-- O que aconteceu Júnior? – Isadora perguntou ao se encontrar com o amigo, que estava chorando no meio do corredor, em um dos blocos da universidade.

 

-- Os “mano” me expulsou de casa, entendeu? – segurava uma mochila surrada.

 

-- Mas porque fizeram isso com você? – olhou de forma envergonhada para Isadora e respondeu coçando a cabeça.

 

-- Porque eu peguei a “mina que um dos mano tava de olho, e dei um trato” nela.

 

-- Está bem. – apressou-se - Não precisa entrar nos detalhes. E agora, você vai para onde?

 

-- “Num” sei. Meu pai tá viajando e eu não tenho grana, a que tinha paguei a escola de dirigir.

 

-- A autoescola?

 

-- Ah isso eu num sei dizer se ela é alta ou baixa. É aquele, lá perto do Dogão, tá ligada?

 

-- Para que eu pergunto? – pensou alto – Aqui você não pode ficar. – olhou o relógio e pensou na aula da morena. - Vem comigo.

-- Vou pra onde?

 

-- Você vai para casa comigo.

 

-- Opa! Aquela gostosona vai tá lá? – Isadora parou e ficou de frente para o amigo, encarando-o.

 

-- Você vai ficar longe dela, entendeu? – repreendeu com o dedo indicador em seu nariz. – Quero deixar uma coisa bem clara: você não pode sonhar com Melissa Cristina, chegar perto dela, nem pensar.

 

-- Tudo bem. Eu não chego perto dela. – disse levantando os braços em uma expressão de rendição. – Maluco, tu fica muito irada quando fala na mina.

 

-- Irada ela vai ficar quando souber que lhe levei para casa. – pensou alto novamente.

 

Isadora acomodou o rapaz em seu quarto. Mostrou-lhe todo o apartamento, e depois foi para cozinha, fazer o jantar, enquanto ele ficou na sala, assistindo MTV. Melissa não demorou a chegar, e quando entrou, ligou seu alerta para confusão.

 

-- Oi Melissa, tudo bem? – perguntou sorridente por vê-la.

 

-- Tudo. – respondeu observando a cena do rapaz sentado confortavelmente.

 

-- Ai “tô” assistindo MTV, mas não é como antigamente, entendeu? Agora só passa essas coisas que num se entende nada.

 

-- “Entendi”. – pensou alto - Realmente é complicado “entender” o que esse programa fala. – olhava a televisão que mostrava um programa de perguntas e respostas.

 

-- Mel você chegou? – Isadora perguntou saindo da cozinha, sem jeito para encarar a amiga.

 

-- Isadora você pode ir comigo até meu quarto? – perguntou sem olhar em sua direção.

 

-- Cla... Claro. – “Agora ela me mata ou chuta o traseiro de Júnior”. – pensou seguindo-a.

 

Melissa foi até o quarto que fez de escritório, deixou seus livros e bolsa, depois retornou até o seu quarto de dormir.

 

-- Então, você tem alguma coisa que queira me contar? – retirou a camisa e a calça, procurando uma roupa para vestir após o banho.

 

“É difícil de falar, e ainda ela fica seminua... Assim não vale!” – suspirou.

 

-- Tenho, mas não tenho coragem. – mordeu o lábio inferior para disfarçar sua apreensão.

 

-- Pelo contrário, eu que estou com medo de ouvir. – declarou com um sorriso, deixando à loirinha, um pouco mais calma.

 

-- Ele foi expulso do apartamento que dividia com uns colegas. – avaliou a expressão da morena - Parece que pegou a mulher de um deles.

 

-- Tudo bem. – coçou a testa – Quanto tempo ele vai ficar aqui?

 

-- Só até conseguir falar com o pai. – segurou o braço da amiga – Não se preocupe, ele fica lá no meu quarto, comigo. Vamos arrumar um colchão e...

 

-- NÃO. – interrompeu em desespero. Isadora a olhou assustada e ela se corrigiu. – Quer dizer, o cara saiu porque pegou uma mulher comprometida, e você resolve ficar no mesmo quarto que ele? Nada disso, vai ficar aqui. Assim fico de olho nas atitudes suspeitas que apareçam.

 

-- Mel... – sorriu - Eu não curto homem, você sabe disso.  Além do mais, Júnior me considera sua irmã mais nova, parece que isso virou moda agora.  – deu uma alfinetada na morena, que não percebeu. Melissa tinha mil coisas passando em sua cabeça. Ela estava preocupada em deixar esses dois sozinhos.

 

-- Melhor prevenir do que remediar. Eu acredito nisso que me falou. – imaginou aquelas mãos grandes em cima da sua pequena e fez uma careta - Quer que ele fique? Então você fica no quarto comigo e ele lá.

-- Vou pegar o colchão.

 

-- Não será necessário. – fez um carinho no rosto da loirinha - Minha cama é de casal e não vai precisar, exceto se você não se sentir a vontade e quiser...

 

-- Adoro dormir com você Mel, mas não quero incomodar. – adiantou-se, ficou feliz com a ideia.

 

-- Não vai incomodar nada.

 

-- Então estamos combinadas. – sorriu - Agora vai lá tomar seu banho, em dez minutos eu coloco o jantar. – Melissa se aproximou mais e beijou o rosto da loirinha que ficou vermelha.

 

-- Com este cheirinho? Em menos de dez minutos estou lá. – sussurrou próximo ao seu ouvido.

 

-- Conto com isto. – disse de forma maliciosa e piscando o olho antes de sair.

 

“Ufa! Banho gelado Melissa, o mais gelado possível, a noite inteira”. – pensou enquanto caminhava para o banho.

 

********************************************

 

-- Aí Isadora, quer ajuda? “Tô” aqui, mas posso lhe ajudar no que quiser.

-- Não Júnior, fica ai que é melhor. – adiantou-se - Estou terminando o jantar.

 

-- Hum, cheirinho bom! O que temos hoje? – Melissa perguntou assim que entrou na cozinha, com o cabelo preso em um rabo de cavalo, vestindo um short curto e uma camiseta coladinha.  

 

-- Carne ensopada com batatas, arroz e salada. – respondeu sem se virar para vê-la.

 

-- Amo sua carne ensopada com batatas, arroz e salada. – falou próximo ao ouvido da loirinha, deixando-a arrepiada.

 

-- Ei, eu também curto esse negó...  – Júnior estava elogiando a comida feita por Isadora quando viu o corpo de Melissa, e não conteve a admiração - Uau! Que pernas! – Isadora ouviu e se virou, quando percorreu seus olhos no corpo de Melissa, não teve como segurar seu ciúme.

 

“Ela está fazendo de propósito!” – pensou.

 

-- Melissa, você não acha que está um pouco frio? Não seria melhor vestir um moletom?

 

-- Não. Estou até com calor. – respondeu pegando uma jarra de suco na geladeira e colocando na mesa. – Vamos comer?

 

Isadora passou o jantar inteiro regulando os olhares que Júnior lançava para as pernas da morena. Melissa percebia o incômodo da amiga e aproveitava para provocá-la mais, esticando as pernas por cima de outra cadeira. Ao final do jantar, o clima entre Melissa e Júnior era de brincadeiras e conversas amenas, enquanto Isadora disfarçava o ciúme.

 

-- Ai vai passar “altos filme” hoje, vocês não querem assistir comigo?

 

-- Qual o filme? – Melissa perguntou enquanto retirava o resto do jantar e arrumava a mesa, e Isadora lavava a louça, ainda irritada.

 

-- O Motoqueiro Fantasma, não é legal? Ação, amor e “suspenso” e tudo isso num filme só.

 

-- Um filme “suspenso”? Mas isso é muito bom mesmo. – observou sorrindo.

 

-- Mel, não provoca que é pior. – sugeriu Isadora.

 

-- Isa, quando o pai dele volta? – perguntou baixinho.

 

-- Não sabemos. Parece que ele viajou a trabalho. E como não são daqui...

 

-- São de onde?

 

-- Goiás.

-- No que o pai dele trabalha? – conversavam enquanto uma lavava a louça e a outra enxugava.

 

-- Ele é deputado.

 

-- Logo vi!

 

-- Melissa, eu sei no que você está pensando e acho ultrajante tal pensamento. – declarou com um sorriso zombeteiro e jogando espuma na amiga.

 

-- Isa, não apela! Ele é legal, mas, sinceramente, não tem como passar para jornalismo assim de primeira, não em uma das melhores universidades do País.

 

-- Tudo bem Mel, não acho certo, mas pelo menos ele é ingênuo, puro e sincero.

 

-- Não acha que está olhando muito para ele? – perguntou irritada, terminando de enxugar os pratos.

 

-- Por que diz isso? – estava se divertindo com a situação, era sua pequena vingança do jantar. – Pensei que você estava adorando a companhia dele, pelo menos foi esta impressão passada no jantar.

 

-- Para saber tantas qualidades assim do rapaz... – parou para olhar a amiga – Estava sendo simpática com o SEU amigo.

 

-- Ai Mel, você é tão engraçada. – disse sorrindo.

 

-- Engraçada por quê?

 

-- A impressão que passou era de querer mostrar estas pernas para ele.

 

-- Por qual motivo faria isso?

 

-- Não sei. Será que você pode me responder? – parou para olha-la – Explica para mim o motivo.

 

-- Não tem motivo nenhum – cortou a conversa irritada.

 

Terminaram de arrumar a cozinha e conversaram mais um pouco. Melissa até se divertiu com as “pérolas” do jovem loiro, e percebeu que ele tinha uma verdadeira admiração pela amiga. Comentou orgulhoso sobre sua semelhança com Isadora. Ela se divertia com a interação entre os dois, sua morena estava realmente gostando da companhia do jovem.

 

-- Mel, você precisa ir ao médico. Essa sua tosse não cessa, e só vive com esta garganta doendo.

 

-- Minha mãe sempre manda fazer carcarejo de água com vinagre.

 

-- Gente com essa eu vou dormir. – disparou já se levantando.

 

-- Vou com você Mel. – segurou a sua mão – Júnior, você vai dormir no meu quarto, lá tem tudo. Deixei uma toalha na cadeira, qualquer coisa é só nos chamar.

 

-- Mas vocês não querem assistir o filme? Tem outro suspenso em outro canal.

 

-- Não Júnior, amanhã acordo cedo e ainda tenho prova.

 

-- Nem eu Jú, estou com muito sono. – completou a loirinha.

 

As duas se dirigiram para o quarto, Isadora foi direto para o banho, enquanto Melissa trocava de roupa. Quando a loirinha retornou do banheiro, deparou-se com a morena vestindo uma camisolinha minúscula, preta de renda.

 

-- Mel está frio, por isso você não melhora desta garganta. – disse após engolir seco, observando-a.

 

-- Estou com um baita calor Isadora. – foi abrir a porta do quarto, quando sentiu uma mão pequena segurando a sua.

 

-- Para onde você vai?

 

-- Pegar água. Esqueci e não trouxe nada.

 

-- Deste jeito? – olhou a amiga dos pés a cabeça - Não. – perguntou e ela mesma respondeu.

-- Vou rapidinho, Júnior nem vai perceber. – a morena começava a se divertir com o provável ciúme da amiga

 

-- Não! Eu vou pegar para você. – foi autoritária, colocando de vez um ponto final na discussão.

 

-- Isa, você está com uma cueca e uma camiseta transparente, o que tem de diferente?

 

-- Tudo bem, eu me visto... Coloco seu roupão e vou lá, mas deste jeito – apontou para o corpo da amiga – você não vai.

 

-- Tudo bem. – disse após passar a mão na testa – Pega aquele meu spray de própolis também.

 

-- Pode deixar. – saiu do quarto e foi até a cozinha, onde se encontrou com Júnior bebendo suco.

 

-- Acho que a carne estava salgada, parece que tá todo mundo com sede. – a loirinha declarou quando viu o rapaz tomando quase toda a jarra de suco.

 

-- Que salgada que nada. “Tô” bebendo por causa do calor “mermo”. Aquela tua amiga é gostosa né?

 

-- Já falei. – virou-se para o amigo com o dedo em riste - Eu não quero saber de você se engraçando para ela, entendeu?

 

-- Eu juro Isadora. – prometeu quase tremendo com medo da reação explosiva da baixinha.

 

-- Vou levar água para Mel. Você pode pegar para mim, no armário, um vidrinho de spray de própolis?

 

-- Claro. Isso ai, brócolis em spray é pra que? – perguntou distraído.

 

-- Para garganta da Mel, ela não curte remédio, só usa coisas naturais.

 

-- Peguei. – abriu a boca e jogou o spray – Gostoso isso hein? Tem mais coisa misturada?

 

-- Própolis e acho que tem mel, também.

 

-- Mas isso é vegetal, animal ou mineral? Quer dizer que é o mermo que se come no calzone de queijo? Mas o gosto é diferente!

 

-- Júnior, vamos dormir. – retornou para o quarto e viu Melissa deitada na cama com as pernas cruzadas entre si, completamente descoberta, lendo alguma coisa.

 

“Ela só pode fazer de propósito” – pensou.

 

-- Já escovou os dentes?

 

-- Já. Por que a pergunta? – observou à amiga – Pretende me beijar?

 

-- Então bebe logo essa água. – empurrou o copo após enchê-lo.

 

-- O que está acontecendo Isadora? – estava admirada com a rispidez da loirinha.

 

-- Quero que beba a água porque depois de colocar o remédio você deverá deixa-lo agir por um tempo.

 

-- Parece minha mãe às vezes. – resmungou.

 

“Sua mãe nunca pensou em lhe amar da forma em que eu amo, nem pensou obscenidades ao lhe ver vestida assim” – quis responder, mas se segurou.

 

Abriu a boca, aguardando a loirinha colocar o remédio.

 

-- Acho isso tão gostoso. – abria e fechava a boca saboreando o remédio – Além do gosto, tem um cheirinho bom, quer experimentar? – a loirinha cheirou o frasco e quando fez menção em coloca-lo na boca a morena a interrompeu – Ei, experimenta daqui da minha boca e não do frasco. – apontava para boca aberta.

 

-- Melissa você está ficando cada dia mais desprezível. – empurrou a mão da morena e se deitou ao lado dela.

 

-- Vai dizer que você não gostaria de me beijar? – perguntou sorrindo e deitando-se de lado, com a cabeça apoiada na mão e a outra passeando pelo corpo de Isadora.

-- Quanto tempo faz que você não leva um dos seus amiguinhos para cama hein? – perguntou indignada. - Está pensando que sou um dos seus queridos namorados que você passa a noite e depois despreza? Exijo mais respeito, não é porque curto mulheres que você vai ter sua experiência lésbica.

 

-- É isso que você pensa? – irritou-se – Pensa que quero leva-la para cama para ter uma experiência qualquer?

 

-- Sabe o que penso, não compactuo com os comentários que fazem a seu respeito. – disse empurrando a mão da morena que permanecia na sua barriga. – Não lhe acho uma piranha, mas você faz por onde ser notícias todos os dias... Olha como você se vestiu e ficou se insinuando para o Junior.

 

-- Se quisesse ter uma experiência lésbica, não faltariam mulheres. – jogou o livro que lia no chão e puxou o lençol para se cobrir. Isadora ao ouvir aquilo se deu conta do quanto havia sido grosseira apenas por uma brincadeira.

 

“Droga! Ela passa o jantar todo sendo paquerada, gosta disso, e depois disso vem querer me beijar por brincadeira. O que ela quer que eu pense?” – Isadora estava aflita, não sabia mais o que dizer.

 

-- Mel, eu não queria ser grosseira. – falou carinhosamente, passeando com a mão pelo corpo maior após se dar conta da forma como lhe respondeu. – Ei, desculpa vai.

 

-- Isadora, vamos dormir? – a loirinha ficou chateada com o comentário tipicamente cafajeste. Arrependeu-se de ter sido tão grosseira com a sua amiga. Vendo que não adiantaria muito falar, ela passou a mão pelo corpo moreno, e foi beijando-o, deixando Melissa completamente arrepiada. – Vou dormir lá na sala se você continuar. – suportaria a tentação, seria a prova de que não a queria apenas como experiência.

 

-- Eu paro, mas diz que me desculpou. - pediu em tom de súplica. Continuou com os beijos no corpo da amiga, e, em algumas partes passava de leve a ponta da língua – Desculpa “meu potinho de mel”. – pediu sussurrando.

 

-- Desculpei. – estava com o corpo explodindo de desejo, mas respondeu com a voz ainda chateada. – Agora vamos dormir - Isadora achou melhor não provocar mais e deixar as coisas assim.

 

“Uma coisa são as pessoas pensarem sobre como sou, outra coisa é você pensar.” – concluiu para si mesma com tristeza, deixando rolar uma lágrima.

 

 

Isadora amava a amiga, mas tinha raiva quando ela agia desta forma, parecia que a levava ao mesmo patamar das suas conquistas, e isto não aguentaria. Ela desejava Melissa, queria ama-la e compartilhar uma vida em comum. Não suportaria ser apenas mais uma conquista, ou experiência lésbica da morena.

Fim do capítulo