O Jardim dos Anjos -- Capítulo 38

 

-- Espera Pâmela! -- Ao ouvir sobre o que se tratava, Nádia mudou rapidamente de opinião -- Foi isso mesmo que você ouviu Andras falar?

Pâmela voltou e parou diante da mesa de Nádia.

-- Ouvi claramente a tal da Andras falar para a amiga que, após o casamento com a Lorraine, elas vão adotar a Priscila.

-- Meus Deus! Tadinha da Priscila -- Nádia afundou o rosto entre as mãos -- Porque essa maluca quer adotar a menina?

-- Ela quer machucar a Alis. É a única explicação plausível -- a voz de Beca tremia de incredulidade.

-- Também acho -- disse Fael furioso, levantando-se tão abruptamente -- Tenho vontade de ir até lá e arranhá-la todinha.

-- Alguém, por favor me explique o que está acontecendo -- Pâmela tinha a impressão de que havia ficado um ano fora do hospital de tantas novidades que encontrou -- Não estou entendendo nada! -- disse ela, num tom de voz carregado de curiosidade.

-- Claro que você não vai entender. Até nós estamos perplexos -- Beca meneou a cabeça impacientemente.

-- Hoje no almoço fiquei sabendo que a Alisson e a Lorraine estavam juntas e agora na janta, que a Lorraine vai se casar com a Andras vampi -- Pâmela levou a mão ao peito e inclinou a cabeça -- Ufa! Que loucura!

-- Beca tem razão. Já pensei em tudo, e não consigo encontrar um outro motivo que não seja o de atingir a Alisson -- falou Nádia, após pensar um instante.

Fael deu um leve tapa na perna e disse:

-- Precisamos fazer algo para impedir que essas duas adotem a menina. Será castigo demais para uma criança que já sofreu tanto nessa vida.

-- Não sei quem é essa criança, mas já estou com dó dela -- Pâmela virou-se para encarar Agnes, parada ao lado da mesa de Nádia.

-- Fael e Beca -- Nádia falou levantando a cabeça e olhando para os dois -- Acho melhor vocês irem até o orfanato e deixarem a Alisson a par de tudo -- ruguinhas de preocupação marcavam o rosto da pediatra -- Eu sei que ela vai ficar muito mal, mas não podemos continuar escondendo dela o que a Lorraine está fazendo. Somos amigos e não permitiremos que ela seja feita de boba.

-- Essa sua irmã, hein? -- Pâmela murmurou, sentando-se também -- Não vale nada.

-- Já vi coisas bem piores na época de Silvana, que não tenho a menor intenção de vê-las novamente. Por isso vamos cortar o mal pela raiz -- Nádia meneou a cabeça, desanimada.

-- Então vamos, Beca -- Fael caminhou até a porta e deu uma última olhada para Nádia -- Assim que tivermos novidades, ligo para você.

Pâmela levantou-se do sofá e também caminhou até a porta.

-- Estou por aí, se precisarem de mim, é só chamar.

-- Obrigada, Pâmela! -- Nádia cruzou as mãos e ficou olhando com o olhar desanimado para a porta recentemente fechada -- Tem que haver uma saída. Tem que haver uma maneira de impedir que a Andras e a Lorraine adotem a Priscila.

 

Alisson estava nervosa, e segurava o envelope contra o peito sem saber o que fazer. A sensação de dor e de ter sido traída era tão intensa que ela sentia-se sufocar. Lorraine, tinha optado por mentir para ela, e isso era incompreensível.

-- Sei como deve ser difícil para você -- Patricia falou olhando para o nada.

-- Você era amiga da Andras, não sabe nada sobre ela?

Patricia tomou o envelope da mão dela e olhou as fotos. Ela engoliu em seco e refletiu um pouco antes de falar:

-- Eu não era amiga de Andras -- Patricia olhou longamente para Alisson e, depois, sentou-se na beirada da cama.

-- Como não? Kkkk -- ela deu uma gargalhada irônica -- Conta outra, Patricia. Desembucha logo. O que essa mulher quer? -- sentiu-se irritada, porém controlou-se -- Desde o primeiro dia que a encontrei, percebi algo de muito ruim nela. Algo negro e demoníaco. Vai... fala, Patrícia.

-- Andras está atrás da Priscila -- disse Patricia se levantando.

-- O que? -- mal acreditou no que tinha acabado de ouvir -- Repete o que você falou.

-- É isso, mesmo. A Andras quer a menina. Agora não me pergunte o motivo -- Patricia andou pelo quarto, passando a mão pelo cabelo -- Ela nunca falou e eu sinceramente, nunca me interessei em peguntar.

-- Por quê ela não tentou antes? A Priscila vivia em um orfanato com pouca segurança, onde ela poderia entrar e sair a hora que bem entendesse.

Patricia recostou-se a parede do quarto e cruzou os braços.

-- A Andras não pode tocar na Priscila, a não ser, que a menina permita.

Alisson coçou a cabeça e piscou várias vezes, demonstrando enorme inquietude. Ficou pensativa e depois de alguns segundos suspirou e apoiou a cabeça no travesseiro.

-- Está tudo muito confuso. Não estou conseguindo montar nenhuma peça desse quebra-cabeças.

-- Alisson!

Fael apareceu a porta do quarto, logo a seguir Beca juntou-se a ele.

-- Precisamos conversar -- o rapaz falou com nervosismo e foi se sentar ao lado dela na cama -- Algo de muito ruim está acontecendo.

Alisson levantou a cabeça do travesseiro e deu uma espiada procurando pelas fotos. Deitada de lado, pegou o envelope e entregou para o amigo.

-- Se é sobre isso que está falando, informo-lhe que alguém já chegou na sua frente.

 

Lorraine estava cercada de flores, das cores mais diferentes: vermelhas, amarelas, brancas. As folhas e pétalas eram tão vivas e aveludadas que encantavam os olhos.

Várias esculturas enormes, de anjos negros como a sombra, decoravam o jardim. De repente, Lorraine entrou em pânico, os olhos arregalados, o corpo tremendo de terror.

Uma das esculturas criou vida e caminhou em sua direção.

-- Não se assuste, não vou machucá-la -- seus olhos tinham uma expressão estranha.

-- Deixe-me, por favor! -- sentiu que o anjo negro havia se aproximado mais ainda, estava quase tocando-a. Ficou apavorada.

-- Não! -- ela gritou, inutilmente. Lorraine viu o ódio que dominava a expressão daqueles olhos vermelhos como brasa.

O anjo reagiu com força segurando-a pelo braço e conduziu-a para o interior de uma pequena sala.

-- Não! -- implorou, tremendo de maneira incontrolável -- Me solte! -- ela gritou em desespero tentando fugir, porém foi cercada por mais duas criaturas semelhantes. Eles levantaram as espadas e apontaram para o seu pescoço.

-- Ainda hoje estará no inferno... -- falou num urro, como um demônio.

Sem escolha, Lorraine fechou os olhos e ajoelhou-se. Desejava por tudo que é mais sagrado, acordar daquele pesadelo. Soltou um grito desesperado e esperou pelo seu fim. Porém, nada aconteceu, o silêncio tomou conta do lugar. Mesmo tremendo e chorando, arriscou abrir os olhos lentamente. Em um primeiro momento, a claridade ofuscou sua vista, mas logo em seguida, conseguiu focar a visão de um anjo que lhe estendia a mão.

-- Está tudo bem agora -- disse com a voz mansa e cheia de ternura, possivelmente para tentar acalmá-la de seu desespero -- Eles já foram.

Lorraine colocou-se de pé e ela pôde vê-lo melhor, notou que seu rosto era extraordinariamente belo. Estava paralisada. Não conseguia olhar para mais nada a não ser seu rosto.

-- Não poderei mais lhe ajudar, Lorraine. Sinto muito -- disse o anjo, dessa vez de forma mais fria.

-- Não! -- Lorraine segurou a sua mão com força -- Espera! Não me deixa! Eu pre...

Lorraine não foi capaz de concluir a frase. Sua imagem ficou distorcida, transformando-o de anjo em um deus furioso. Ele virou-se bruscamente agitando as asas com veemência e foi embora.

A cardiologista acordou chorando, lutando contra os lençóis como se fosse um inimigo feroz. Enxugou as lágrimas e procurou se acalmar.

Por que estaria tendo esses sonhos estranhos? Fechou os olhos.

-- Deus! -- gritou desesperadamente -- Meu Deus! Não me abandone, eu te imploro.

 

 

Alisson enfiou as mãos nos bolsos e se pôs a andar de um lado para o outro, bufando de raiva.

-- Eu vou partir aquela Mortícia ao meio -- ela berrou enlouquecida.

-- O que está acontecendo aqui? -- Helena abriu caminho entre Beca e Patrícia e parou diante da filha -- Quem é essa tal de Mortícia?

-- Mortícia Morta Dela Frump Addams é a esposa de Gomez Addams e mãe de Wandinha Addams e Feioso Addams -- respondeu Fael.

-- Hããã... O que essa Mortícia lhe fez de tão grave para você querer bater nela?

Alisson revirou os olhos como se estivesse impaciente.

-- Estou falando da Andras, mãe. A senhora não faz ideia o que ela e a Lorraine estão aprontando para mim.

Helena abriu os braços e olhou confusa para todos no quarto.

-- A Lorraine vai se casar com a Andras... -- disse Fael.

-- E elas estão planejando adotar a pequena Priscila -- Beca completou.

Com o susto, Helena caiu sentada na cama.

Alisson ajoelhou-se a frente da mãe e segurou as mãos dela entre as suas.

-- A senhora não pode permitir isso, mãe. A Andras só quer fazer mal a Priscila e está usando a Lorraine para tirá-la daqui.

Helena respirou profundamente apertando a mão da filha com pujança.

-- Sinto muito, minha filha, mas não sou eu quem vai decidir se elas estão aptas ou não. Quem decide é uma equipe técnica composta por assistente social e psicólogo da Vara da Infância e da Juventude.

-- E pelo que conheço da Andras, ela vai convencer essa equipe com facilidade -- Patrícia disse desanimada -- Ela é muito boa nisso.

-- E se você adotasse a Priscila? -- todos olharam para Fael - Sério, gente. A Alisson poderia entrar com o pedido antes delas.

-- Verdade! -- disse Beca, com entusiasmo.

-- O que você acha, mãe? -- perguntou Alisson, com ansiedade.

-- Infelizmente, Alisson, elas também podem entrar com o pedido e, haverá uma disputa. Um critério muito importante para a aprovação ou não, é o ambiente familiar adequado.

-- Você acha mãe, que eu não serei aprovada nesse critério?

-- Em uma disputa com as duas? Acredito que não. Na avaliação psicossocial realizada pela equipe da Vara da Infância e da Juventude, é considerada uma ampla categoria de aspectos que deem indícios de um ambiente salutar para a criança/adolescente -- Helena suspirou fundo, como era difícil falar para a filha e ver o seu desespero estampado no rosto -- Toda criança precisa de atenção especial para se desenvolver em sua plenitude e, os portadores com Síndrome de Down, precisam muito mais. Você vai conseguir sem ter alguém para dividir os cuidados? Até pode, mas será que a equipe da Vara da Infância e da Juventude vai acreditar nisso?

-- Infelizmente a dona Helena tem razão -- Fael suspirou e concluiu com tristeza -- Mesmo que a gente ajude você com a menina, isso não vai mudar em nada a opinião da equipe. Andras e Lorraine estão na vantagem.

Alisson refletiu que Helena estava correta em analisar friamente a situação. Qual juiz julgaria a seu favor tendo do outro lado a filha de Marcos Hernandes? Infelizmente o sobrenome Hernandes era muito forte no meio político e social da cidade.

-- O que mais me dói é que justamente Lorraine, a pessoa que tanto amo, esteja me fazendo passar por todo esse sofrimento.

Alisson reprimiu o choro. Estava cansada de chorar, cansada de pensar nos motivos que levaram Lorraine a ser tão cruel. Ela só queria que tudo voltasse a ser como antes, mas detestava admitir que talvez fosse o momento de encarar a realidade. Seu relacionamento com Lorraine não tinha nenhuma chance de voltar a ser o que era antes.

Beca balançou a cabeça. Sabia que Alisson estava sofrendo, e não podia fazer nada para aliviá-la. Ela deu um passo na direção dela e a abraçou.

-- Amo você, loira -- ela sussurrou.

-- Eu sei. Amo todos vocês -- alguns minutos de silêncio e depois Alisson voltou a falar -- A Andras está no hospital?

-- Quando saímos do hospital, ela ainda estava lá -- respondeu Fael.

Alisson colocou sua mochila nos ombros, pegou o envelope com as fotos e caminhou até a porta.

-- Aonde você pensa que vai a essa hora? -- Helena perguntou, segurando-a pelo braço -- Seja lá o que estiver pensando em fazer, pode esperar pela manhã.

-- Ah..., mas não, mesmo! -- Alisson estava decidida a não perder nem mais um minuto.

-- Por favor, Alisson, espere mais um pouco, esfrie a cabeça e tudo vai ficar bem. Coloque os problemas na mão de Deus. Ele sabe o que faz.

-- Eu vou colocar os meus problemas nas mãos de Deus, mãe. Pode ter certeza disso, porque as minhas mãos estarão bem ocupadas amassando a cara daquela bruxa -- resmungou Alisson, encaminhando-se para a porta.

-- Oh, não! Minha filha, não vá se encontrar com essa mulher, nervosa desse jeito -- Helena começou a dizer desesperada.

Alisson ignorou suas súplicas, abriu a porta e saiu antes que ela pudesse detê-la.

-- Ela vai destruir a Andras -- comentou Fael -- A Alisson bate até no professor Geraldão.

-- Vou ligar para a Nádia e prepará-la para o pior -- Beca ficou nervosa, pegou o celular, discou para a pediatra e avisou que Alisson estava a caminho.

 

 

Lorraine levantou-se e andou pelo quarto, precisava acamar-se. Acendeu a luz e algo em cima da cômoda chamou sua atenção. Aproximou-se e viu o anel de noivado. Cometeu um erro, um erro que precisava consertar. Lorraine apertou o anel em sua mão. Lágrimas encheram seus olhos, sentia-se morta, logo ela que sempre fora tão forte.

Por um momento, ela ficou parada, depois balançou a cabeça. Estava infeliz e só poderia culpar a si mesmo por isso. Andras apenas aproveitou-se de sua covardia.

Havia sofrido tanto em sua vida, merecia ser feliz, merecia estar com Alisson. Sabia que a pediatra ofereceria todo o amor que ela tem para dar. Queria construir ao lado dela um relacionamento baseado tão somente no amor, deixar de lado essa vida de luxúria e vaidade.

Lorraine foi até a cozinha, abriu a geladeira, encheu um copo com leite e sentou-se à mesa.

Lucia surgiu na escuridão, ficou completamente surpresa ao ver a patroa.

-- Credo, doutora, Lorraine. Parece um fantasma sentada nesse escuro -- Lucia acendeu a luz e tirou do armário um copo.

Lorraine permaneceu em silêncio, como se estivesse pensando em algo muito importante.

-- A doutora teve notícias da pediatra? -- Lorraine não respondeu. Lucia ficou olhando para ela por alguns segundos. Então, foi até a geladeira, encheu o copo com água e deu uma bebericada.

-- Se eu for presa, você vai me visitar na cadeia? -- Lorraine perguntou, de repente.

-- Que pergunta boba!

-- Responde -- insistiu Lorraine -- Sim ou não?

-- Claro que vou -- Lucia deu uma risadinha e balançou a cabeça -- Matou alguém?

Lorraine ficou um instante em silêncio e depois murmurou, quase que para si:

-- Não matei, mas tenho vontade.

Lorraine apertou os punhos com força. Tinha vontade de matar Andras. Sua cabeça só pensava em planos de vingança. Sentia raiva, tristeza, dor, culpa.

 

Alisson entrou no prédio do hospital pisando duro e foi saudada por uma técnica de enfermagem. Estava de péssimo humor e mal respondeu ao cumprimento da moça. Ignorando o elevador, subiu impacientemente a escada que dava para a sala de Andras.

Chegou ao corredor resmungando baixinho consigo mesmo:

-- Perdoe-me Deus, mas acho que vou ter que tirar os meus problemas de sua mão. O senhor está demorando demais...

-- Olá! Mas que surpresa! -- Nádia parou à sua frente, impedindo-lhe a passagem -- Aonde a senhorita pensa que vai brava desse jeito?

Alisson ignorou sua pergunta e tentou continuar o seu caminho.

-- Espera! -- Nádia colocou a mão sobre o braço dela, como se quisesse deixar bem claro que ela só passaria por ali, por cima de seu cadáver.

Alisson balançou a cabeça.

-- Onde está a Andras?

-- Na sala dela... por quê? Você quer vê-la? -- perguntou Nádia, da forma mais calma possível.

-- Vê-la talvez não seja a palavra correta. Na verdade eu quero esquartejá-la -- respondeu ela, irritada -- Eu vou até lá.

-- Calma, Alisson.

-- Calma? Lorraine vai se casar com um demônio, e pretendem adotar Priscila e você me pede calma?

-- Ficar neste estado não ajuda -- Nádia tentava argumentar, mas, Alisson já havia perdido o controle e estava decidida a tomar uma atitude.

-- Em que estado você quer que eu fique? Eu sei que não tenho chance de competir com elas na adoção da Priscila, mas um prazer eu vou ter: Vou dar uma lição nela, que ela nunca esquecerá.

-- Eu sei como podemos competir a altura delas -- um belo sorriso apareceu no rosto de Nádia.

-- Sabe? -- o olhar de Alisson se abrandou por um momento, cheia de esperança e expectativa ela perguntou -- Como?

-- Casa comigo, Alisson.

 

 

 

 

Fim do capítulo