Cássio entrou no jardim ladeado por um Arthur de feição congestionada, como quem se transformou numa destilaria de ódio e está prestes a explodir. Cássio não parecia muito melhor, depois de olhar com desaprovação ao redor, localizou o pai e rumou para o encontro dele. 

- O que significa isso, Dr Rafael? – perguntou com ironia ao pai.

- Está falando do quê exatamente, Dr Cássio? – devolveu o cobra criada.

- Disso – estendeu o braço mostrando as pessoas no jardim, que já paravam para olhar. Sam procurou Laura com os olhos, sem vislumbrar. – Isso aqui é o quê? Uma festa na minha casa sem eu ser chamado?

- Ah... Mandei convite, você que não deve ter aberto o envelope – contemporizou o pai. – Pode pegar uma bebida você e o seu amigo penetra e irem brincar no play.

- Não me desrespeite! – gritou Cássio. – E o Arthur não é o penetra aqui, ele é meu amigo. O que eu não entendo é como essa mulher foi aceita na minha casa – apontou o dedo para trás do pai.

Dr Rafael olhou para trás e só viu suas palmeiras de vaso. Forçou a vista e reparou um par de olhos azuis arregalados entre as folhas.

- Oxe! Tá fazendo o quê ai? Estou te procurando há um tempão!

Laura abriu duas folhas  e colocou a cabeça entre elas para responder.

- Eu to... Brincando de esconder com os pestinhas...?

- Tia Laura 1,2,3! Tá pega! – gritou um deles batendo a mão na parede. Eram arteiros, mas sobretudo solidários.

- Sei... – ele começou, mas foi logo interrompido por um Arthur travestido em seu papel de valente perto de Cássio.

- Cala a boca, sua falsa! Todo mundo aqui sabe que você está dando um golpe na Samantha. Machucou ela só pra poder fragilizar e tirar proveito da grana da família.

- Você é um demente, Arthur!

Teria voado no pescoço dele se não tivesse sido segurada pelo Dr Rafael.

- Cássio! Leve o seu amigo pra fora daqui.

- Eu não vou sair, a casa é minha e eu recebo quem quiser aqui. Ela que...

- Ela, e todas as outras pessoas que estão aqui, são minhas convidadas, Cássio – retrucou Sam num tom de voz muito perigoso. – A casa é de painho, não nossa e foi ele quem aceitou receber todas as pessoas que me querem bem aqui.

- Que te quer bem... Você é uma idiota, Sam! As meninas só te aceitavam no grupo porque eu implorava, se não fosse por mim...

Não terminou a frase, Rafael largou Laura que parecia um touro espanhol ouvindo “olé”. Antes que Arthur pudesse anotar a placa, levou um soco no queixo, de baixo pra cima, que forçou sua cabeça para trás.

- Lava a boca pra falar da Sam, seu cafajeste – falou emendando um outro soco assim que ele se virou para a frente.

- Larga ele, sua caminhoneira! – gritou Cássio, estridente, tentando segurar Laura, que nem tomou conhecimento dele, concentrada que estava em correr atrás de Arthur.  

Sam aproveitou quando o bonde passou perto dela e segurou o irmão. Talvez tenha usado força demais, ou foi a colaboração de Letícia que estava do outro lado, mas Cássio foi parar na piscina, respingando água por todos os lados e dando a deixa pros pestinhas pularem atrás dele.

- Que falta me faz uma cimitarra numa hora dessas! Eu poderia te tornar um eunuco – Laura encurralou Arthur perto do Dr Rafael, que não estava muito disposto a protegê-lo. – Você sabotou os meus recados, seu merdinha.

- Sua mentirosa – gritou ele. – Você sumiu por seis meses, vai saber com quem andou trepando nesse tempo e essa idiota aqui, chorando pelos cantos como uma perdedora ridícula...  

Até ser ofendida, Laura aceitava bem. Mas ouvir falar de Sam daquele jeito, com aquele tom de voz, cutucando as feridas dela em público, era demais. O sangue voltou a ferver, se transformou em energia pura e se transferiu para um último soco, bem no meio do olho, certeiro, quase perfeito, que Arthur não esqueceria tão cedo.

****

- Você pegou ele de jeito, o Cássio desesperou de ver a cara dele daquele jeito – comentou Sam depois de um longo tempo, ainda na cama.

- Peguei! Aquele soco eu chamo de Tornado Vermelho, tem toda uma técnica envolvida – respondeu com orgulho.

- Painho que o diga... A orelha dele ficou vermelha por uma semana – comentou gargalhando o que no dia havia sido assustador de se ver.

- Ai, meu Deus! Eu calculei direitinho, o Arthur que empurrou ele pra frente da minha mão. Sorte que pegou de raspão na orelha dele e bem no meio do olho daquele cretino.

Sam gargalhou. Ver Laura disparando o soco, Arthur caindo para um lado, seu pai para o outro, aquele povo todo gritando, Cássio saindo encharcado da piscina com os meninos agarrados na perna dele pra não deixar ele chegar perto da tia. Seus sentimentos tão bem guardados ali expostos, julgados, comentados. Seu melhor amigo da vida toda visto por dentro de uma forma tão horrorosa. Era coisa demais para processar, seu riso tinha menos de hilaridade do que de angústia, por isso agradeceu pela posição que estavam não deixar Laura ver seus olhos.

- Você fugiu da conversa com painho – falou baixinho, com Laura mexendo em seus cabelos.

- Não é assim como seu eu tivesse fugindo...

- Laura, você estava atrás do coqueiro.

- Estava só brinc...

- Laura.

- Eu... estava fugindo do seu pai.

- Por quê?

- Tenho medo dele.

- Ah é? E tem motivo?

- Eu machuquei você. Não foi de propósito, mas ele tem bons motivos pra querer me estrangular.

- É verdade, tem sim... Eu fiquei na casa dele todos esses séculos que você ficou fora, ele cuidou de mim.

- E mainha cuidou dele depois do soco! – desconversou Laura, que não aguentava a angústia que sentia cada vez que percebia o tamanho do estrago que tinha causado.

- Cuidou... E eu vi ela espiando pelas paredes, procurando o quadro.

- O que me leva ao início da nossa conversa. Eu preciso perguntar pra ela.

- Laura, você não tem um pingo de noção. Fica quieta ai que nós estamos deixando o tempo passar, lembra?

- Lembro sim, meu bichinho... Vamos deixar o tempo passar. 

Fim do capítulo