Laura

    O nascimento das minhas filhas foi tão ou mais bonito ainda que meu casamento. Eu nunca pensei em ser mãe, mas casada com a Camila a ideia de formar uma família começou a amadurecer na minha cabeça. Confesso que tomei a decisão de pedir isso a ela no calor do momento. Hoje sei que foi a melhor decisão da minha vida. Eu já amo essas duas coisinhas bochechudas que estão dormindo cada uma em seu berço na minha frente.

    Eu escolhi o nome de uma e Camila da outra. Então ficou: Marina, o nome que escolhi, e Diana, o nome que a Camila escolheu. Tirei férias de verdade pela primeira vez da minha vida profissional. Aproveitei as minhas folgas forçadas por causa do atentado para descansar a minha imagem e acompanhei os primeiros três meses de vida das minhas pequenas. 

    Minha mãe nos auxiliou e até dormiu na minha casa nas primeiras duas semanas. A mãe de Camila não quis saber das netas. Era uma pena que nem com a morte do marido ela tenho se aproximado das filhas. Já Verônica é a tia/madrinha mais babona do mundo.

    O silêncio do chuveiro denunciou que a minha Camila tinha terminado o banho. Minutos depois ela saiu enrolada na toalha e se juntou a mim para ficar admirando as nossas filhas.

   - Que mãe mais babona. - Camila falou.

    Olhei para ela e mostrei a língua. Marina começou a chorar e fiquei observando meu amor amamentar aquela coisinha que tem a capacidade de transbordar todo amor que ocupa o meu coração.

Camila

    Minhas meninas estão com dez meses de vida e eu acabo de contar para elas uma grande novidade:

    - Mamãe vai ser a âncora oficial do jornal da manhã, meus amores. Semana que vem eu volto a trabalhar em período integral e agora de posto novo.

    Contei feliz mesmo sabendo que elas não fazem a mínima ideia do que farei, mas gargalharam gostoso pela minha felicidade.

    Olhei mais uma vez para o relógio e fiquei nervosa ao notar que já era para a Laura ter chegado em casa. É claro que fiquei traumatizada pelo ocorrido e qualquer atraso entro em pânico. Na verdade, as coisas parecem não ter mudado como esperei. Acredito que seja difícil minha companheira estar em investigação, mas trabalhar demais voltou a ser rotina e está fazendo com que ela chegue tarde na última semana.

    Laura mãe me surpreende positivamente. Talvez seja errado estar surpreendida pois a escolhi para compartilhar a maternidade comigo pelo resto de nossas vidas, porém não posso me enganar e dizer que esperava exatamente vê-la brincando com as meninas, dar total atenção, cuidar de cada detalhe. Ainda assim, enxergo que nos últimos dias que começará a faltar tempo para mim e para elas.

    A promessa é inquebrável, segundo ela. Acredito nisso. Preciso acreditar. Procuro engolir que sua rotina esteja voltada para o trabalho e que será fácil colocar juízo de volta na sua cabeça.

    Quem eu quero enganar? Laura sempre guarda vários papéis quando eu apareço, não dorme direito e nem come também. Definitivamente nós precisamos conversar. 

    Eu não posso deixar isso acontecer. Será que será sempre essa luta? Quando eu penso que está tudo bem, a Laura estraga tudo?

    - Oi - vi a Laura sorrindo entrando no quarto das nossas filhas.

    - Oi, vida - trocamos um beijo rápido.

    Marina tentava falar algo incompreensível e agitava os bracinhos na direção da Laura.

    A mulher de olhos cor âmbar prontamente a pegou no colo depois de dar um beijo na Diana. É incrível e inexplicável como a Marina é apegada a ela. Não que a Diana não a adorasse também, mas era nítida a afinidade da Marina com a Laura.

    - Ela estava com saudade - Falei tentando amenizar o meu nervosismo. 

    - É bebê? Estava com saudade? - Falou com a filha dando beijos e mordidas.

    - Você chegou tarde. Já jantou?

    - Comi um pastel na redação, estou sem fome - finalmente ela me olhou com atenção. 

    - Um pastel? Por que tinha pastel na redação? - Sorri para em seguida desmanchá-lo quando ouvi a resposta. 

    - Acredita que eu comentei com a estagiária que eu adoro pastel de frango e ela trouxe um para mim?

    Opa, alerta vermelho. Eu já tinha visto essa estagiária fazendo até massagem na Laura e confesso que armei uma pequena cena. Ela é uma ruiva bonitona e bem atirada. 

    " - Eu posso saber o que está acontecendo aqui?

    Era uma cena para lá de estranha. Uma garota tão novinha e bonita como aquela com as mãos no ombro da Laura que ria de alguma coisa que ela dizia.

    - Amor, que surpresa boa!

    Laura levantou e nos apresentou como se eu não tivesse visto nada demais.

    A estagiária saiu dando um sorriso sem graça. Está na cara que atrapalhei do seu momento.

    - Então é assim que você trabalha? Com alguém fazendo massagem enquanto conta alguma piada para te fazer rir? Isso se a piada não sou eu!

    - Do que você está falando, Camila? Que piada?

    - Você sabe que quando você faz essa cara de idiota, que não sabe de nada, só me irrita mais! Para com isso.

    - Para você de fazer essa cena ridícula no meu local de trabalho. Olha bem para aquela fedelha e pensa, só pensa por um segundo, se eu trocaria você por ela. Pelo amor de Deus, ela colocou as mãos no meu ombro e me agradeceu pela força eu dei a ela. A menina pegou informação errada e já ia mostrar para o meu pai. Apenas a ajudei, só isso".

    - Hm... - não escondi o meu ciúme. Peguei a Marina de seu colo em seguida - Vou colocar as meninas para dormir.

    - E precisa tirar ela do meu colo desse jeito?

    - Está tarde, elas só ficaram agitada por sua causa. Se você tivesse chegado mais cedo, poderia passar mais tempo com elas.

    - Ah, claro. Quero ver se você vai ficar tanto tempo em casa agora que vai para a bancada.

    - Como você sabe? 

    - Trabalhamos no mesmo lugar. Todo mundo veio feliz me parabenizar pela novidade. Afinal, eu deveria estar muito feliz por ser a esposa da nova âncora oficial do jornal da manhã. Mal sabem eles que nossas filhas vão ficar sem você agora. 

    - Eu não sou igual a você! Meus horários não vão extrapolar por causa da minha promoção. Até porque se eu faltar com as meninas, elas ficarão sem mãe nenhuma.

    - Você sabe que vai trabalhar mais! 

    Laura ignorou uma parte do que eu disse. Ela não achava que chegar mais tarde estava afetando a nossa relação e as nossas filhas.

    - Você só está falando isso porque não quer que eu vá para a bancada.

    - Claro que não! Faça bom proveito da sua fama.

    Deu as costas e saiu. 

    Essa aversão dela por bancada já passou do limite compreensível. Eu entendo o seu lado, a sua angústia, o seu trauma por ter sido deixada na casa de seus avós por sua mãe no passado. Mas, eu não sou a dona Andreia e ela precisa entender isso.

    Quando entrei no nosso quarto, deixei a discussão da bancada de lado e resolvi retornar naquela história do pastel. Não, eu não engoli e nem tenho vontade de esconder que isso me incomoda.

    - Aquela garota não está dando em cima de ti novamente, está?

    - Que garota, Camila?

    - Não se faça de desentendida! A estagiária.

    - Ela nunca deu em cima de mim, isso é coisa da sua cabeça.

    - Não insulte a minha inteligência, Laura! Eu deixei passar aquela história da massagem para evitar brigas. Mas semana passada foi o brigadeiro que ela mesma fez, no final de semana foi mensagem carinhosa pedindo ajuda no trabalho e agora essa do pastel. Atenção demais com uma pessoa que nem é chefe dela.

    - Mais um ponto positivo para ela. Ela é assim com todo mundo da redação, independente do cargo.

    - Não brinque comigo, Laura... eu perdoo e relevo muita coisa, mas ouse mentir, me trair ou me enganar. Ouse! Eu pego as nossas filhas e sumo! SUMO! VOCÊ ESTÁ ESCUTANDO BEM? SE FOR TRAIR FAÇA BEM-FEITO, PORQUE SE EU DESCOBRIR, PEÇO O DIVÓRCIO NA HORA. ALÉM DISSO, APROVEITANDO QUE ESTOU PASSANDO RECADO: QUERO VOCÊ AQUI NO HORÁRIO CERTO E SE VOCÊ ESTIVER ENVOLVIDA COM INVESTIGAÇÃO DE NOVO EU SUMO TAMBÉM.

    Eu me descontrolei e a Laura apenas tentava me acalmar, não falava quase nada. Apenas dizia que me amava e que nunca me trairia com outra mulher. É claro que depois a Laura me fez relaxar nos braços dela e trocamos juras de amor.

Laura

    - Camila está me sufocando com tantas perguntas e cobranças. Eu estou ficando louca.

    É sábado e eu estou na casa do Sérgio. Inventei que meu amigo está doente e que eu tinha que cuidar dele. Camila tem pegado muito no meu pé depois da última briga. Uma mentira necessária. Ou mais uma.

    - Você não tem medo da Camila descobrir o que você está fazendo?

    - Tenho... - respirei cansada olhando para a tela do computador.

    Eu estou com uma bomba nas minhas mãos. Não cederia a pressão da minha família, é mais forte do que eu. Eu sou viciada nessa adrenalina, tirar as investigações da minha vida é a mesma coisa que tirar a pulsação do meu coração. Por isso decidi continuar com o meu trabalho mesmo depois do atentado. Nunca fui covarde e não comecei a ser agora.

    - Até quando você acha que vai conseguir esconder? Ou melhor, como você vai publicar esse material todo sem ela saber? - Sérgio perguntou enquanto me entregava uma xícara de cappuccino.

    - Não sei. Não pensei nisso ainda, mas quando chegar a hora vejo o que faço.

    Sou muito vaidosa para entregar uma reportagem sem o meu nome, não tenho coragem de ser falsa comigo mesma.

    - Ela parou de achar que você está tendo um caso com a estagiária? - Deu risada.

    - Semana passada mesmo ela fez outra cena.

    - E como sempre vocês trans*ram loucamente depois de terem discutido.

    - Tem jeito melhor de acabar uma briga? - Sorri de lado relembrando dos toques de luxúria que compartilhamos em nossa cama.

    - Não mesmo! - Ele concordou. - Mas não rola nada mesmo com a estagiária? Eu tenho a impressão de que você dá pano para manga.

    - Até você agora? Já basta a Camila. Você sabe: nunca! Sabe também que eu amo a Camila e jamais faria isso com ela. Você já reparou na minha mulher? Ela é um mulherão, não preciso de mais.

    - É, eu também sossegaria com uma daquela na minha cama.

    - O que é isso? Mais respeito! - Joguei uma almofada na cara dele indignada.

    - Ei, desculpa! Não está mais aqui quem falou.

    Lembrei que hoje ainda terei a festinha de aniversário dos meus irmãos, mas minha vontade de ir é zero.

    - Só falta uma fonte me confirmar tudo. Ele ficou de me ligar hoje à noite, parece estar decidido a me entregar algumas coisas que me ajudarão.

    - E então sua matéria estará concluída - Sérgio respondeu.

    - Concluída e impublicável. Não sei se eu converso com a Camila antes ou se deixo que ela descubra pela televisão. De todo jeito vamos brigar, então só tenho que escolher o jeito.

    - Eu sempre acho a mentira ou esconder algo o pior jeito. Fala com ela antes. Não acho que ela vá realmente acabar com o casamento. Camila sempre te perdoa.

    Acenei positivamente para o meu amigo e concordei com ele. Após a festa iria contar tudo para a Camila.

...

    - Vida, eu disse que se atrasaria! - Camila disse assim que botei o pé em casa.

    - Desculpa, amor da minha vida - dei um selinho naqueles lábios encantadores. - Eu juro que vou me arrumar rapidinho.

    Da mesma forma que subi as escadas correndo, desci correndo meia hora depois já pronta. Optei por um vestido preto colado no corpo e um scapin azul.

    - Estou pronta, vamos!

    Observei toda a produção da Camila que vestia uma calça skinny preta, uma camisa de seda amarela e uma sandália de salto alto. Além do batom vermelho que deixava seus lábios mais atraentes ainda, se é que isso é possível.

    - Você está muito bonita para quem vai em uma festa infantil - sequei seu corpo com o olhar - Será que temos mesmo que ir?

    - Sim e não começa! - Ela sorriu.

    Pegamos a nossas filhas no colo e partimos.

    Cerca de uma hora depois, chegamos na festa. Após cumprimentar as pessoas e parabenizar os meus irmãos, comecei a circular após perceber que o meu celular não parava de tocar. Minhas fontes estão cheias de novidades sobre a investigação de corrupção no governo federal e eu não podia recusar as ligações. Percebia-se de longe o incômodo da Camila que não disfarçava a sua chateação.

    - Não tem como você desligar o seu celular só por hoje e curtir a festa dos seus irmãos com a sua esposa e as suas filhas? - Meu pai disse chegando perto de mim no jardim.

    Meu celular voltou a tocar.

    - O dever me chama, desculpe-me.

    Fui para longe de todos, era a ligação que eu mais estava aguardando.

    A hora de cortar o bolo foi a única vez que estive ao lado da minha família. Perdi duas ligações que foram refeitas logo em seguida.

    Retornamos para casa já tarde da noite e o silêncio imperou no carro. Achei melhor assim, evitava uma nova discussão.

    Aproveitei que a Camila foi colocar nossas filhas para dormir e corri para a sala com o meu notebook para olhar os e-mails com as provas que me prometeram enviar. 

    Olhei os e-mails rapidamente e vibrei com o que vi. Comecei a escrever as novidades da reportagem e me lembrei que tinha deixado o meu celular no carro. Saí correndo, não posso ignorar as ligações por muito tempo e mensagens no meio de uma bomba.

Camila

    Entrei no quarto e não encontrei a Laura. Desci para procurá-la na cozinha e me deparei com aquele monte de papéis em cima do sofá e o notebook aberto com uma grande frase "Novo modo de corrupção". Cheguei mais perto e não acreditei no que meus olhos estavam vendo.

   Não é possível! É uma grande reportagem que derrubaria qualquer governo. Ela disse que nunca mais mexeria com esse tipo de reportagem. É inacreditável que ela esteja mentindo assim. Será que ela não consegue enxergar o perigo que estava correndo? Ou pior, que as nossas filhas poderiam virar alvo para atingir a Laura.

Fim do capítulo