Laura

 

    Assim que voltamos para o Rio, compramos as alianças de compromisso. Camila fazia questão de todas as formalidades. Como quero muito viver essa paixão, tive que fazer todos os enredos para virar um namoro oficial.

    Camila também fez questão de que eu conhecesse a sua irmã gêmea, a Verônica. Ela marcou um jantar para este sábado e eu já estou na porta do apartamento que ela mora com sua família. Senti um friozinho na barriga, e claro que isso me atrapalhou logo na chegada. Eu quase beijei a boca da minha cunhada quando a porta se abriu por achar que era a minha Camila.

    - Não tem problema, isso já aconteceu antes tanto comigo quanto com a Camila - Verônica sacudiu os ombros não dando importância para o fato.

    - Então, cadê a Camila? - Perguntei já acomodada no sofá e estranhando o silêncio na casa.

    - É... Laura, aconteceu uma coisa muito chata que é melhor saber os detalhes pela minha irmã depois. Mas, resumindo a Ópera: estava aparentemente tudo certo para o jantar, mas os meus pais resolveram botar o lado reacionário para fora mais uma vez e estragaram tudo.

    Eu entendi tudo. Camila já havia me dito que eles não aceitavam a sua homossexualidade, diziam que ela estava copiando a sua irmã que se assumiu primeiro. Pelo que ela também me contou, eles cobravam dela uma mudança, como se isso fosse possível. Minha namorada foi criada para ser a filha perfeita, a menina dos olhos que daria todo o orgulho que a sua gêmea não daria, já que sua irmã sempre foi mais espoleta.

    Minha namorada desceu as escadas ainda um pouco abatida. Eu e a Verônica resolvemos que seria o jantar em família que ela sempre quis. Fingimos que nada aconteceu e iniciamos o jantar com a minha cunhada contando todos os acontecimentos relevantes na infância da Camila. Depois começou a contar os podres da minha namorada de forma mais divertida ainda. Notei que ela aumentava um pouco e deixava Camila sem graça. Perfeito ou não, o jantar com a pessoa mais importante na vida do meu amor foi espetacular.

    Percebi que elas possuem muitas diferenças, a aparência ainda podia me enganar, mas a personalidade não. Verônica é mais solta, se pode chamá-la de louca, Soube que ela acabou de voltar de Paris, trabalha com moda e iria se mudar para o seu próprio apartamento naquela semana. Ela mesma adora dizer que é mulherenga e totalmente independente. Camila é independente no financeiro, mas parece mais apegada aos pais. Estava sofrendo com o desprezo da mãe e a indiferença do pai, mas pelo menos não irá me abandonar por isso.

 

 

Camila

 

    Quatro meses de namoro e eu finalmente irei conhecer a casa da Laura e conversar com os meus sogros fora da emissora. Minha namorada sempre me enrolou o quanto pôde, mas agora ela não teve escapatória, foi a própria mãe dela quem fez o convite e marcou o dia.

    Conheci duas criaturinhas fofas que são os irmãos da Laura. Gêmeos, uma menina chamada Lívia e o menino chamado Bento. Laura sempre me disse que com o nascimento deles, foi jogada para escanteio ainda mais. Para mim era simples ciúmes familiar.

    Seus pais me receberam de braços abertos, sempre maravilhosos e mais simples ainda que no trabalho. Diferentes dos meus pais, apoiavam a nossa relação e me introduziram na família como se fosse filha deles.

    Já tinha percebido no jeito da Laura falar que ela não se dava muito bem com sua mãe. Isso era uma coisa não dava para entender durante o jantar, dona Andreia era só amores por ela, mas minha namorada me parece fria.

    - A Laura foi uma criança muito inteligente, Camila - sua mãe tentou contar um pouco da filha.

    - Você não sabe como foi a minha infância, você não me criou. A vovó dizia que eu era inteligente, mas você não pode afirmar isso assim.

    Às vezes a Laura tem rompantes que passam da conta. Mas aquele com sua mãe foi algo surreal. O clima pesou.

    - Sim, sua vó sempre disse isso. Mas eu acompanhei as suas notas na escola que eram sempre altas, querida.

    Reprovei a forma que ela se dirigiu a dona Andreia com o olhar me fazendo logo ser entendida.

    - Sim, de fato eu sempre tirei boas notas, na adolescência as de exatas foram sofrendo conforme ficava mais difícil, mas nada que me envergonhasse.

    Consertou do jeito dela o que poderia ser um fim do jantar e o resto transcorreu normalmente.

    O engraçado é que com senhor Carlos a coisa muda de figura. Partilhavam de uma cumplicidade fantástica. Laura parece admirar muito a figura dele fora da emissora. É como se transferisse todo o amor que deveria sentir pela mãe só para ele.

 

...

 

    Um ano de namoro, o ano mais feliz da minha vida! Tudo bem que descobri uma espécie de lado sombrio da Laura e cada dia mais as nossas diferenças ficavam bem nítidas. Mas mesmo assim não sinto que isso atrapalhará o nosso futuro. 

    Laura é totalmente workaholic. Isso ela já tinha deixado bem claro no início, eu não precisei nem perguntar. É inacreditável sua capacidade de trabalhar horas a fio. Esquecer-se do mundo é fácil. Muitas vezes não comia e já virou madrugadas trabalhando por puro prazer. Deixava toda a sua vida pessoal de lado e se desligava das pessoas que estavam a sua volta.

    Ultimamente ela vive estressada, explode com facilidade se alguém atrapalha seu raciocínio, viaja à Brasília quase toda semana e quando precisa passa até os finais de semana. Para piorar, ela era muito paparicada por outras mulheres e isso despertou em mim um ciúme que eu não estou conseguindo controlar. Eu nunca fui possessiva, mas aos poucos eu percebi que é mais forte do que eu. Eu sabia que antes de mim, se tinha uma coisa que ela adorava era viver rodeada por mulheres. Esbarrei com muitas mulheres por aí que já tinha tido algo com ela. Logo, eu fico bastante insegura.

 

 

Laura

 

    Eu estou focada no meu trabalho, talvez essa reportagem que estou fazendo dará uma guinada na minha carreira. Sei que tenho deixado a Camila de lado, mas era melhor ela já saber desde já que eu sou assim, digamos... uma louca pelo trabalho. Logo de cara, ela pareceu apoiar essa minha vontade de fazer o meu melhor no jornalismo, mas hoje ela diz que eu estou exagerando na dose e que isso estava me fazendo mal. Eu não vejo mal nenhum nisso, tenho um objetivo e vou chegar até ele. O ciúme de Camila está trazendo briguinhas tolas, incomodando-me. Eu a amo muito, nem passa pela minha cabeça trocar aquele beijo único por outro. Será que é tão difícil ela entender isso?! 

    Cheguei exausta de mais uma viagem que fiz à Brasília. Achei melhor não ligar para a Camila, mesmo sendo domingo. Afinal, já estava tarde e nossa última conversa por telefone nesta manhã não foi muito amistosa.

    " - Você disse que chegaria hoje cedo, eu te ligo achando que você estava em casa e você me diz que só vai chegar à noite porque surgiu uma coisa. Que coisa, Laura?

     - É coisa do meu trabalho, amor, quando sair a reportagem você vai saber o que é.

    - Talvez possa ser tarde demais para eu querer saber o motivo.

    - Camila... Por favor.

    - Tá, Laura, sem drama. Quando você chegar a gente conversa. "

    Relembrei do nosso diálogo e anotei mentalmente que eu deveria arranjar um tempo amanhã para a Camila. Mesmo com a cabeça no trabalho, é claro que eu não deixava de sentir saudade dela.

 

...

 

    Antes de dormir, mesmo cansada, ainda fiz algumas notas e o resultado foi acordar com vários papéis espalhados pela minha cama.

    - Merda! Estou atrasada! - reclamei.

    Me arrumei em tempo recorde e fui para a redação.

    Desejei bom dia a todos e caminhei rápido para a sala de reunião. Encontrei a Camila na mesa, mas logo notei que ela se sentou longe do lugar habitual que costumamos nos sentar.

    Deu-se continuidade na reunião e quando terminou fui até ela.

    - Meu amor, que saudade de você! Almoçamos juntas? - Coloquei seu cabelo atrás de sua orelha direita como forma de carinho.

    - Não - respirou fundo. - Já combinei de almoçar com a Vero.

    - Ah tá, tudo bem - resolvi não insistir. - Então jantamos juntas? - Fiz a minha melhor cara de dengosa para quebrar o gelo.

    - Tudo bem, passo na sua casa. Não se esqueça de fazer a reserva.

    - Ótimo - comemorei dando um selinho rápido nela por estamos em nosso local de trabalho. Mas minha vontade era de beijá-la, mostrar toda a saudade que estava sentindo.

 

 

Camila

 

    Cheguei no restaurante e Vero já me aguardava. Fizemos os pedidos e minha irmã logo perguntou:

    - Que cara é essa? Problemas?

    - Está tão na cara assim? - Suspirei. - A mamãe está fazendo da minha vida um inferno, estou a ponto de explodir. Ela não aceita o meu namoro e qualquer bobagem ela me ataca. Até o papai parece ser contra.

    - O pai só está sendo influenciado por ela. Eu já disse para você vir morar comigo! Pela sua sobrevivência mental deveria aceitar.

    - Vero, seu apartamento é um máximo e bem espaçoso, mas só tem um quarto. Eu estava juntando dinheiro para dar entrada em um apê, mas acho que vou alugar mesmo. Preciso sair de lá o mais rápido possível. 

    - O apê que fica ao lado do meu está vazio! É perfeito, não? Assim voltamos a ficar perto uma da outra.

   - Sério? É uma boa. Vero, te amo!  Você sempre arranjando soluções para os meus problemas.

    - Eu sou demais. Mas não são só os nossos pais que está te deixando desse jeito, tenho certeza.

    A tristeza voltou a tomar conta do meu olhar, Verônica percebeu.

    - Pensando bem, acho que vou alugar um apartamento em Brasília.

    Verônica olhou confusa. Completei emendando uma explicação:

    - A Laura não saiu de lá nas últimas semanas e  nosso namoro parece ser à distância. Ela no mundo dela e eu aqui em segundo plano.

   - E você não vai fazer nada? Vai continuar permitindo esse desmazelo por parte dela?

    - O que você quer que eu faça? Que eu proíba a Laura de trabalhar?

    - Isso que ela faz não é trabalhar, é doença.

    - Eu sei, mas também se for só trabalho até vai. Vero, eu não consigo parar de pensar se... Será que ela tem outra?

    Minha irmã balançou a cabeça e bebeu um pouco da água na taça.

    - Do jeito que aquela ali é workaholic, duvido que ela tenha tempo de olhar para outra mulher.

    Eu queria acreditar nas palavras da Vero.

    - Mas não é estranho passar o final de semana trabalhando em Brasília?

    - Se fosse outra pessoa, eu diria que sim. Mas é a Laura. Eu sei por que você está assim e me escuta: Camila, ela não é a Fernanda. Laura têm lá os seus defeitos, mas traição eu já acho demais.

    Sim, eu acreditava nisso também. Embora não controlasse a minha imaginação.

    - Eu não aguento mais ser tratada como uma qualquer na vida dela. - Olhei para cima segurando as lágrimas que insistiam em cair. 

    - Você sabe o que eu penso disso tudo, não é? Há muito tempo eu estou te alertando para isso. Vocês são completamente diferentes uma da outra e nenhuma das duas quer mudar a vida para se encaixarem. Laura é imatura, mimada e egoísta. Quem vai sair machucada dessa história é você. Vocês têm 99,9% de chance de dar errado.

    Respirei cansada, detestava quando eu não podia falar que a minha irmã estava errada.

    - Se tenho 0,1% de dar certo, é nisso que vou me apegar. Eu amo a Laura, ela é o amor da minha vida.

    Terminamos o almoço sem muita conversa. Por mais que a Verônica tenha apenas sido sincera, ela feriu-me.

 

 

Laura

 

    Termino de borrifar o perfume quando meu celular toda, é uma ligação de Brasília.

    Na mesma hora que atendi, Camila entra no meu quarto sorridente. Ela está linda, veste um short médio de cintura alta, uma camiseta de seda social e uma bota de cano baixo. Simples e linda.

    Como não podia encerrar a ligação e a conversa é com uma fonte secreta, pedi para a minha namorada esperar e fui até a minha varanda à procura de privacidade.

    Retornei após longos minutos e encontrei a Camila em pé no mesmo lugar de braços cruzados com cara de poucos amigos.

    - Desculpa te deixar esperando, era importante - sorri sem graça.

    - Claro que era. O que não é mais importante do que eu na sua vida?

    - Ei, não fala assim. Você é a pessoa mais importante na minha vida. Você sabe que sim! Olha nos meus olhos e diga que você não vê isso.

    Camila soltou uma risada irônica.

    - Nem vou entrar em discussão de importância na sua vida. Só quero saber quem era nessa ligação. Com quem você estava falando, Laura?

    - Era uma fonte.

    - Essa hora?

    - Jornalista não tem hora para receber informações, você sabe muito bem disso - minha paciência já estava por um fio.

    - Perdi a fome, vou para casa.

    Agarrei seu braço, não permitindo sua saída.

    - Meu amor, foi só uma ligação, você está exagerando!

    Eu sabia: iniciava-se mais uma discussão.

    - Não Laura, não é exagero. Estou cansada de ligações secretas de Brasília. Você vive de conversinha com alguém que eu não faço a mínima ideia de quem seja. Quem é ela?

    - Você está tão cega de ciúmes que já imagina que seja uma mulher. É UM HOMEM, CAMILA! - Perdi a paciência.

    - E QUEM ME GARANTE? HEIN LAURA? QUEM...

    Virei as costas e sai do meu próprio quarto, deixei lá uma Camila berrando. A única coisa que eu queria era passar a noite com ela. Mas o que eu ganhei foi desconfiança barata. 

    Passei pela sala e minha mãe que estava brincando com os gêmeos, queria saber o que estava acontecendo, o que eu tinha aprontado. A minha raiva só aumentou. 

    Recebi um olhar de carinho do meu pai e saí para respirar. Quando percebi, ele estava sentado ao meu lado na borda da piscina me perguntando o que estava acontecendo. Desabafei, além de pai, ele era meu confidente e tinha sempre ótimos conselhos.

    - Ela quer participar da sua vida, isso é natural. - Meu pai tentava argumentar. 

    - É um assunto profissional, eu não posso contar muita coisa. Não que eu não confie nela, mas... - fui interrompida.

    - Você não confia em ninguém. Você só me conta partes porque sou seu chefe - deu risada para descontrair. 

    - Você tem razão, talvez ela possa até ajudar... Já imaginou que casal mais incrível que seríamos?

    O desabafo me fez ficar mais calma.

    - Não leve a Camila para o seu mundo - ele falou sério -, deixe-a livre para seguir a carreira dela. Eu estive observando e já pesquei: ela vai parar em uma bancada, pode apostar - meu pai disse e saiu.

    Jogou a bomba e simplesmente saiu. Eu não sei se gostei da ideia, mas não era hora de pensar sobre isso. 

    Subi até o meu quarto, tinha que resolver tudo isso. Cheguei e Camila estava pegando as coisas que ela deixa aqui. Fiquei desesperada ao ouvir que ela estava terminando comigo. Não, não e não!

    - Amor, olha para mim. Eu estou me comunicando com um homem, eu estou com provas de desvio de dinheiro público para uma reportagem, é um escândalo. Eu tenho que manter em sigilo absoluto essa minha fonte que eu repito: é um homem. Por favor acredite em mim.

    Meu desespero é enorme, eu não posso perder o meu amor. 

    - Não é só isso Laura - ela segurava o choro. - Infelizmente não são só as ligações secretas. É o abandono, as ligações rápidas durante o dia. São também as mulheres que dão em cima de ti. Eu não estou feliz - respirou fundo e olhou em meus olhos. - Eu te amo muito, te amo mais que tudo, mas eu preciso de um tempo para pensar se eu estou disposta a ser seu segundo amor. Disputar com o seu trabalho, Laura, é uma luta desigual. É covardia.

    Aproveitei que ela estava perto e tirei algumas pequenas lágrimas que começaram a descer pelo seu rosto com as mãos.

    - Eu posso melhorar. Ajude-me, meu amor. Eu vou preferir sempre você, mas eu preciso que você me ajude ficando ao meu lado. Vamos passar por isso juntas, não me abandone, por favor. Você sabe que um milhão de mulheres podem dar em cima de mim, mas eu só tenho olhos para você, confie em mim.

    - Laura... O que eu faço com você? Você não vê que não temos futuro? Está na nossa cara que isso que temos não é suficiente. Vai ser sofrido, mas é melhor agora que depois...

    - Não, não fale isso - a interrompi. -  Você sabe que temos sim futuro. Temos amor e isso já é uma grande coisa. Eu te amo muito, Camila. Eu não imagino mais a minha vida sem você.

    Ela ficou em silêncio e eu aproveitei para abraçá-la. Ficamos ali um bom tempo.

    - Eu estou na reta final da reportagem e tudo vai voltar ao normal. Por favor, me dê mais uma chance.

    Ela balançou a cabeça positivamente e me beijou em seguida.

    Depois de uma DR, só podíamos terminar na cama fazendo amor como sempre fizemos. Essa sintonia em nenhum momento foi perdida. Pelo contrário, quanto o tempo passava, mais intimidade e laço criamos.

 

...

 

    Acordei primeiro do que ela no dia seguinte e na minha cabeça só existia um pensamento: eu não posso perdê-la.

    Ela começou a se mexer e quando se virou para mim, sorriu. Então perguntei:

    - Você quer se casar comigo?

 

Fim do capítulo