa palestra que ministrei.

- Há quanto tempo? (voltei a perguntar).

- Uns dois meses.

- E agora? (falei demonstrando desespero).

- Quero a separação (ela afirmou sem titubear).

E eu queria chorar, mas não o faria na frente dela, me levantei e sai de casa. Caminhei um pouco e fui direto para a praia. Sentei na areia e chorei. Onde foi parar o companheirismo, o amor e a lealdade? Tudo escorreu pelo ralo. Todo um relacionamento jogado fora. Eu sentia um misto de tristeza e raiva. É frustrante saber que tudo acabou e para piorar tinha traição. Eu queria ligar para a minha mãe, mas eu nem tinha lembrado de pegar meu celular. Claro que eu sabia que o meu casamento não andava bem das pernas, mas eu não imaginava que estava próximo do fim. Eu e a Ale, sempre nos demos muito bem, antes de namorarmos éramos amigas e combinávamos muito. Brigávamos como qualquer casal, contudo na maioria das vezes nos dávamos bem e vivíamos em harmonia. Eu não entendia, por que, após anos de união, uma traição e uma separação. Ela estava apaixonada por outra e estava desistindo de nós.

Será que esta mulher é uma sex symbol? Será que temos alguma semelhança?

Quais foram os meus erros? Em quais momentos falhei?

Eu sou uma mulher vaidosa, cuido muito bem do meu corpo, faço academia e natação. Arrumo-me com frequência e me considero bonita. Tenho olhos castanhos, lábios carnudos, cabelos cacheados e pele clara.

Fiquei sentada por horas e pensando. A noite chegou e comecei a sentir frio, mesmo sem querer retornei para casa. Logo que entrei vi que tinha um bilhete próximo ao telefone.

Florência peço desculpas! Acredito que você queira ficar sozinha para pensar. Depois eu volto para buscar minhas coisas, no momento levei somente uma mala. Quando você quiser conversar, me ligue. Fique bem e se cuida!

Li e reli o bilhete. Ali estava evidente o fim e eu voltei a chorar em desespero. Eu quase não dormi naquela noite. Fiquei em desalento, pensei em pedir para que ela voltasse, mas seria me rebaixar ainda mais, ela não merecia e eu muito menos, seria ainda mais humilhante. Eu queria tentar novamente, perdoar e retomar, porém ela já não queria o mesmo e tinha deixado bem claro. Alejandra é muito bem resolvida e quando decide algo, raramente muda de ideia. Tentei imaginar como seria sem ela, o problema é que eu nem imaginava mais minha vida sem ela ao meu lado. Eu estava com trinta e sete anos, como recomeçar com esta idade? Como encarar a minha família? O que os amigos vão dizer? Eu estava totalmente perdida e sem reação. Só queria acordar daquele pesadelo.

Quando a segunda chegou eu estava moída, tomei um banho, me troquei e rumei para o meu consultório, atuo como dermatologista e moro no litoral do estado de São Paulo, na cidade de Bertioga. Naquele dia não tive notícias de Alejandra, nas redes sociais nenhuma atualização e eu trabalhei com afinco. Durante a noite voltei a chorar e vi todas as nossas fotos juntas. No decorrer da semana, não consegui comer direito, não fiz nenhuma atividade física e o que mais fiz foi chorar. Quando a sexta chegou, antes de sair para trabalhar, separei duas trocas de roupa, coloquei numa mochila e decide que viajaria ao término do expediente, eu precisava da minha mãe e com urgência.

Já tinha um mês que eu não visitava os meus pais, eles moram no interior, em Joanópolis. O dia passou rápido e no final da tarde comecei a viagem. No trajeto ouvi músicas e pensei sobre a vida. Eu ainda não tinha contado para ninguém, evitei minhas amigas e preferi contar para a minha mãe pessoalmente. Quando cheguei, meu pai estava no portão e logo abriu para que eu estacionasse.

- Minha filha, que surpresa agradável, saudades (ele disse de braços abertos).

- Papai, também senti saudades (falei o abraçando com carinho).

Entramos e mamãe estava sentada no sofá assistindo ao jornal.

- Homem, acredita que acabei de sentir o perfume da nossa filha (comentou ainda olhando para a TV).

- Flora, você deve estar ficando doida (ele falou segurando a risada).

- Deve ser saudades, quando acabar o jornal ligarei para ela.

- Mãe! Também estou com saudades e não precisa ligar (falei me aproximando).

- Filha! (ela sorriu e me acolheu num abraço gostoso e saudoso).

Nós nos sentamos e comecei a contar detalhadamente para os meus pais que ficaram perplexos. Voltei a chorar e fui amparada por ambos. Inicialmente eles não disseram nada, somente escutaram, me abraçaram e acalantaram.

- Meu bem, quando você chegou notei que estava abatida, mas nem imaginava o motivo (disse mamãe).

- Minha filha, você sabe que sempre poderá contar conosco, você vai superar esta separação e estaremos ao seu lado (garantiu papai).

- O Caetano tem razão e você já deveria ter nos ligado.

- Eu precisava ficar sozinha por um tempo, para tentar entender tudo isso (expliquei).

Meus pais sempre me aceitaram, eu me assumi na adolescência e sempre contei com o apoio deles.

- Vou pedir aquela pizza que você adora para jantarmos (meu pai falou sorrindo).

- A pai, estou tão sem ânimo para comer (reclamei).

- Mas precisa se alimentar. Peça sim Caetano (salientou minha mãe).

Meu pai deixou a sala para fazer o pedido e eu deitei no colo da minha mãe.

- Florência, você tinha comentado que seu casamento não andava bem, mas eu pensei que era só uma fase complicada.

- Eu também mamãe, nem imaginava que terminaríamos e muito menos uma traição.

- Que triste tudo isso!

O pedido não demorou a chegar, com a insistência dos meus pais, comi dois pedaços e depois de tomar um chá calmante consegui adormecer. Finalmente tive uma noite de sono tranquila. Para o café da manhã, meu pai fez panquecas e suco natural. Já no final da manhã fomos para uma cachoeira.

- Minha filha em momentos difíceis, temos que estar com quem amamos e em contato com a natureza. Um banho de cachoeira te fará muito bem (destacou minha mãe).

Ela tinha razão. As águas me fazem muito bem e gosto muito da natureza. Meu pai que é muito observador notou que eu estava melhor e mais animada; por isso aproveitou para aconselhar.

- Filha, você consegue ligar para a Alejandra? Seria interessante ela buscar as coisas dela hoje ou amanhã, aproveitando que você não esta.

- Acho que é melhor mesmo (confirmei).

- Além disso, se você se sentir segura, diga que você entrará com o pedido de divórcio e que nesta semana mesmo o seu advogado entrará em contato com ela.

Fiquei em silêncio pensando no que o meu pai tinha dito e de fato era o mais prudente. Peguei o celular e disquei. No terceiro toque ela atendeu.

- Alô!

- Alejandra, é a Florência. Eu estou viajando, se você puder, vá em casa pegar suas coisas ainda hoje ou amanhã.

- ok! Se você prefere assim, irei.

- Sim, eu prefiro e darei entrada nos papéis do divórcio, em breve meu advogado entrará em contato contigo e também colocarei nossa casa a venda.

- Tudo bem e não tenha pressa.

- Tchau! (falei e desliguei sem aguardar uma resposta).

- Meu orgulho! (afirmou meu pai beijando a minha testa).

- Você esta bem? (minha mãe perguntou me analisando).

- Estou ficando. Vamos almoçar num restaurante?

- Vamos sim (ela respondeu sorrindo).

Almoçamos e passamos a tarde passeando. Já no período da noite assistimos filme juntos. No domingo ficamos em casa, ajudei minha mãe e fizemos nhoque. Retornei para casa no fim da tarde e eles combinaram que me visitariam no próximo final de semana.

Ao chegar em casa senti um vazio absurdo, Alejandra já tinha levado as suas coisas. No meu íntimo senti o abandono, a punhalada e a certeza do fim. Entreguei-me ao pranto e nem vi quando adormeci. No outro dia acordei decidida a seguir em frente, eu precisava me readaptar com tudo aquilo, trabalhei de manhã e no meu horário de almoço fui até uma imobiliária. Marquei com a corretora de visitar três apartamentos no sábado de manhã, contaria com o auxílio dos meus pais. Também agendei um horário com o meu advogado e pedi para ele verificar sobre a separação. Não sei de onde arranjei forças, mas comecei a lutar.

Fim do capítulo