Capítulo 46
O JARDIM DOS ANJOS -- CAPÍTULO 46
Alisson arregalou os olhos azuis como safiras. Seu sangue ferveu, e seu rosto corou tal sua raiva ao ouvir que Andras estava chantageando Lorraine.
-- Repete! -- pediu para ela sem acreditar no que estava ouvindo.
-- É isso mesmo! A Andras está me chantageando -- ela baixou os olhos por um momento, como se estivesse envergonhada -- Sei que fui covarde em me deixar levar pela chantagem dela, mas fiquei com muito medo -- falou humildemente, sentindo que Alisson a analisava.
-- O que você fez de tão grave para ela lhe ter nas mãos dessa forma?
-- É uma longa história. Você não tem nem ideia.
-- Bem, então que tal tirar as algemas e começar a me contar, tudinho?
Lorraine não conseguiu evitar o sorriso.
-- Nem pensar.
-- Como assim? Nem pensar? -- Alisson imitou ironicamente a voz de Lorraine -- Me solta!
-- Não!
-- Me solta, Lorraine -- Alisson insistiu.
-- Não! -- Primeiro vou lhe contar toda a história. Dependendo da sua reação, eu solto -- prometeu ela, colocando as pernas para cima da cama.
Alisson murmurou um xingamento e fechou a cara. Estava com tanta raiva dela que tinha vontade de lhe dar uns safanões.
-- Pode me xingar o quanto quiser, mas eu te conheço o suficiente para saber que você vai sair daqui correndo esganar a Andras.
Alisson não falou nada, mas a raiva que se refletia em seus olhos azuis brilhantes, dizia tudo. Era bem isso que faria.
-- Conta logo, Lorraine. Adiar não vai me deixar com menos raiva. Estou esperando.
Ela se encostou na cabeceira da cama e tentou encontrar as palavras certas.
-- Isso é mais difícil do que eu imaginei -- fechou os olhos com força, as lembranças voltando-lhe rapidamente à mente -- Você se lembra da noite do acidente? A noite que Silvana foi internada no Leonor Hernandes?
-- Como poderia me esquecer? -- Alisson suspirou fundo -- Foi uma noite terrível!
-- Para mim muito mais... -- Lorraine engoliu em seco e umedeceu os lábios -- Andras armou para mim.
-- Não tenho a menor ideia do que está tentando me dizer -- Alisson disse, olhando Lorraine com carinho -- Gostaria de poder ajudá-la, mas você tem que se abrir comigo.
As mãos de Lorraine tremiam. Ela queria que a raiva de Alisson passasse, que ela a apoiasse, a protegesse. Tudo seria bem mais fácil.
Lorraine suspirou fundo antes de começar a contar.
-- Naquela noite, assim que você saiu do hospital, recebi uma mensagem enviada do celular de Silvana...
Andras estava no carro em frente à guarita do condomínio em que Nádia morava. Estudava o terreno com cautela, faria aquela noite o que deveria ter feito há muito tempo.
Uma batida na janela do carro a assustou. Virou-se e viu e viu a silhueta de um homem de boné e uniforme de uma empresa de vigilância patrimonial.
Ela abaixou o vidro e ele enfiou a cabeça para dentro.
-- Posso ajudá-la? -- seu jeito bravo desapareceu e foi substituído por um sorriso simpático, ao perceber que era uma bela mulher ao volante.
-- Muito obrigada, mas estou apenas dando uma olhadinha no lugar -- ela o fitou de relance, antes de voltar a atenção para a casa de Nádia -- Estou procurando uma casa para comprar.
-- Caso a senhorita esteja buscando um lugar muito tranquilo e seguro. Esse é o condomínio certo.
O condomínio era construído em uma região de morros. A praia ficava um pouco ao sul, cerca de dez minutos de onde estavam. Tudo verde e bem cuidado.
-- Na verdade estou mais preocupada com o espaço -- Andras passou a mão pelos cabelos longos e negros, era astuta e dissimulada. Sua lábia, sua voz, sua aparência, eram tão convincentes que um homem morreria lutando por ela -- Sou solteira, mas gosto de um grande quintal, afinal, é sempre bom ter algum tipo de contato com a natureza. Quando estou estressada gosto de caminhar pelo jardim para esvaziar a cabeça. Sentir o cheio da grama, das flores, ouvir pássaros cantando, é maravilhoso -- ela suspirou, desanimada -- Que pena! Esse lugar parece perfeito.
-- Sem contar a proximidade da praia -- comentou ele -- Por quê a madame não agenda uma visita? Quem sabe...
-- Não será possível. Estou saindo para uma longa viagem e quando voltar quero me instalar em minha casa nova.
O segurança analisou-a detalhadamente enquanto ela ligava o carro para sair.
-- Espera, madame! -- ele colocou a mão sobre o capô do carro e curvou-se para olhá-la -- Não é permitido, mas nesse caso, acho que posso abrir uma exceção. A madame não quer dar uma volta de carro pelo condomínio? Eu tenho os números das casas que estão a venda.
Andras deu um sorriso vitorioso. Foi realmente uma jogada inteligente e certeira. Os homens são realmente uns idiotas. Simplesmente o cérebro masculino para de funcionar diante de uma mulher bonita e sexy.
-- Que competência! -- disse Andras, cheia de charme.
Lorraine encarou Alisson e viu tristeza em seu rosto, a decepção estampada em seus olhos. Ela soube então, que deveria ter confiado nela. Deveria ter contado toda a verdade desde o começo.
-- Eu sinto tanto, Alisson -- ela sussurrou -- Eu deveria ter lhe contado.
-- Você deveria ter confiado em mim e contado a verdade! -- ela disse, com a voz fraca. Sentiu-se traída, sempre confiou em Lorraine e achava-se merecedora de sua confiança, também -- Eu teria cuidado de você. De onde venho, cuidamos dos nossos. Sempre! Você deveria saber disso.
-- Eu deveria saber que você o faria! -- virou a cabeça e encontrou os olhos azuis de Alisson -- Fiquei com medo que fosse tirar satisfação com Andras e ela me entregasse a polícia.
-- Você estava tentando se proteger. Eu entendo isso -- ela disse, piscando para reprimir as lágrimas -- Será que não percebeu o quanto me fez sofrer? O quanto eu chorei por sua causa? Você não sentiu nem um pingo de remorso? -- ela perguntou erguendo as sobrancelhas para ela.
-- Lógico, meu amor -- Lorraine deitou na cama ao lado dela e a apertou num abraço carinhoso -- Você desde o começo foi o meu anjo guardião. Se você não tivesse aparecido aquele dia na ponte, só Deus sabe se estaria viva. Lembra do carro preto que quase me atropelou? Se você não estivesse lá, algo trágico poderia ter me acontecido. Você sempre me protegeu. Se não tivesse entrado em minha vida, eu estaria perdida -- os olhos dela brilharam mais verdes ainda -- Você pode me perdoar? Fiz o que achei melhor -- ela hesitou um instante -- Não tive a intenção de magoá-la -- Lorraine afirmou com o rosto enterrado no pescoço da loira. Fechou os olhos e permaneceu quieta, desejava apenas sentir o calor dela, seu cheiro, beijar, olhar nos seus lindos olhos. Contudo, Alisson a fez afastar-se.
-- O que foi? -- Lorraine tocou-lhe o rosto com os lábios -- Por favor, me perdoa. Não quero perdê-la. Não posso perder você. Eu a amo. Amo mais que tudo.
-- Me solta!
-- Não!
-- Me solta, Lorraine!
-- Eu vou lhe soltar somente quando me perdoar -- levantou-se da cama em um salto -- Eu, vou voltar para o hospital. Se precisar de alguma coisa, é só gritar.
Alisson fitou-a, surpresa.
-- Você está realmente pensando em me deixar aqui?
-- Caso não tenha entendido... vou repetir: Eu vou lhe soltar somente quando me perdoar.
-- Você só pensa em você, Lorraine. Neste exato momento, em algum lugar no mundo, uma tartaruga pode estar de ponta cabeça tentando se levantar. Você já pensou nisso hoje? Não, né?
Lorraine revirou os olhos e repetiu:
-- Só, se me perdoar! -- cruzou os braços sobre o peito e partiu para a apelação -- Apaixonou-se pela Nádia. É isso?
Alisson balançou a cabeça. Levou alguns segundos para entender o que Lorraine dizia. Ela ainda a afetava tanto quanto na primeira vez em que a vira. Sentia o coração disparar e o corpo reagir com arrepios de emoção.
-- Minha vida amorosa está tipo eu dentro do Titanic com trilha sonora tocando My Heart Will Go On e o navio afundando.
-- Já sei! Você está apaixonada pela Pâmela! -- deu uma voltinha nervosa pelo quarto e parou ao lado da cama novamente -- Eu logo percebi pelo jeito como vocês estavam se beijando -- deu mais uma voltinha pelo quarto -- Eu vou matar aquela noiva do Chuck.
-- Se eu me apaixonasse por pernas e coxas, avestruz e galinha sempre receberiam flores -- Alisson suspirou fundo desistindo de continuar com a discussão -- Me solta e eu juro que não vou te dar os safanões que prometi.
-- Me perdoa, amor -- ela pediu, chorosa.
Alisson olhou para o teto por um momento, como se para organizar os pensamentos e então disse:
-- Pedindo de joelhos... quem sabe?
-- Você quer que eu me ajoelhe? -- após um longo silêncio, contudo, ela explodiu: -- Nunca! Eu, Lorraine Hernandes, jamais me ajoelharei diante de quem quer que seja.
-- Então, nada feito. Pode ir embora -- Alisson virou o rosto para o lado -- Morrerei algemada nessa cama, encontrarão apenas a minha caveira. Eu só queria uma namorada pra assistir Siga Bem Caminhoneiro comigo, e acabei arrumando uma sequestradora cruel e fria. Mas eu entendo que todo mundo tem que ser trouxa pelo menos uma vez, para criar anticorpos. Vá, pode ir. Você carregará para o resto da vida esse peso em sua consciência.
-- Jura que vai me perdoar e me ajudar no plano contra a Andras?
-- A mentirosa aqui é você -- disse com ironia -- Sou mulher de palavra.
- Ai, meu Deus. Como isso é difícil -- Lorraine estava quase de joelhos no chão quando Alisson deu uma gargalhada. Foi um riso gostoso, que deixava transparecer toda a felicidade que se passava em seu coração naquele momento -- O que foi? Sua palhaça! - Lorraine não conseguiu segurar o riso.
-- Você ia, realmente, ajoelhar-se? -- Alisson perguntou, ainda rindo.
-- Não foi isso que me pediu? Sua engraçadinha? -- disse Lorraine, sentando-se sobre o quadril dela.
-- Estava brincando -- ela viu os lábios de Lorraine curvarem-se em um sorriso, antes que ela acrescentasse: -- Lembrei-me de uma frase citada no filme Proposta Indecente:
"Pensei que fossemos invencíveis. Mas se ficamos juntos, não é porque esquecemos o que fizemos um ao outro, e sim porque perdoamos!
Lorraine puxou-a para mais perto, e sussurrou:
-- Achei que nunca mais veria esse sorriso lindo -- ela se inclinou na direção dela, beijando-lhe o ombro nu.
-- Me solta, eu quero tocar minhas mãos em você -- Alisson pediu, ofegante.
-- Agora é a sua vez de implorar -- com habilidade, Lorraine tirou o vestido por sobre a cabeça -- Implora, vai...
-- Lorraine... não faz isso...
-- Você me quer? -- ela colou o seu corpo ao corpo dela. Desejava aquela loira mais do que qualquer coisa nessa vida -- Quer ou não quer? -- perguntou ela, movendo-se sensualmente.
Alisson inspirou rapidamente, como negar diante do desejo evidente em seu rosto.
-- Sim, quero! Quero muito!
-- Então implore -- disse Lorraine distribuindo beijos pelo rosto dela.
-- Por favor...
-- Implora por mais...
-- Por favor, Lonzinha. Tenha piedade...
Lorraine passou a língua pelos lábios dela. O toque fez com que o coração de Alisson disparasse.
-- Eu te quero não apenas por esse momento, mas pelo resto de nossas vidas.
Lorraine nem sequer tentou controlar as lágrimas que deslizavam pelo seu rosto. Seu sorriso era confiante de que Alisson estaria ao seu lado e juntas enfrentariam a qualquer adversidade, fosse o que fosse.
Sem hesitar, pegou as chaves da gaveta e abriu as algemas.
O ar gelado que entrou pela janela aberta, tocou a pele nua de Alisson. Seus mamilos arrepiaram-se, mas Lorraine espantou o frio com o calor de seu corpo sobre o dela.
Em instantes elas estavam nuas e abraçadas, gem*ndo e se beijando.
Fizeram amor lentamente, sem pressa, sem receios. Para elas, era como um recomeço. Uma espécie de descoberta de que uma relação para ser sólida deve ser baseada em confiança, amor e amizade.
Como um gesto de acordo, Alisson engatou o seu dedo mindinho no dedo mindinho de Lorraine.
-- Cuidar uma da outra? -- Alisson perguntou sorrindo.
-- Cuidar uma da outra! -- Lorraine devolveu o sorriso fitando-a nos olhos -- Quantas vezes deixei de fazer isso? De ao menos tentar fazer isso?
-- Tem um sábio ditado popular que diz: "Errar é humano, persistir no erro é burrice". Temos todos os dias a chance de começar de novo, Deus nos dá a oportunidade de mudarmos a nossa vida para melhor. Não garanto que junto comigo as coisas serão mais fáceis, porém, você pode ter certeza, que sempre terá alguém para lhe dar um cheirinho no pescoço e dizer que você é uma menina superpoderosa.
-- Vou conseguir me livrar da Andras?
-- Fácil, fácil. Como dizia o sábio filósofo, o grande pensador contemporâneo:"Ela é mole com M de muito e medrosa com M de máximo."
-- Hummm... quem disse essa frase?
-- Seu Madruga.
Lorraine segurou a mão da pediatra, beijando a pele delicada da parte interna do pulso que estavam roxas e inchadas.
- Eu sou uma bruxa, né?
- É!
- Alisson! - Lorraine a puxou levemente pelos cabelos, forçando-a a olhar para ela - Era para negar.
Alisson sorriu.
- É brincadeirinha, amor - murmurou ela, percorrendo as costas dela toda com a ponta do dedo indicador -- Você é a minha princesa linda - disse.
Lorraine fechou os olhos, envolvida por uma deliciosa onda de paz.
-- Queria ficar para sempre aqui, mas tenho ir à luta.
-- O que você tem em mente?
-- Um plano bem simples, mas que tem tudo para dar certo -- Lorraine se levantou e estendeu a mão para Alisson -- Vamos para casa?
-- Para casa... -- Alisson pensou no verdadeiro significado daquelas palavras -- Sim, vamos para casa.
Andras estacionou em frente da imensa casa de Nádia e apanhou o pé de cabra no porta-malas. Depois ela fechou o carro e respirou com os olhos fechados o perfume familiar de flores. Ainda podia ouvir o som dos pássaros fazendo festa.
-- Odeio flores e pássaros! -- esboçou um sorriso enquanto caminhava ao redor da casa e percorria os olhos pelas janelas uma a uma. Parou diante de uma, com vidro temperado. O interior do lugar estava escuro. Pela janela, Andras não podia ver muita coisa, além de uma sala vazia e branca.
-- Contudo, entendei isto: se o proprietário de uma casa soubesse a que hora viria o ladrão, se colocaria em sentinela e não permitiria que a sua residência fosse violada. Mateus 24:43 -- Andras encaixou o pé de cabra no vão da janela e a abriu facilmente -- Sede sensatos e vigilantes. O Diabo, vosso inimigo, anda ao redor como leão, rugindo e procurando a quem devorar. 1 Pedro 5:8
Fim do capítulo
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