Gravity
Gravity
POV-Delphine
Algo desconhecido sempre me afasta e me traz de volta.
Estou presa sem correntes.
Estou submersa em lembranças perdidas.
Do jeito que for, a razão e a emoção combinam tão bem, mesmo sendo tão opostas.
Mesmo no vazio de meu quarto, no silêncio de meu tormento, seu sorriso está lá. Frente a falhas tentativas e várias noites mal dormidas, seus olhos ainda estão lá.
É uma memória viva de uma esperança morta.
Eu deveria ter lutado mais. Eu deveria ter escutado, falado e me esforçado. Agora, o que me resta é recolher os pedaços ao chão, é arrumar a imensa bagunça que sua ausência deixou aqui.
Seu perfume continua em meus casacos preferidos. O eco da sua voz é o que desperta as gargalhadas sombrias que a saudade demonstra. Faz um mês que aventura-se no colo de outra pessoa. Trinta dias que abriga-se no calor de uma outra mulher. E a culpa é inteiramente minha.
Meu amor por Cosima desconserta meu ser e conserta meu viver. Registra suas digitais em meio ao meu DNA. Respira meu ar e tira-me o oxigênio. Viaja meus oceanos e naufraga à beira mar. Ensaio, diante à câmeras desligadas, o que deveria ter dito para que ela ficasse comigo.
Por que não pude apaixonar-me por Paul novamente?
Por que apaixonei-me por uma menina?
Por que não somos capazes de escolher a quem amar?
Não há ciência que explique a atração entre nós.
Não há literatura que descreva, em prosa ou poesia, como Cosima preenche minha rima.
Não há números ou algoritmos que possam calcular a falta que ela me faz.
Não há remédio, cura ou mandinga. Muitos menos há uma forma de anular, fragmentar todo meu amor, em pedaços tão pequenos que não se possa mais encontrar.
Estou fadada à amar sozinha. Devota de um amor pagão.
E em meio toda a sombria escuridão, há uma fresta de luz.
Não o vejo, mas posso sentir.
Não o encosto, mas posso ouvir.
Um pequeno parasita reside em mim.
Um pequeno milagre biológico.
Um enorme acidente.
Uma salvação disfarçada pelo medo.
Estou grávida.
Céus! É a primeira vez que falo isso com uma sensação de alivio.
Serei para você o que nunca foram para mim.
Te amarei com toda força, independente das escolhas que fizer.
Levo minhas mãos ao ventre meu.
Está tudo conturbado agora, mas confie em meu tom, tudo vai ficar bem. Aliás, dias ruins existem, mas os bons também.
Foi difícil disseminar certos vícios. Álcool, tabago e aquele último trago.
As primeiras semanas foram repletas de enjoo e confusão. Como cientista, minha dúvida foi natural, agora, como uma mulher abandonada, minha certeza foi conturbada.
Minhas perguntas não tinham sentido, minhas respostas eram explicativas e punidoras.
Foi aquela noite de solidão e carência. Repleta de erros e arrependimentos insatisfatórios.
Para toda ação há uma reação. E a minha cresce devagar, dentro de mim e ao meu redor.
Confirmei minha incerteza com um exame farmacêutico. Após uma manhã de domingo, anunciei minha descoberta. Todos ficaram alegres e entusiasmados. Todavia, Paul foi o dono de toda a alegria. Seus olhos claros clareavam em lágrimas esperançosas. Decidimos voltar a morar sob o mesmo teto, mesmo que fosse por tempo datado, ele insistiu para que pudéssemos consertar o que meus sentimentos por sua melhor amiga quebraram.
Obviamente não houve entrega de minha parte. Minha luta era árdua e solitária, não me renderia a um falso amor. Não novamente. Erros são triviais, porém insistir em errar é banal.
Durante os dias que sofria de saudade e ansiedade, manejei meu equilíbrio para abdicar de meu orgulho demoníaco. Era uma tarde ensolarada quando decidi pagar uma visita no loft.
"Delphine, o que faz aqui?" Felix e seu sotaque britânico recepcionaram-me surpresos.
"Vim conversar com você. Posso entrar?" Olhei em seus olhos escuros ao explicar-me.
Felix cessou fogo e permitiu minha entrada.
O local permanecia intacto. As paredes coloridas e grafitadas, a pequena cozinha em madeira amarela, quase tão amarelas quando as cortinas do antigo quarto de Cosima.
Sentei-me no sofá e aguardei para que o sagaz rapaz fizesse o mesmo.
Respirei fundo.
"Primeiramente, sinto muito por nossas discussões passadas. Você tinha todo o direito de me tratar daquela forma, só estava tentando evitar mais confusão." Iniciei com sinceridade em meu tom.
Felix descruzou as pernas e trouxe seu torso para perto de mim.
"Delphine, eu juro que te entendo. Você ama Cosima, mas não vê futuro na relação de vocês. Você precisa de segurança, não quer jogos ou brincadeiras. Mas o que você não compreende é que Cosima está apenas começando a aprender a amar." Ajeitou seu perfeito topete, "Alison me contou sobre sua gravidez. Estou feliz por você, porém temo que isso não significa sua reconciliação com Paul."
"Não, isso não significa minha reconciliação com Paul." Admiti ao vento.
"Então, qual é o plano? Cosima volta em alguns dias e sei que vocês vão voltar. É inevitável." Anunciou com preocupação.
"Ela sabe sobre minha...?"
"Não! Ainda não contei, e pedi para Alison segurar a língua." Informou trazendo-me paz.
"Felix, honestamente, não tenho planos. A única coisa que quero fazer é tê-la novamente." Tentei convence-lo com palavras e olhares desconsolados.
"Olha, você não está mais com o Paul, não há mais nada burocrático que possa separar vocês duas, então..." Sentou-se ao meu lado e colocou uma de suas mãos em minha perna, "Então se vocês quiserem mesmo ficar juntas, eu vou apoiar. Estarei aqui para ajudar vocês com os problemas e dificuldades. Mas prometa pra mim, Delphine. Prometa que não vai deixar sua insegurança separar vocês novamente." Mirou seus olhos em mim e esperou por minha resposta com ansiedade.
"Eu prometo, Felix. Eu prometo com todo meu coração." Senti seus musculosos braços envolvendo-me em um delicado gesto.
Após esse dia, tudo pareceu estar ao meu favor.
Dr. Leekie e eu tivemos uma reunião para acertar os últimos detalhes da viagem. Informou-me sobre os apartamentos, já estavam prontos para receber os cientistas. Anunciou a compra dos novos equipamentos no laboratório e os nomes dos cientistas que trabalhariam junto a nós. As passagens serão entregues na semana que vem e o instituto servirá um coquetel de boas-vindas.
Até consegui imaginar como Cosima estaria vestida para o evento. Sonhei acordada com os dias e as noites que passaríamos em seu apartamento. Seriam os seis meses mais lindos de minha vida. A única coisa que nos impede agora é sua aceitação.
Não é justo de minha parte exigir que uma menina recém formada na faculdade aceite criar o bebê de sua amante, amante esta, que foi namorada de seu melhor amigo.
Entenderei sua decisão, porém antes de revelar meus segredos à ela, preciso senti-la novamente. Careço muito mais do que apenas seu afeto. Necessito de seu cheiro, essência e aroma. Sua voz, timbre e tom. Seu tato, audição e visão.
Quero seu abrigo, compartilhar de seu perigo.
Beijar seus lábios, afogar em sua saliva.
Entender seus ruídos, decifrar seus sentidos.
Cosima Niehaus, quero solucionar seus problemas. Unir nossos mundos opostos. Te ver crescer e aprender aos poucos com você. Dançar sua música, recitar seu poema, cantar sua canção. Entretanto, se quiser partir...vá. Todas as partículas de seu ser continuarão em mim.
O sol acordou mais cedo. O calor é sorrateiro e ligeiro. O bafo, o mormaço e o cheiro evidenciam a estação, o verão e toda sua diversão.
Era pra ser uma sexta-feira normal. Alguns enjoos pela manhã, a maratona de compromissos para a preparação do apressado casamento e uma noite morna com pipoca e televisão. Entretanto, hoje não. Hoje Cosima retorna e mal consigo esconder o sorriso em meu rosto.
Foram tantos dias escuros em meio ao céu ensolarado. Há semanas que não visto um riso. Todavia, a tempestade tranquilizou e agora a chuva é suave, anima e ressuscita meu espirito falecido pela saudade.
Como venho fazendo nos últimos dias, encontrei Alison para tomarmos café da manhã. Conversamos bastante enquanto comíamos frutas e panquecas integrais. Ela tomou um expresso e eu suco de laranja. Cafeína é um dos inimigos da gestação.
Partimos ao encontro das assessoras de evento. Tudo estava pronto para o grande dia, domingo.
A cerimônia será em um hotel pela manhã e a tarde carregará a festa. Todos os detalhes já estavam decididos e terminados. A única coisa que ainda faltava era a última prova dos vestidos. Como estou grávida, toda semana meu corpo resolve mudar um pouco, então Alison e sua neurose arrastaram-me à loja para ajustar meu traje. Cosima também não havia experimentado o seu vestido, então sou a dona da certeza de que verei minha amada hoje.
Combinamos de nos encontrar após as 11:00, entretanto, o relógio já marcava 11:40.
Sempre atrasada, Dra. Niehaus.
Durante o tempo que ficamos distantes, o pessoal sempre falava sobre a amiga viajante. Todos torciam para que o relacionamento entre Hannah e Cosima desse certo, mesmo com a viagem. Eu, por outro lado, amaldiçoava essa relação com palavras quietas, porém sujas e maléficas.
Alison já estava na quarta taça de champanhe quando avistei pela janela um ser humano perdido em si. Uma moça de pele bronzeada desceu de uma moto familiar, removeu seu capacete e pousou um beijo nos lábios de uma outra moça que pilotava o veículo. Virou-se e procurou a entrada, estava tão confusa e tão linda. Eu conheço todos os mistérios daquela confusão errante. Não há nada nesse mundo que eu queria mais além de fazer parte de sua complexidade, de seu desastre natural.
Encontrou a porta correta e adentrou a sala.
Um simples sorriso, e covinhas. Defeito genético que lhe trazem uma maior perfeição.
A semiembriagada noiva correu até os braços de sua segunda madrinha. Quis fazer o mesmo, mas por juízo e falta de direitos, apenas levantei-me para cumprimenta-la. Minha esperança por um singelo aperto de mão ou um improvável abraço foi destruída por um aceno de cabeça. Sei que ela quis tocar-me, sentir-me, pude ler nas páginas de seus olhos saudosos o quanto Cosima havia segurado seus impulsos. Gostei da sensação de ainda significar algo perturbador à ela.
"Amigas, tirem as roupas." Alison ordenou.
Estremeci, não apenas pelo êxtase que tomou conta de meu corpo ao imaginar aquela perfeita anatomia despida, meus nervos também reagiram em medo, tenho certeza que Cosima notaria minhas novas curvas. Eu assisti aquela bela moça remover seus trajes. Havia marcas de biquíni, e alguns hematomas em suas definidas costas. Enrijeci o maxilar ao capturas as fotos de minha amada e sua "namorada" trans*ndo.
Lembro-me que minha ex-aluna comentou que eu sentiria as repercussões de seu novo erro, ela disse que eu provaria de sua doce vingança. Bom, Dra. Niehaus estava certa, pois em meus ossos, músculos e sague senti toda sua impiedade.
Seu vestido coube feito mágica. Ela é radiante sem ao menos tentar.
"Cos!" Alison suspirou.
"Você está linda." Completei sem fazer questão de esconder meus sentimentos por ela.
"Obrigada, meninas." Agradeceu tão graciosamente envergonhada evitando contato visual comigo.
Provei meu traje e mesmo com a ajuda da costureira, ele não coube.
"Alison, temos um problema." Maddie informou ao tentar fechar meu zíper, "Ele não está fechando na parte da barriga."
Merda! É agora que Cosima aprenderá meu segredo.
"Estou gorda demais." Resmunguei ao tocar minha barriga.
"Você está graciosamente gordinha, amiga. Tá tudo bem, só está ficando mais linda ainda." Ally contribuiu com meu desperto em uma falha tentativa de confortar-me.
"Comeu muito, Cormier?" Aquele tom irônico deixou-me aliviada. Ela sabia que algo estava errado, entretanto, pude sentir sua falta de conhecimento sobre minha gravidez.
Amém!
"Não, Cos..." Notei que Alison relevaria o mistério "Eu parei de fumar, por isso ganhei uns quilinhos." Então decidi interromper com uma mentira não tão falsa assim.
Cosima não comprou meu argumento e não faço ideia do que realmente passou por sua linda cabecinha.
"Bom, agora é minha vez." A noiva indiscreta seguiu caminho ao um provador individual.
Na sala, estávamos apenas minha ex-amante, eu e toda nossa tensão sexual.
Sempre adorei silêncio, mas eu o desprezo quando ela está próxima à mim.
"E como foi de viagem?" Não tinha muito interesse nos detalhes, porém precisei iniciar a conversa nesse assunto.
"Foi ótima!" Seu entusiasmo enojou-me.
"Que bom!" Ironia, grande companheira minha.
Algo dentro de minha alma gritou alto, não pude segurar.
"Vocês estão namorando agora?" Merda, Delphine! Por que insiste em sofrer assim?
Penetrei seus olhos com seriedade e leve raiva contida.
"Hum! Não sei dizer, é complicado." Respondeu, mordeu os lábios, e meus teimosos olhos a estudavam agredir sua carne.
Céus! Como gostaria de beija-los e cuida-los.
"Estar com alguém pode ser assim, às vezes." Voltei minha atenção ao seu rosto bronzeado.
"Não deveria ser assim, mas concordo com você." Sentou-se na poltrona e cruzou suas inefáveis pernas torneadas, "Você parou de fumar? Parabéns." Acrescentou com sinceridade.
"Sim, a nicotina era o menor de meus vícios." Declarei ao acompanha-la na poltrona.
Nossa inteiriçada atmosfera foi desmanchada por Alison vestida de noiva.
Formosa e estonteante, como seu deslumbrante vestido branco.
Analisar seu sorriso puro e sincero causou-me mistas emoções. Era maravilhoso entender que minha amiga havia decido passar o resto de sua vida ao lado de seu amado, Donnie.
Cosima e eu a elogiamos com ternura e sentimentalismo. Pude sentir que estava sendo estudada por minha ex-aluna. Notei que suas expressões eram dulcificadas e esperançosas. Sorri, alegre ao compreender que ainda havia amor entre nós.
Ao término de nosso compromisso, seguimos ao restaurante da esquina. Conversamos sobre a despedida de solteira. A festa foi programada por Felix, quem pediu-me para dirigir sua colega de quarto até o clube noturno. O que eu não sabia era que ele havia convidado Shay para o evento.
"E por que Felix a convidou?" Não contive a pose, muito menos a raiva.
O resto da conversa foi extremante inútil, o assunto foi a lourinha vulgar e a ruivinha desprezível.
Os enjoos iam e voltavam feito um boomerang.
Combinei o horário em que buscaria minha amada, porém não fui capaz de cumpri-lo.
Ao anoitecer, enquanto aprontava-me para sair, Paul apareceu no quarto com olhos irados, e sermão na ponta de sua língua.
"Você não pode sair para a balada, Delphine! Vai acabar bebendo, eu te conheço." Tão fútil e desnecessário.
"Paul, em primeiro lugar, você não manda em mim, vou onde e quando quiser." Informei o óbvio ao terminar minha maquiagem.
"Por favor, não faça isso." Implorou.
"Sei que está preocupado, mas tomarei conta do bebê." Confortei sua fúria.
"Não é só o bebê, é você também." Acrescentou ao aproximar-se.
"Paul, não estamos juntos. Você não é meu namorado, é somente o pai da criança. Por gentileza, não intrometa-se em minha vida." Odiava ser ríspida com alguém que já causou-me tanta alegria, porém os hormônios falam mais alto.
"Bom! Faça o que quiser." Desapareceu de vista, foi para a sala. Pude ouvir um barulho peculiar, como se ele estivesse procurando por algo em minha bolsa, depois saiu de casa batendo a porta com força.
Evitei o estresse e continuei a arrumar-me.
Quando terminei, procurei pelas chaves do carro.
Simplesmente sumiram.
Revisei todos meus passos desde que entrei em casa. Nada fazia sentido. Onde elas estariam se não em minha bolsa?
Avistei o corrente ponteiro do relógio, ele exibia meu atraso.
Delphine Cormier atrasada? Um fiasco!
Continuei em minha busca até entender o que havia ocorrido.
Paul!
Com certeza havia pegado minhas chaves em minha bolsa.
Incrivelmente infantil!
Segui ao pequeno cofre em meu closet, digitei a senha, encontrei as chaves reserva.
Meu ex-namorado não me impediria de sair e curtir minha noite com Cosima.
Dirigi em alta velocidade até o loft, e a avistei segurando o celular.
"Desculpa pelo atraso, tive um imprevisto." Anunciei minha chegada com um sorriso malicioso, do jeito que ela gosta.
"Tá tranquilo." Dra. Niehaus sempre foi uma péssima mentirosa.
Entrou em meu carro ainda com raiva pelo meu atraso.
"Você está linda, Cosima." Suas bochechas ganharam cor.
"Valeu." Era nítido seu embaraço, "Você também."
Percebi um aroma peculiar no ar.
"Você está chapada também, certo?" Sorri ao notar tamanha falta que ela me fez.
"Sempre." Ligeiramente, curvou-se e assumiu o controle do rádio.
Ela manuseava os botões brilhantes com inteligência e propriedade. Eu a assistia com meu coração liquefeito de felicidade.
Ao chegarmos no clube noturno, andamos até o longue onde a festa já havia começado. Todos os corpos dançavam embriagados. Não reconheci a metade dos rostos presentes, entretanto, havia uma face familiar e detestável, Shay.
"Champanhe?" Um garçom, vestindo um traje incrivelmente vulgar, estendeu a bandeja repleta de taças em neon.
Cosima adquiriu a sua bebida e notou minha falta de atitude em relação à oferta. Expliquei à ela que havia cortado os drinks de minha dieta por um tempo. Logo fomos interrompidas por Alison embriagada e Felix promiscuamente trajado. Conversamos por alguns minutos, depois fui levada até a pista de dança pela noiva. Enquanto desvendava a melhor maneira de me divertir sobriamente, notei que Cosima fazia o oposto. Ela estava ao balcão à procura por alteração.
Assisti Shay caminhar até ela, arrumou seu decote e firmou-se ao lado. Não sei o que conversavam, porém detestei como minha ex-amante analisou o generoso decote da lourinha.
Puta merd*, Cosima!
O pior ainda estava por vir. A distância entre as moças foi diminuindo centímetros por segundo. Shay avançou e abrigou nossa amada em seus braços traiçoeiros.
Senti as lágrimas formando-se em meus olhos enciumados.
Malditos hormônios!
Não fui capaz de continuar a assistir aquela cena assombrosa, apenas corri em direção ao nada.
Passei pelas duas e encontrei um corredor tão escuro quanto meu desalentador espirito.
Encontrei uma cama, de lençol vermelho feito as cortinas que a rodeavam. Sentei-me para permitir descanso às minhas pernas exaustas e alivio ao meu choro fadigado.
A música tocava alto sobressaindo meus soluços indiscretos.
Foi quando distingui em meio ao choro, uma figura capaz de tirar-me a vida aos poucos.
Com um olhar preocupado, ela começou a aproximar-se de minha desolada estrutura.
Eu, que sempre fui forte, encontrei-me fraca, frágil e entregue à sua inolvidável gravidade.
Com palavras, gestos e súplicas, Cosima concedeu-me seu amor desorientado. Aproveitei cada segundo, cada centímetro, cada partícula de seu prazer e presença. Revivi, degustei e aprendi que por mais sujo ou errado que nossos sentimentos aparentavam ser, eles ainda eram verdadeiros e viciantes.
Após ternos minutos de necessidade física e reconstrução mental, ela partiu. Sei o que Cosima queria de mim, a verdade. Entretanto, fui covarde, mantive meus segredos e a observei evaporar bem ali em minha frente.
E feito uma criança apavorada, continuei naquela cama de lençóis vermelhos e bagunçados. Temi sua volta irada pedindo explicações, todavia, nada acontecia.
Respirei fundo e alto, quase tão alto quanto a música que ainda tocava.
Procurei por Cosima em todo lugar, mas não a encontrei.
Avistei a lourinha desprezível próxima ao bar.
"Shay, você sabe onde Cosima está?" Perguntei com postura e tom firmes.
"Você só pode estar brincando, Delphine! Acha mesmo que vou te contar?" Riu de meu desespero, e tal fato ferveu-me o sangue.
Peguei em seus pulsos finos, prestes a perder o controle.
"Diga-me Shay! Ou eu acabo com você aqui mesmo!" Ameacei por minha sanidade.
"Acaba comigo? Senhora, sua sorte é que não bato em mulheres grávidas." Soltei sua suja epiderme e em angustia retirei-me da multidão.
Puta merd*! O que fiz?
Apertei os passos meus até chegar ao estacionamento. Tão vazio quanto eu.
Busquei por meu carro e permiti meus instintos impulsivamente liderarem o caminho. Em poucos minutos, havia chegado à frente do campus.
Por que estou aqui?
Desci rapidamente e em velocidade segui em direção ao laboratório. Deslizei meu cartão à porta e adentrei o local. Tão vazio quanto minhas esperanças.
Cosima, onde está você?
Não compreendi minha linha de raciocínio, porém continuei meu caminho. Entrei no elevador, desci, subi as escadas e a porta do telhado estava aberta.
Meu coração batia veloz em fé ao um amor pagão.
As estrelas no céu, o vento preguiçoso, as buzinas abafadas e as luzes de uma cidade noturna pintaram em uma tela vazia, as memórias de uma noite tênue e delicada.
Havia uma moça apoiada no pequeno muro, tão próxima do toque meu, porém tão distante em pensamentos consternados.
"Cosima?" Chamei por seu nome.
Não virou-se para encarar-me.
"Cosima, por favor." Supliquei por sua atenção mais uma vez.
Ela ainda resistia.
Aproximei-me cautelosamente para não pisar nos cacos de seu despedaçado coração. Encostei em seu braço e rezei para dar-me a oportunidade de fala.
"Me escuta, por favor." Foi quando seu perfeito e tremulo corpo seguiu em minha direção.
Seus olhos aparentavam serem rio e lagoa. Com lágrimas salgadas em uma doce face.
"Delphine, como você espera que eu reaja ao saber da sua gravidez? O que você espera de mim?" Seus lábios curvaram-se à tristeza.
"Não espero nada, Cosima." Segurei seu rosto em minhas mãos, "Meu amor, você não precisa ficar. Sei que errei tanto com você, não fui justa ou lúcida. E por isso, eu sinto muito." Passeei com meus dedos sobre sua boca bamba.
"Você me destrói e reconstrói. Tem o dom de me levar pro céu e pro inferno, e eu não sei o que fazer sem você." Uma última lágrima escorreu.
"Meu Deus! Eu sinto tanta sua falta, Cosima." Admiti o óbvio e encostei minha testa à sua.
"Sinto sua falta também, Delphine. É a única coisa que faço." Afastou-se levemente de mim, "Tento me convencer que estou melhor sozinha, mas não consigo! Se eu vou voltar pra você, Delphine." Respirou, "Se eu voltar pra você, não vou te deixar ir embora de novo. Não vou permitir que me abandone. Por que eu odeio te amar, e te amo sem pensar."
"Você tem certeza, Cosima? Agora não sou somente eu." Levei uma mão ao ventre, e minha amante acompanhou-me.
"Eu amo você por inteira, aprenderei a amar essa sua nova parte." Seu caloroso gesto tornou-me liquefeita em ternura.
"Eu te amo, Delphine Cormier." Penetrou-me com seu olhar verdadeiro.
"Amo você, Cosima Niehaus." Respondi verbalmente ao um amor extraterrestre de um mundo tão nojento e odioso.
Selamos nosso acordo com um beijo molhado. Este que não foi vulgar ou luxurioso, dessa vez não havia somente desejo, havia entendimento.
Entendimento sobre o quê?
Sobre como o amor funciona. Ele é imperfeito, é errado, é dissimulador e muitas vezes, um tanto abusivo. Entretanto, quando o fogo cessa, a raiva passa, as lágrimas secam...O amor torna-se belo novamente.
Amar é perdoar os erros e prometer não comete-los novamente. Amar é cumprir uma promessa não por obrigação, mas por respeito, por dedicação.
Amar é saber dosar a escuridão e a claridade. É entregar-se ao vento e nadar em mar aberto. É ter momentos sensatos e outros desatinos. É perder-se e encontrar-se. É zelar, é cuidar, mas também é liberar os sonhos à voarem pelo ar.
Amar é sonhar acordado em uma realidade encardida.
Amar é quebrar as regras e desobedecer a lei dos homens.
O amor pode ser um tanto egoísta, porém, posso garantir que ele vale a pena.
O amor pode ser divertido, entretanto, posso afirmar que ele trará momentos de tristeza.
O amor é assim, é o vilão e o mocinho.
É o final feliz e o trágico.
É o abrigo na tempestade, é o doce na dieta restrita.
E pode levar anos para aprender a lidar com tal confuso sentimento. Porém quando souber processar...
Ah! O amor limpará a sujeira de sua alma e reforçará suas estruturas. Lhe causará sorrisos em dias ruins. Lhe causará graça em meio a desgraça.
Não há definição, não há algo concreto.
O amor é invisível, às vezes tomando diferentes formas, mas ele sempre, sempre será inexplicavelmente salvador com sabor de quero mais.
Fim do capítulo
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