O Jardim dos Anjos -- Capítulo 40

Alisson usava um jeans desbotado, com a camisa branca metida por dentro. Ela parecia ter saído de uma revista sobre saúde e moda feminina ou, uma modelo na hora da folga! Lorraine suspirou. Suspirou tão profundamente que Alisson deslocou o olhar para ela.

-- Lorraine? -- o céu azul visível pela janela, refletia a cor de seus olhos -- Deseja algo? -- perguntou esperançosa por uma palavra que mostrasse que tudo não havia passado de um grande mal entendido.

Porém, não foi o que ouviu.

-- Desculpa, estava muito preocupada com você. Não conversamos mais e fiquei lhe devendo explicações.

-- Você não me deve nada -- Alisson ficou decepcionada e triste. Não era o motivo que esperava ouvir -- Tudo o que eu tinha que saber, Andras já me contou. Vocês se amam e querem formam uma família feliz. Não é isso? -- procurou usar o tom mais irônico possível -- Alisson sentiu o rosto arder. Estava desorientada e fechou os olhos, procurando readquirir o equilíbrio -- Em nenhum momento você demonstrou para mim, o desejo de casar, formar uma família, adotar uma criança -- Baixou os olhos e concluiu seu pensamento sussurrando melancolicamente, como que exprimindo toda a sua dor -- Esse tipo de coisa deseja-se apenas com quem se ama. Não é mesmo? E...você não me ama -- ela concluiu, amarga -- Nunca me amou.

-- Não, por favor, deixe-me explicar -- Lorraine hesitou, não desejando mentir, mas sabendo que era preciso, ao menos naquele momento, era preciso -- Gosto muito de você, mas como amiga, entre nós agora, só pode haver amizade. Juro que não queria magoá-la, reconheço que você é muito importante em minha vida, mas não te amo mais. Não como você merece ser amada. Desculpe-me, por favor.

Alisson encostou-se na mesa, estava tonta demais, infeliz demais, para protestar.

Uma onda de sentimento de culpa tomou conta de Lorraine ao vê-la tão abatida. Como poderia ser tão má com a pessoa amada? Tão insensível.

-- Será melhor assim.

-- Melhor para quem? -- perguntou Alisson.

-- Para todos nós - Lorraine abaixou a cabeça, fitando o chão. Não conseguindo encará-la.

Até então Alisson se mantivera controlada, mas, de repente, ela mudou e deixou que as emoções tomassem conta dela. Ficou olhando fixamente para Lorraine, sentindo-se arrasada. Os raios do sol davam brilho as suas lágrimas.

-- Eu também estou sofrendo muito, Alisson. Sei que você não merecia isso. Sempre foi uma amiga maravilhosa. Não queria magoá-la.

-- Você está sofrendo? -- Alisson perguntou, mostrando sinais de raiva na voz -- Hoje eu entendo. O que houve entre nós não significou nada para você! Meu grande erro foi acreditar que o meu amor a mudaria, a transformaria em uma pessoa melhor, ledo engano. Eu me arrependo amargamente por ter entregue o meu coração de mão beijada a você. Você, continua a mesma pessoa fria, calculista e arrogante de quando a conheci.

-- Alisson! Eu disse que amava você e era verdade. Juro que era verdade! Eu..., por favor, tente compreender.

-- Ser compreensiva é uma coisa, mas eu não sou idiota! -- Alisson esbravejou -- O que você está pensando? Estava comigo trocando juras de amor e, ao mesmo tempo indo para a cama com a Andras. Ainda quer que eu compreenda? Qual é, Lorraine?

-- Por favor, você sabe que eu jamais faria uma coisa dessas! -- Lorraine estava desesperada. Falava com a voz trêmula como se fosse chorar -- Eu nunca... -- tentou tocá-la, mas Alisson se afastou.

-- É melhor darmos por encerrado esse assunto e esquecermos o que houve entre nós -- ergueu a mão e passou pelo rosto molhado.

-- Poderíamos, ao menos, continuarmos como boas amigas? -- os lábios de Lorraine tremeram, como se estivesse na iminência de uma crise de choro.

-- Não! -- a loira, disse com severidade -- De agora em diante vamos manter o nosso relacionamento estritamente profissional.

Lorraine finalmente, caiu na real e tomou para si a responsabilidade por tudo o que estava acontecendo. Alisson tinha todo o direito de estar zangada e magoada. Ela era a verdadeira vítima. Teve que admitir.

Quando as lágrimas cessaram, Alisson se recompôs, pegou a sua maleta e caminhou até a porta.

-- Nunca entenderei o que você fez. Estivemos juntas por todo esse tempo, sei o que você passou com Silvana. Não consigo acreditar que prefira abandonar os nossos planos por aquela mulher -- fingindo não estar chocada com a frieza de Lorraine, Alisson concluiu com imensa tristeza e dor: -- Vocês se merecem!

O ambiente pareceu girar, tudo foi ficando escuro e Alisson só não caiu porque Lorraine a segurou.

Nenhuma das duas ouviu a porta abrir-se.

-- O que está acontecendo?

Apesar de tonta, Alisson conseguiu distinguir aquela voz. Era Nádia, a pessoa de que mais precisava naquele momento.

-- Você está bem? -- Nádia empurrou Lorraine e segurou a loira pela cintura.

-- Sim, não é nada -- disse Alisson, com um fio de voz -- Vamos sair daqui.

-- Vou ajudá-las... -- Lorraine começou a falar, mas foi interrompeu bruscamente por Nádia, assim que tocou em Alisson.

-- Tire as mãos dela!

-- O que está fazendo? Não vê que ela está passando mal?

-- Ainda pergunta o que estou fazendo? Você é muito cara de pau. Parabéns por tudo de ruim que está causando à Alisson. Nunca mais se aproxime dela, ou eu não me responsabilizo pelo que possa acontecer!

Os olhos de Lorraine cravaram em Nádia, demonstrando toda a sua confusão interior.

-- Vamos embora, Nádia! -- Alisson insistiu, mas antes de sair, virou-se para Lorraine e falou com pesar, porém, com sinceridade -- Apesar de ter traído o meu amor, espero que seja feliz ao lado de Andras. Adeus, Lorraine!

Lorraine sentiu um pânico tão grande que quase gritou, porém, apenas murmurou:

-- Adeus, Alisson!

Essas foram as últimas palavras que trocaram. Ela saiu dali e da vida de Lorraine.

Com o olhar distante, Lorraine continuava parada, perdida nas suas memórias infelizes. Sentia-se sozinha, vendo ruir seus mais belos sonhos de felicidade.

Quando virou para trás viu que havia um pequeno grupo de enfermeiras olhando-a com curiosidade. Ela saiu correndo para não chorar na frente delas e quando chegou em sua sala atirou-se na cadeira soluçando.

Uma semana depois...

Nádia entrou no orfanato correndo. Atravessou os corredores numa questão de segundos e bateu à porta do quarto de Alisson.

-- Entra! -- a loira berrou lá de dentro.

Nádia entrou e se jogou em cima dela e de Priscila, enchendo-as de beijos pelo rosto.

-- Adivinhem o que é isso -- mostrou um papel para as duas.

-- Uma foto do Pikachu! -- disse Alisson, segurando o riso.

-- Não, Ali! É a foto das Meninas "Supepodelosas".

-- Suas bobinhas! -- Nádia fingiu morder a barriga da criança, que gargalhava para ela.

Alisson divertia-se com a bagunça das duas. Ela parecia mais vigorosa, mais conformada, e seus olhos aos poucos voltavam a ter algum brilho. Sentia uma emoção diferente. Sentia-se maternal ao ter Priscila aninhada contra seu corpo. E, de modo muito surpreendente, ansiava com Nádia, construir brevemente uma família.

-- Esse papel é o último documento que faltava, Alisson -- ela sorriu e pousou a mão sobre a dela -- Nosso casamento está marcado para sábado que vem. Tem certeza que quer continuar com o plano?

-- Sim -- sussurrou Alisson, com a voz presa na garganta.

Já havia se passado uma semana, mas as lembranças da conversa com Lorraine permaneciam nítidas em sua mente.

Ela pegou a folha de papel e verificou o conteúdo. Levantou as sobrancelhas em silêncio, porque no momento não havia nada a ser dito. O acordo era apenas uma convenção social, nada romântico. Enganoso, com certeza, mas necessário.

-- Sim, tenho certeza -- ela sorriu gentilmente.

-- Doutora, Lorraine! Toda essa segurança é realmente necessária? -- perguntou Sandy, hesitante.

-- Se não fosse, não teria mandado instalar -- respondeu áspera e no auge da sua irritação -- Como funciona o sistema? -- perguntou para a pessoa responsável pela instalação do sistema.

-- A porta fica sempre trancada e todos que se aproximam dela aparecem na tela do seu computador ou do seu smartphone, através do circuito fechado de Intranet do hospital. Se a pessoa já estiver registrada em nossa base de dados, surgirá uma breve biografia dela ao lado de sua fotografia. Quem não tiver hora marcada, não entra.

-- Magnifico! -- Lorraine olhou para a tela do computador por um curtíssimo tempo, antes de dar as costas ao técnico -- É justamente o que preciso. Pode instalar.

-- Parece filme de ficção. Vai colocar um robô humanoide como secretária também? -- Sandy disse, um tanto quanto enciumada.

-- Pra quê? Já tenho uma toda enferrujada que não serve pra nada -- Lorraine gesticulou com a mão, dispensando a mulher -- Deixe-me a sós com o técnico -- irritada, como sempre, Lorraine sentou-se novamente em sua cadeira, se inclinou para frente e fixou o olhar no homem sentado à sua frente -- Há mais um trabalho que quero solicitar para você.

Ele se inclinou sobre a mesa, ansioso pela conversa.

-- Pois não? -- ele levantou uma sobrancelha olhando-a atentamente.

-- Quero que faça um trabalho de espionagem -- ela disse simplesmente.

-- Eu entendo -- algo escuro e intrigante brilhou em seus olhos -- Sou todo ouvido.

-- Vamos começar pelos pequenos, detalhes: Quero que espalhe câmeras por todo o hospital. Exceção, lógico, de banheiros, vestuários... Quero vigiar os passos de uma pessoa em especial. Há muito que devemos discutir, mas não aqui. Nós vamos resolver os aspectos técnicos e preparar o equipamento, mas para os detalhes mais secretos, vamos nos encontrar em um ambiente mais privado.

-- Está falando com a pessoa certa -- falou com arrogância em sua expressão. Confiança. Mais do que isso, conhecimento no trabalho -- Depois que as câmeras estiverem instaladas, podemos definir uma data para discutirmos o modo de vigilância.

-- Eu mesma quero vigiar essas câmeras, por isso quero tudo gravado 24 horas por dia - O sorriso de Lorraine era triunfante. Estava tão excitada com a ideia de observar os passos de Andras que, suas mãos tremiam e suavam frias.

-- Por que não? -- Ele perguntou calmamente -- Tudo será do jeitinho que a doutora desejar.

-- Sábado? Mas já? -- Felipe andava de um lado para outro dentro da espaçosa sala da casa de Nádia -- Como vou providenciar a minha roupa em tão pouco tempo? Ainda mais como testemunha? Você não devia ter feito isso comigo -- Felipe estava mais indignado com o pouco tempo que teria para se preparar, do que com o fato da irmã ter escondido dele o casamento ilógico com a ex de Lorraine -- Fael vai me achar um maltrapilho, um descuidado, um relaxado...

Nádia olhou para Alisson de soslaio e deu um sorriso.

-- Felipe, meu querido. Desculpa, mas você está sendo muito exagerado. Não será necessário tanto luxo. Vai ser um casamento simples, aqui em casa mesmo, com poucos convidados. Apenas um jantar, sem muito alarde.

-- Duvido que você não tenha um terno em seu guarda-roupas que possa vestir no sábado -- Alisson forçou um sorriso e cruzou as pernas, bebeu um gole do café quente e deu de ombros -- Larga de ser fresco.

-- Não gosto de repetir roupas em ocasiões tão especiais -- bufou, voltando a caminhar pela sala.

-- Você já conversou com o Fael, Beca e a Agnes?

-- Já -- Alisson colocou sua xícara vazia sobre a mesa.

-- E elas? Como reagiram?

-- Da mesma forma que o seu irmão... Preocupadas com a roupa.

-- Então, acho que não chocamos tanto as pessoas com o nosso casamento surpresa.

-- Você acha? Espera a Andras abrir o convite que enviei para ela.

-- Você fez isso? -- Felipe finalmente controlou a sua agitação e sentou-se de frente para elas -- Caracas! Queria ser uma mosquinha neste momento para ver a reação dela.

-- O que você acha, Alisson? -- perguntou Nádia, tentando ser discreta, mas não conseguiu esconder sua curiosidade. Seu olhar caiu sobre Alisson, ansiosa pela sua opinião.

-- Sabem o que eu acho?

-- Não!

Respondem, Nádia e Felipe juntos.

-- Que ela vai passar o dia e a noite se descabelando, tentando desvendar o mistério e não vai conseguir. É nesse momento que a máscara do demônio cai, deixando visível a todos a sua real face do mal.

-- Lorraine vai sofrer, não é mesmo? -- Felipe mais lamentou, do que perguntou.

-- Andras prende-se às pessoas como uma jiboia enrolada em sua vítima e a força que têm sobre elas é imensa. São como as ervas daninhas trepadeiras que sufocam as árvores tirando-lhes a vida. O mal não tem energia própria. Por isso Andras vai sugar toda a energia de Lorraine para se manter poderosa.

Andras olhou pasma para o convite simples, mas de bom gosto. Os lábios entreabertos em estado de choque.

-- Sábado as 19:00 -- passou a língua pelos lábios secos -- O que significa isso? -- Andras saiu enfurecida de sua sala.

No corredor encontrou-se com Marcos e, alguns políticos que lhe acompanhavam em uma visita pelo hospital.

-- Bom dia, Andras! Junte-se a nós...

-- Vá para o inferno! -- esbravejou e continuou a caminhar.

Marcos sorriu sem jeito e começou a pensar em alguma desculpa convincente. Seus camaradas de partido olharam-se assustados com o tom usado pela mulher.

-- Algo de muito grave deve ter acontecido, Andras nunca agiu dessa forma - estreitando os olhos, Marcos pousou a mão sobre o ombro de um dos políticos e tentou amenizar a situação constrangedora -- Bem, vamos continuar a nossa visita. Depois com mais calma, converso com ela.

Lorraine serviu-se de vinho e tomou o conteúdo da taça de um só gole.

A última semana havia sido um inferno. Parecia haver passado muito mais tempo. Não suportaria viver daquela forma. Nem mais um dia. O que queria mesmo, era ver Alisson, mas isso era impossível.

Uma batida seca na porta a fez retornar à realidade.

-- Lúcia!

A empregada saiu da cozinha.

-- Deve ser o Felipe. Ele ficou de passou por aqui hoje -- Lorraine sorriu. Precisava de alguém para conversar, caso contrário, enlouqueceria.

Lucia andou até a porta e olhou no olho mágico.

-- Não é o doutor Felipe -- Lucia afastou-se da porta, hesitante -- É a dona Andras. Posso abrir?

Fim do capítulo