Eita, loucura! Até outro dia eu estava quase casada, com planos pra filhos, cachorro, gato, periquito, papagaio. Agora tô solteira e nem sei o que fazer no fim de semana.

Isso já aconteceu com vocês? Ter a vida toda planejada e de repente "pá" não ter mais! As vezes acho que demorei tanto pra tomar a decisão de terminar justamente por medo de perder essa "segurança do depois". Daí meio que me acomodei, sabe? Era bom ter o Beto ali e assim fui levando, quando me dei conta já haviam se passado 3 anos.

Mas enfim, consegui dar esse passo difícil e decisivo na minha vida. Engraçado como a vida da gente muda né? 

Num geral, eu me sentia bem. Eu estava bem leve de certa forma, segura de que havia tomado a melhor decisão tanto pra mim como pro Beto, afinal não tinha mais amor pra sustentar aquela relação. Mas era foda adaptar a nova rotina. 

Eu sentia falta da companhia, da amizade e até da proteção do Beto. Com ele por perto eu poderia relaxar mais. Mas é claro que não dá pra ter tudo né? Eu estou respeitando o "luto" dele pelo nosso término, mas não vou abrir mão da sua amizade. Tomara que um dia ele também aceite a minha, não é?

Depois de umas semanas perdida, decidi que estava na hora de sair da toca, passear com os amigos, conhecer gente. Ficar em casa no meu tempo livre ia me fazer pirar. Eu precisava conhecer melhor e encarar essa nova Anna que havia nascido com o término daquela relação tão “conturbada”.

Vocês devem estar se perguntando como ficou meu lance louco com a namorada do meu irmão. Aquela mulher que mexeu comigo desde a primeira vez que a vi.

Bem, pouco tempo depois da gente ter tido aquela manhã cheia de desejo, de entrega, mas sem trocar uma palavra, eu descobri que ela e Lourenço também romperam o relacionamento.

Aquilo de certa forma foi um choque pra mim. Eu sei o quanto a Dona ajudou o mano e adorava vê-lo sorrir na companhia dela. O sorriso dele pra ela foi que me deu força de suprimir o meu possível sentimento por ela. Acho até que também foi por isso que arrastei por tanto tempo o meu namoro. Seria mais fácil me manter afastada da Dona se estivesse comprometida. Era tentação demais estar solteira e ter aquela belíssima negra andando pela casa de cima pra baixo o tempo todo. Eu ia acabar fazendo alguma besteira.

Não, em nenhum momento eu pensei em levar a frente os meus sentimentos por ela e mesmo depois do término, eu achei loucura demais investir naquilo. Mesmo desejando muito tê-la em meus braços de novo. 

Quem sabe com o tempo né? Quem sabe depois do Lourenço arrumar um outro alguém? Quem sabe depois que o Beto tirar da cabeça que desisti dele porque estava interessada em outro alguém?

Mas esses "quem sabe" fizeram com que eu me afastasse de toda e qualquer aproximação com Donatella. E daí quando quis ir atrás dela, pra um cinema, um show, sei lá, ela já havia partido.

Partido só não. Ela sumiu no mundo. Como entendi o sumiço, sem despedida e sem deixar número de contato? Porr*, ela quis romper todo e qualquer contato comigo e com a minha família. Acho que no final das contas viramos um problema pra ela, assim como a mãe dela e o ex namorado traficante, e por isso ela fugiu.

Ela também não me procurou depois de tudo o que rolou entre a gente. Mesmo depois de ter terminado com o mano, ela não falou comigo, nem se despediu. Ah, no mínimo ela deve ter detestado tudo aquilo e ficou com vergonha de me encarar. Mas cara, se realmente ela não gostou, ela fingiu bem demais, sei lá, porque ali, na cama, ela parecia tão envolvida quanto eu. Nossa, "viajei" lembrando de tudo que vivemo. Ela poderia ter ficado e ter "fingido" mais algumas vezes, rs...

Mas ela se foi e eu nem sei se soube que eu terminei com o Beto, sabia? Confesso que tinha esperança de ao menos retomar um pouco da amizade com ela. Mesmo que a gente nunca mais tocasse no assunto da trans*. Eu sentia falta da companhia e agora não ia precisar ficar brigando com o Beto toda vez que me aproximasse dela.

Mas infelizmente ela caiu no mundo. Ela era desapegada né? Talvez fosse melhor ser assim. Não deu certo, sei lá, ao invés de virar a página, você joga o livro fora e daí reescreve sua história em outro lugar.

A única opção era desencanar, mesmo que lá no fundo eu soubesse que jamais alguém tocaria a minha alma como aquela mulher havia me tocado. Ah... Donatella.

Sabe, o clima aqui em casa anda meio confuso. Eu e o Lourenço acabamos nossos longos relacionamentos praticamente juntos e os nossos humores passaram a variar com uma frequência bem alta.

O Lourenço se fechou um pouco depois da partida da Dona. A gente conversou "por cima" sobre o assunto, ele explicou que achava que ela não gostava mais dele e que a relação esfriou virando mais uma amizade. Mas dava pra ver o quão perdido ele havia ficado sem ela.

Fim de relação parece furacão, não é? E lá na casa dos Pacheco havia passado 2 furacões na mesma época, rs...

Já minha mãe e a Cléo andavam tensas, intensas variações de humor. As vezes pareciam um casal de adolescentes, as vezes de despediam com um "selinho" seco antes de cada uma ir pro seu trabalho.

Fora que nos últimos meses ambas passaram a ter idas frequentes ao médico. Estava até com receio de alguém estar doente, sei lá. Será que elas estavam escondendo alguma coisa de mim e dos meninos?

Merda, elas sempre confiaram esses segredos a mim, e agora esse clima estranho. Acho que elas estavam meio que me poupando dos problemas. Devido a minha fragilidade por causa do fim do meu relacionamento.

Tá, confesso, eu também estava sem paciência com tudo. Eu estava perdida. 

Acho que se não fosse o Billy e o Juninho eu teria surtado. Aqueles dois se metiam em cada confusão e eu só fazia rir das graças deles. Esses dias o Ju pediu pra levar o Billy na casa de um dos amigos, e voltou com o joelho todo ralado. Parece que o Billy saiu em disparada atrás de um gato e o lerdo do meu irmão caçula se enrolou com a coleira e caiu. Vê se pode? Eu amava demais essa minha nova família.

Estou de férias da faculdade. Mas o estágio no restaurante continua. Inclusive hoje foi um daqueles dias que a gente vai "do inferno ao céu" em segundos, sabe?

Um pouco antes do final do expediente o dono da rede de restaurantes foi até a nossa filial pra conversar especificamente comigo. Pensa numa portuguesinha nervosa? Até dor de barriga me deu. 

O renomado chef me ofereceu um estágio no restaurante francês da rede. Isso mesmo, na França! Seriam 6 meses com remuneração, hospedagem e até estudos. Ou seja, perfeito! Era tudo o que eu precisava. E meu sonho também. 

Agora era só convencer a mãe Bah e a mãe Carla de me deixarem ir pra lá sozinha nesses 6 meses. A mãe Carla é até tranquila nesse ponto, mas a mãe Bah é super protetora. Volta e meia chama eu e o Lourenço de bebês, vê se pode? Isso é porque ela já adotou a gente grande, imagina se tivesse adotado pequeno, rs... a mãe Bah era demais!

Acabei de saber que hoje vai ter um jantar em família lá em casa. Eita deve ser assunto sério, jantar marcado assim no meio da semana. 

Vou aproveitar pra dar a notícia do estágio. Não posso enrolar muito, tenho que providenciar algumas documentações da faculdade, roupa, sapato, tudo. É Paris, gente! Paris! Eu estava radiante.

Tô indo de taxi pra casa, meu carro tá no concerto, de novo. Acho que foi até bom porque estou muito eufórica com a história da viagem, era capaz até de causar algum acidente. Estava no celular fazendo umas pesquisas sobre a França quando chegou uma mensagem de um número desconhecido.

– OI ANNA! AINDA É ESSE SEU NÚMERO? DESCULPA TE ESCREVER ASSIM DO NADA. É QUE, SEI LÁ. EU TAVA COM SAUDADE E O ÚNICO JEITO DE ME SENTIR MAIS PERTO DE VOCÊ FOI MANDANDO ESSA MENSAGEM. JÁ DEVE ESTAR CASADA, NÉ? OU QUASE. MAS NÃO QUERO TE ATRAPALHAR. SÓ QUERIA DIZER QUE SINTO MUITO A SUA FALTA. FALTA DO SORRISO, DAS BRINCADEIRAS, DA COMPANHIA. VOCÊ É UMA MULHER INCRÍVEL E O BETO É UM CARA DE SORTE. FICA BEM. DESCULPA QUALQUER COISA. BJ. DONA.

Puta merd*, pensa num coração acelerado. Eu pensei em responder, mas decidi fazer melhor, eu liguei pra ela.

Fim do capítulo