O Jardim dos Anjos -- Capítulo 39

 

-- Eu sei como podemos competir a altura delas -- um belo sorriso apareceu no rosto de Nádia.

-- Sabe? -- o olhar de Alisson se abrandou por um momento, cheia de esperanças e expectativas ela perguntou -- Como?

-- Casa comigo, Alisson.

Alisson olhou para ela, surpreendida, parecia não acreditar, ou não querer acreditar no que acabara de ouvir. Abriu e fechou a boca várias vezes antes de falar.

-- Você só pode estar brincando -- disse Alisson, sem conseguir conter a risada -- Repete.

-- Casa comigo e adotamos a Priscila -- ela falou num fio de voz mas em tom bastante decidido.

-- Nós duas casadas? -- Alisson falou apertando os lábios para não explodir na gargalhada -- Não sei se vou conseguir. Eu te amo como uma irmã -- ela murmurou -- E tem mais um probleminha... -- Alisson franziu a testa e olhou para Nádia, os grandes olhos azuis marcados por grande tristeza.

-- Você ama a Lorraine -- Nádia completou -- Eu sei disso. Sei que será difícil, talvez até ocorram desavenças, mas não temos outra saída. Pense nisso.

-- Não sei... -- Alisson estava em dúvida. A princípio, a ideia parecia absurda, mas tinha tudo para dar certo -- Não transformaremos o casamento, um ato tão sublime, em um ato degradado? Sou tão romântica.

Nádia riu, achando fofo.

-- Não fique triste. Vai ser um casamento apenas por conveniência.

-- Vamos ter que mentir para todos que estamos apaixonadas -- deu uma risadinha sem graça -- Vai ser tão estranho.

-- Vai ser difícil, necessário, e porque não divertido? Às vezes a mentira é mais útil do que a verdade. Precisamos proteger a Priscila da Andras.

-- Sem dúvida, casar e tomar conta de uma criança, é uma coisa para a qual não estou muito bem preparada. Mas... -- Alisson sacudiu os ombros -- Além de livrar a Priscila da Andras, ainda vou ganhar um ombro para chorar minhas mágoas.

-- Viu como não será tão ruim assim? -- Nádia fez um trejeito infantil.

Alisson abraçou Nádia e as duas riram juntas.

-- Você ronca, Nádia?

-- Nunca ouvi -- ela brincou.

-- Talvez eu não consiga ser uma boa mãe -- Alisson encostou-se à parede -- Sou meia atabalhoada, distraída e agitada.

-- Tenho certeza que será uma mãe maravilhosa. Você é do tipo maternal, eu percebi. Então, vai se casar comigo?

-- Vou. Estou disposta a correr o risco -- Alisson fechou os olhos e segurou a mão dela -- Antes de chegar aqui estava pensando em tirar os meus problemas das mãos de Deus. Achei que ele estava demorando demais para resolvê-los -- Alisson suspirou e abriu os olhos -- Nada acontece sem estar nos planos de Deus, ele tem o seu tempo, ele não faz nada antes e nem depois.

-- Somos assim mesmo. Ficamos colocando e tirando os problemas das mãos dele!

-- Sabia que Deus está lhe usando para ajudar a Priscila, não é mesmo?

-- Pois que ele me use da maneira que quiser -- Nádia sorriu radiante -- Tudo seria maravilhoso se fosse com a Lorraine, não é Alisson?

Alisson baixou a cabeça e nada falou. Um silêncio retumbante tomou conta do ambiente por algum tempo, até que a loira comentou em voz triste:

-- Ela não me ama -- disse, com um fio de voz. Sem forças para acreditar, que depois de ter aceito o pedido de casamento de Andras, que Lorraine fosse capaz de amá-la. Então respirou fundo -- Está terminado.

Nádia não disse nada, mas percebeu que Alisson estava sofrendo muito.

-- Então está feito -- Nádia quebrou o clima triste -- Sábado sairemos para comprar as alianças. E passaremos a planejar o nosso casamento.

-- Tem toda razão. Vamos surpreender a todos, inclusive a Andras e Lorraine. Mas, agora preciso resolver uma pequena pendência.

-- Alisson! -- Nádia agarrou seu braço -- Olhe lá o que vai aprontar.

-- Não se preocupe -- acalmou-a -- Confie em mim.

 

 

Lorraine estava acordada quando amanheceu. Dormiu muito pouco e quando dormiu, voltou a ter pesadelos horríveis.

-- Alisson, ajude-me -- pediu com a voz embargada pela emoção -- Por quê não atende minhas ligações?

Tentou inúmeras vezes falar com Alisson, mas ela não atendeu, nenhuma de suas ligações.

-- O que aconteceu? Preciso vê-la -- os olhos verdes permaneciam grudados na tela do celular.

Com uma das mãos, retirou o cobertor que estava sobre ela e jogou para o lado. Sentou-se na cama, desanimada.

Lucia empurrou a porta do quarto com as costas e entrou, carregando uma bandeja com o café.

-- Bom dia, doutora! Deu tudo certo ontem? Conseguiu conversar com a pediatra?

Pela expressão tensa no rosto dela, Lucia logo imaginou que algo mais sério estava acontecendo.

-- Não -- Lorraine meneou a cabeça -- Ela não me atende.

-- Lamento -- Lucia falou com sinceridade -- Tome seu café, a doutora parece abatida.

Lorraine realmente, parecia cansada, mas nem tanto pela noite mal dormida. O silêncio de Alisson deixava claro de que Andras havia lhe contado tudo. Isso só aumentava o sentimento de culpa. Ferira a mulher que amava sem ao menos falar pessoalmente a ela. Ficar sabendo por outra pessoa é crueldade demais.

 

 

Alisson entrou no escritório de Andras sem bater.

-- Agora somos apenas nós duas -- disse, girando a chave.

A voz familiar vinha da porta. Andras se voltou para encará-la e ficou ofegante diante da visão.

-- Sai daqui! Não se aproxime de mim -- tentou não ficar nervosa, mas não foi capaz -- Vou chamar os seguranças -- Andras apertou uma mão na outra.

Não houve nenhuma mudança no semblante calmo da pediatra. Estava determinada a mostrar com quem ela estava lidando. Caminhou com desdém até a mesa onde se encontrava Andras.

-- Você realmente pensou que eu não viria atrás de você?

Andras levantou-se rapidamente da cadeira, dando a volta na mesa, encostando-se à parede.

-- O que você quer? O que eu te fiz? -- procurou não estremecer diante do olhar ameaçador de sua oponente.

-- O que você me fez? -- deu um sorriso falso que não escondiam suas intenções maldosas -- Por quê você vai casar com a Lorraine? O que você está planejando, querendo adotar a Priscila?

-- Como você ficou sabendo que queremos adotar a menina? Quem lhe contou?

-- Como fiquei sabendo não interessa -- Alisson acelerando o passo, agarrou o braço de Andras e a empurrou contra a parede -- Vai falando.

-- Não tenho nada para falar...

Alisson bateu Andras contra a parede com força.

-- Fala o que pretende casando com a Lorraine e adotando a menina? -- ela apertou o pescoço da marqueteira -- Ou vou deixar esse seu rostinho pálido, da cor de um tomate.

-- Você não pode me machucar -- Andras zombou, empurrando o braço da loira, mas não teve sucesso.

Apertando ainda mais a garganta de Andras, Alisson insistiu:

-- Fala!

-- Você está perdendo seu tempo, Alisson. Eu e a Lorraine, nos amamos. Por isso vamos nos casar, adotar a menina e formar uma família feliz -- disse Andras, com uma risada arrogante -- É esse o motivo -- ela rosnou.

Alisson ficou cara a cara com ela.

-- Eu vou te bater tanto que você vai dormir de muleta!

 

Lorraine saiu de casa para trabalhar, mais cedo que o habitual, estava totalmente sem ânimo. Não dormira bem, estava se sentindo cansada e dolorida. A única razão que lhe motivava a ir para o hospital, era a possibilidade de poder, enfim, conversar com a Alisson.

Era uma manhã agradável, e apesar de ter chovido a noite inteira, o sol naquele momento brilhava forte sobre a cidade. Passou pela porta cumprimentando o porteiro simpático e atravessou o hall de entrada do hospital, apreensiva. A sensação que algo não estava bem mexia com seus nervos.

Baixou a cabeça e colocou a mão no bolso do blazer cinza que usava, a procura dos óculos.

-- Era só o que me faltava... -- procurou no outro bolso e também não encontrou -- Que droga! -- resmungou irritada.

-- Bom dia!

Lorraine levantou a cabeça e encarou Nádia.

-- Bom dia! -- respondeu sorrindo -- Chegando ou saindo?

-- Saindo. Foi uma noite bem turbulenta aqui no hospital -- Nádia disse com expressão neutra, passiva, blindada.

-- Acidente? Óbito? -- Lorraine perguntava-lhe enquanto procurava os óculos na bolsa -- Acho que esqueci meus óculos de grau em casa.

-- A notícia do seu casamento com Andras, caiu como uma bomba, aqui no hospital.

-- Vou ligar para a Lucia e... -- a cardiologista arregalou os olhos verdes, tentando absorver aquela declaração -- O que você disse? -- indagou, assustada.

Nádia escutou e, irritada, despejou.

-- O que houve agora? Não finja surpresa, Lô. A Andras já deve ter espalhado a novidade para a metade da cidade. Inclusive que vocês estão querendo adotar a Priscila.

-- Sobre o que você está falando?

-- Apenas sobre o seu comportamento cruel. Tão insensível e maldosa típica de você, minha irmã.

-- Eu não sei nada sobre adotar a Priscila -- Lorraine gritou.

-- Sabe, sim! -- Nádia também gritou -- Essa menina sempre carregou o peso de ter sido abandonada! Agora vocês pretendem fazer com que ela sofra também na adoção?

-- Eu nunca faria isso com a menina, nem com a Alisson. Eu sei o quanto ela ama a Priscila.

A dor e o desespero tomaram conta do coração de Lorraine. Quase histérica, ela correu para as portas do elevador.

-- Eu vou falar com a Andras -- Deteve-se bruscamente, girando nos calcanhares -- Ela vai ter que me explicar o que está acontecendo -- e correndo entrou no elevador.

Lorraine começou a tremer. Lágrimas escorriam de seus olhos, e ela teve a impressão de que desmaiaria. Alisson ficou sabendo através de Andras, por isso recusava-se a atender as suas ligações. Como um zumbi, deixou o elevador e caminhou para a porta que dava para o seu escritório.

-- Sandy, chama a Andras para mim.

-- Não será necessário chamá-la, doutora -- a secretária exclamou morta de medo -- Ela já está na sua sala.

Lorraine fez cara feia para ela, os dentes rangeram de ódio, mas nada disse. Apenas entrou em sua sala.

Andras estava sentada de costas para ela, quando se virou, Lorraine gargalhou.

-- O que aconteceu com você? Foi atropelada por uma Scania carregada de ferro?

-- Vai para o inferno! -- disse Andras, com fúria. Seu peito arfava enquanto ela se levantava para ir de encontro a Lorraine.

A médica deu um passo atrás, encostando-se à parede e mordendo o lábio com força.

-- Foi a Alisson quem fez isso com você, não é mesmo? -- perguntou-lhe com amargura.

Ela confirmou, com um movimento de cabeça.

-- Aquela idiota me pegou desprevenida.

-- Ah, tá -- Lorraine voltou a gargalhar -- Alisson é faixa preta em judô. Levou sorte ela não ter quebrado as suas duas pernas.

Andras empalideceu diante do insulto, mas preferiu não dizer nada. Depois de um momento de silêncio, ela continuou, em um tom mais rude:

-- Você foi chorar-se para ela?

-- Só não fiz isso porque não consegui falar com ela. Bem que tentei, mas a Alisson negou-se a conversar comigo -- Lorraine deu a volta na mesa e foi até a janela. Olhou para fora e depois para Andras -- Nosso noivado foi um erro, nunca deveria ter acontecido. Um erro.

-- Um erro? -- Andras deu um soco na mesa, tentando extravasar sua fúria -- Esqueceu os motivos? Esqueceu que será presa?

-- Prefiro terminar meus dias na cadeia. Do que me casar com você e perder a Alisson.

-- Sua frígida, imbecil! Não percebe que todas as mortes que estão sendo investigadas vão cair sobre você?

-- O que está dizendo?

-- Esqueceu de Guilherme e Rejaine? Sem contar o jogador de vôlei, Gilberto. Que foi salvo pelo técnico de enfermagem -- Andras sorriu cinicamente -- Monstro, aberração, pervertida, anomalia da natureza, calculista, psicopata, doente... Esses são apenas alguns dos adjetivos usados para designar assassinos cruéis como você.

Lorraine engoliu em seco.

-- Sê a razão desse seu arrependimento é a Alisson, não precisa se preocupar. Ela vai lhe esperar. Tudo que quero é a garota. Depois disso você estará livre.

-- Não. Eu não quero fazer isso com uma criança. Sei muito bem a razão que a faz querer adotá-la. Você quer maltratar a menina.

-- Minhas razões não são da sua maldita conta, mas, mesmo assim, vou lhe contar: Eu adoro crianças e adotar uma menina sempre foi o meu sonho. Priscila é uma menina especial que precisa de muito amor e carinho. Por isso quero adotá-la.

Obviamente Lorraine não acreditou em nada do que Andras falou, seus olhos se estreitaram com descrença.

-- Você está mentindo. Por que precisa de mim para adotar uma criança?

Andras apertou o braço de Lorraine com tanta força, que, com certeza, ficariam manchas roxas no dia seguinte.

-- Só quero que adote ela pra mim! -- ela rugiu, batendo-a contra a parede -- Poderia matá-la agora. Mas, pensando bem, por que deveria desperdiçar meu tempo com uma mulherzinha desprezível como você?

Lorraine já não tinha forças para discutir.

-- Por favor, vá embora. Saia daqui.

-- Ir embora? Não saio daqui sem ouvir a sua palavra final.

Uma batida decidida na porta interrompeu a conversa. A porta de madeira maciça com detalhes de almofadas abriu-se, e Marcos Hernandes, entrou.

-- Aconteceu alguma coisa? -- perguntou olhando para a figura descabelada e machucada de Andras -- Alguém lhe agrediu?

-- Nada de errado, senhor Marcos -- Andras recompôs-se depressa e fitou Lorraine com olhar faiscante -- Uma pequena desavença com uma funcionária, mas já resolvemos o problema.

-- Espero que Lorraine tenha tomado as devidas providências. Isso é inadmissível.

Ainda com as pernas bambas, Lorraine foi até a sua cadeira e sentou-se. Sentiu vontade de dizer para o pai que daria milhões de beijos nela como prêmio pela surra dada em Andras, mas limitou-se a menear a cabeça concordando.

-- Augusto contou-me uma novidade que me fez delirar de felicidade -- Marcos colocou um dos braços ao redor dos ombros de Andras -- Vocês duas vão se casar? Queriam me fazer uma surpresa?

Lorraine não sabia como responder a isso. Aparentemente, a notícia tinha corrido pelo hospital sem que ela soubesse.

 

Alisson segurou a mão de Nádia. Ninguém, exceto as duas, sabiam de seus planos. Queriam que o casamento parecesse verdadeiro. Mesmo sabendo que era errado, precisavam prosseguir com a encenação.

-- Quando decidiram se casar? -- Fael perguntou, desconfiado.

-- Ontem -- respondeu Alisson, entrelaçando sua mão a mão de Nádia.

-- Hum... Bem estranho esse casamento de vocês -- o rapaz coçou a cabeça e sorriu -- Mas, por outro lado, acho que fará muito bem a vocês.

-- Sei lá! -- Beca olhou para Nádia e ergueu as sobrancelhas -- Não imagino você... Vocês já...

-- Claro -- Alisson segurou o queixo de Nádia e beijou-a suavemente -- Foi amor ao primeiro beijo.

Nádia sentiu-se corar com aquele beijo inesperado. Como se lesse seus pensamentos, Alisson fechou a mão em torno da dela, apertando-a com vigor.

-- Não preciso avisar que é segredo absoluto -- Alisson apontou para os dois.

-- Nós vamos providenciar os papéis, quando tudo estiver pronto, anunciamos o casamento. Será uma pequena recepção em minha casa, apenas para os mais íntimos -- Nádia reclinou a cabeça no ombro de Alisson e sorriu.

-- Cara, vai ser um bafão daqueles! -- Beca esfregou uma mão no rosto -- Não quero que me entendam mal, mas a Lorraine não vai pensar que é uma vingança?

-- A Lorraine fez a escolha dela, Beca. Agora vida que segue -- Alisson beijou a mão de Nádia com carinho, em agradecimento -- Vou buscar minha maleta no consultório e já volto.

-- Espero no carro -- disse Nádia, pegando a sua maleta -- Não demora.

 

Lorraine ficou sentada por uma hora e chorou como louca. Os olhos ficaram inchados e vermelhos. Seu rompante de coragem durou apenas alguns minutos. Mais uma vez sentiu-se intimidada pelo demônio Andras.

Levantou-se, foi até o banheiro e lavou o rosto com água fria. Precisava andar para espairecer a mente.

De cabeça baixa, Lorraine caminhava pelos corredores evitando conversar com as pessoas.

Embora tentasse esquecer, as palavras de Andras continuavam em sua cabeça. E era sobre isso que pensava quando parou diante da porta entreaberta do consultório pediátrico.

Medo, culpa, saudade e prazer se misturaram na onda que dominou o corpo de Lorraine. Só de olhar para ela, ficava toda arrepiada.

Não sabia o que a levara até ali. Apenas ansiava em vê-la. Precisava daquela mulher.

O cheiro de seu perfume a estava enfeitiçando, acabando de vez com seu equilíbrio.

Ela usava um jeans desbotado, com a camisa branca metida por dentro. Ela parecia ter saído de uma revista sobre saúde e moda feminina ou, uma modelo na hora da folga! Lorraine suspirou. Suspirou tão profundamente que Alisson deslocou o olhar para ela.

-- Lorraine?

 

 

Fim do capítulo