@mor.com por Carla Gentil
Nesse capítulo tem um videozinho que minha amiga Talissa fez e está contextualizado no capítulo. Bom final de semana :-)
Capítulo 32
Era o fim de uma tarde fresca de inverno, temporada de chuvas no nordeste mas que naquele dia um sol fraco entre nuvens por oras iluminava suavemente. Sam caminhava sozinha na praia.
Valorizava demais estes momentos de solidão junto ao mar. Reparou, com ironia, que sempre se sentava no mesmo lugar, embora raramente prestasse atenção ao caminho. Com o passar do tempo deixou de se irritar com isso também. Fazia parte das coisas que não podia mudar e com as quais não tinha forças para lutar.
Simplesmente deixava seus pés escolherem o caminho e, assim como seus pensamentos faziam, eles a levavam onde podia sentir a presença de Laura.
Laura... Seis meses sem nenhuma notícia. Metade de um ano sem ver, sem tocar e tentando desesperadamente esquecer. Mas nem ao menos a isso ela resistia mais.
Já tinha feito várias tentativas, tentou se afastar de tudo que trouxesse a lembrança, correu para as coisas que a feriam, na tentativa de, pelo menos a dor conseguir afastar os pensamentos, mas nada, nada tinha este poder. Aprendeu a fingir, a não falar, a não deixar ninguém perceber quando ela sentia um calafrio no estômago por ver a morena em sua frente... E logo perceber que era apenas uma miragem, o seu desejo a iludindo.
Fechou os olhos e deixou o vento tocar seu rosto, bagunçar seus cabelos.
Sentiu seu celular vibrar, olhou o visor, não podia contar a ninguém, mas também não podia negar que uma tola e tênue esperança sempre a fazia desejar ver um único nome no display.
- Diga, painho... - falou com um suspiro.
- Oi minha princesinha! Estou te esperando para jantar, mandei fazer pizzas, das que você mais gosta.
- Não, não precisa me esperar para jantar hoje. Acho que vou sair com o pessoal, o Arthur me chamou, parece que as meninas vão estar lá, também.
- Que bom que você vai sair. Eu tenho que rever uns documentos, quando você chegar passa no escritório para me dar um beijo antes de dormir.
- Não sei, painho... Hoje me deu vontade ir dormir em minha casa. Faz tempo que não passo por lá – na verdade, fazia mais de seis meses que ninguém entrava lá.
- Você acha uma boa ideia, filha? - ele falou preocupado. - Vou pedir para o seu irmão ir dormir com você lá, então.
- Não precisa, eu sei me cuidar; morei quanto tempo sozinha? Não confia mais na sua menina, não? E depois o Cássio não cuida direito nem dele mesmo.
- Sempre vou confiar em você, minha criança! Sempre! Mas não confio nos outros. Às vezes parecem ser boas pessoas, mas não passam de cretinas e...
- Fica calmo, eu estou bem!
- Vou ficar tranquilo, Sam, confio muito em você, filha. Se cuida, viu! E não esquece que painho te ama! E vou deixar o celular ao meu lado, qualquer coisa me liga... Não estou gostando mesmo de você ficar lá à noite.
- Pais... Só muda o endereço. Qualquer coisa te ligo, beijos – desligou antes que ele tivesse tempo de retrucar.
Sabia que ele não ia ficar tranquilo, que ele iria ligar outras vezes em seu celular, que ia pedir para Cássio ficar por perto. Quando notava o tamanho da preocupação dele com ela, quase se arrependia de tê-lo procurado naquele dia, depois de ouvir a conversa entre os pais de Laura, conversa que confirmava a suspeita que a enlouquecia.
“Ela não trocaria a África dela por nada neste mundo“.
A própria Laura tinha dito isso, sempre que tinha comparado um namoro com o trabalho, voltava correndo para o trabalho. Mas, ela não podia acreditar. Ela tinha dito que desta vez era diferente. “Ela me disse que ficaria sempre comigo, que eu podia confiar”, deu um soco na areia.
- Sempre a mesma coisa! Que bobagem voltar a confiar. Por que fui esperar que desta vez fosse diferente? Como pude me entregar tanto assim?
Lembrou-se dos olhos azuis onde lia tanto amor, do abraço tão quente, reconfortante, daquela despedida que em sua memória sempre se confundia outra do passado.
- Ah! Idiota! Idiota! Como eu pude acreditar que você sentia por mim a mesma coisa que eu sentia por você? Mas como eu conseguiria duvidar de você? Dos seus olhos? Como, Laura? Por que você não me preparou para aceitar que iria embora?
Sentiu que iria chorar, mas não sabia se ainda tinha lágrimas, cerrou os olhos com força, se deitou na areia e cobriu os olhos com a mão.
- Não vou mais chorar, eu preciso continuar a minha vida!
Queria tanto encontrar com Laura, ainda que fosse apenas para olhar nos olhos dela, para se perder neles mais uma vez e quem sabe desta forma, reencontrar sua alma.
Imaginava se algum dia pararia de doer. Esquecer sabia que não aconteceria. Tinha muita coisa para se lembrar. Era grande demais para ser apagado.
Seus amigos tentavam sempre estar com ela, mas Sam raramente saia e quando aceitava os convites, ficava calada, Não era mais a pessoa dura de antes, muito menos a feliz. Permanecia alheia, indiferente. O fato de estar no bar, era simplesmente uma tentativa de resgate do passado.
Arthur tinha se reaproximado bastante. Não saia de sua casa, mas há vários meses ficava mais com Cássio do que com ela. Exceto quando saiam, ai ele permanecia a seu lado, sempre mudava de assunto quando alguma das meninas perguntava se tinha notícias. Sam notava que Arthur a exibia como um troféu, mas não achava que isso tinha importância. “Ele, ao menos sempre está comigo”.
****
Sam se levantou, não se preocupou em tirar a areia da roupa. Alcançou a calçada e, enquanto caminhava, observava o trânsito da noite. Carros velozes, pessoas caminhando. “Correr para quê? Para onde vão tão apressados, para quem correm?”.
Chegou em sua moto, ajeitou o fone de ouvido, colocou a música no último para tentar não ouvir mais seus pensamentos. Colocou o capacete e, ao som de Ódio*, deixou a velocidade resgatar a sua atenção.
***** http://www.youtube.com/watch?v=3XnFW-7O2mo ****
Adorava a sensação que sentia com a velocidade aumentando, viseira levantada para sentir o vento no rosto, a atenção aguçada, tudo passava muito rápido, perdiam as formas, perdiam o sentido. Queria um mundo assim. Sem sentido, sem tempo, sem formas. Só borrões, luzes que não significavam nada, nenhum pensamento. Só a estrada passando rápido, rápido, cada vez mais rápido.
- Documento do veículo e habilitação, por favor.
Era inevitável ser parada pelo posto policial. Frustrada por terem interrompido seu momento de paz, entregou os documentos com um suspiro profundo.
- A senhora tem noção a que velocidade estava? - o policial perguntou enquanto pegava os documentos.
- Não, senhor, não tenho. O marcador só vai até 250 Km/h.
- A senhora estava acima desta velocidade. Mais que o dobro do permitido, é falta gravíssima... - falava enquanto preparava a multa que Sam pegou e guardou com os documentos, sem realmente prestar muita atenção ao sermão que o policial fazia. - E todo mundo tem problemas, por a vida dos outros em risco não vai diminuir os seus. Pense nisto e boa-viagem.
Ela assentiu, tinha ouvido só a última frase. Por a vida dos outros em risco. Desde que sua mãe tinha morrido, Sam não tinha medo da morte. Lembrou que Laura lhe contou de um pensamento mulçumano, que tinha norteado seu comportamento. “Eu me permito caminhar acompanhada pela vida e pela morte, sem temer nenhuma e nem outra, mas respeitando ambas. Quando o medo de morrer é grande, não se aproveita a vida. Quando o apego à vida é desmesurado, se corre para a morte”.
Pegou a estrada de volta, agora pilotava dentro da velocidade permitida, onde os pensamentos, sem nem um pouco de vergonha, a levavam uma vez e outra e novamente para Laura, a mulher que a resgatou da penumbra dos pesadelos infantis, para depois largá-la no escuro novamente.
- Que saudade, que saudade! Puta merd*, que saudade! – falou na solidão do capacete.
Quando chegou ao bar, Arthur foi ao seu encontro, a abraçou e a conduziu à mesa.
- Nossa, mona! Seu visual “rainha do deserto” está de fechar! - falou Gabriel, empurrando Arthur para poder abraçá-la. - Larga da mulher! Eu não vou querer pra mim! Sem ofensas, viu lindinha! - apertou a ponta do nariz dela. - Mas meu negócio é outro!
Sam se esforçou para rir, para prestar atenção na conversa. Gostava da presença deles, no final das contas, que por sua vez tentavam se aproximar mais dela, pois apesar de não falar, era palpável a tristeza silenciosa em que ela mergulhara. Mas não era tão fácil se aproximar. Arthur estava deliberadamente a afastando de todos e Sam não tinha ânimo algum para ir contra a maré.
O bar estava lotado naquela noite, tinha um grupo legal se apresentando. O tempo estava bem fresco, as conversas animadas. Sam olhava ao redor, mal notava o braço de Arthur passado em suas costas.
Via as taças de cerveja sendo levantadas em um alegre brinde na mesa logo adiante; prestava atenção na música que era cantada “eu não existo longe de você e a solidão é o meu pior castigo, eu conto as horas para poder te ver, mas o relógio está de mal comigo”, a fumaça dos cigarros mais à frente, nublava o ambiente, as luzes do palco mudando o colorido do bar.
De repente, tudo parou.
A música cessou, os brindes congelaram no ar, todos se calaram, a fumaça se esvaiu, a luz perdeu o foco. Só exista o gelo em seu estômago que a paralisava e o par de safiras que estavam fixos nela.
Virna, que a encarava há um bom tempo, se preocupou com a súbita palidez da amiga. Já tinha notado isso várias vezes. Sam passava os olhos incessantemente pelo lugar procurando e, com certeza, desejando encontrar alguém específico. Desejava tanto que sempre ficava com esta expressão de quem tinha realmente visto algo, mas depois, a visão desaparecia e ela ficava muito cabisbaixa, ainda mais triste do que antes. Ela já tinha seguido este olhar outras vezes. Sempre era alguma morena de cabelos compridos, ou um par de olhos azuis, ou uma pessoa alta. Sua amiga estava com dificuldade em deixar o passado passar.
Porém, daquela vez foi diferente. Ela não baixou a cabeça, continuava olhando para o mesmo lugar. Virna se virou e piscou forte duas vezes. “Ou é miragem coletiva ou eu também estou vendo!”. Seu movimento não passou despercebido de Andréa que também se virou e, em segundos a conversa acabara na mesa, todos olhavam para Laura, em pé, a duas mesas de distância.
Arthur, por reflexo, tirou rapidamente o braço das costas de Sam e ficou quase mais pálido que a loira. Laura o fuzilou com os olhos, mas logo voltou seu olhar para Sam, suavizando imediatamente sua expressão. Aproximou-se e deu a mão para a mulher que parecia sufocar com palavras que vinham em correnteza, mas que não tomavam forma.
- Vem comigo.
Sam olhou para a mão estendida em sua direção. As firmes e machucadas mãos de Laura. Notou que não tinha diante de si a mesma pessoa que se despediu dela há alguns meses... Mas o olhar era o mesmo.
Quis ficar sentada e dar ao seu orgulho, autoestima e dignidade o direito de não se deixar levar tão facilmente. Mas juntamente com as palavras, engoliu orgulho e o que mais fosse. Simplesmente pegou naquela mão e se deixou levar.
Fim do capítulo
Talissa é autora de fanfictions em inglês de Once Upon a Time, Supergirl, Wynonna Earp e outras nesse link http://archiveofourown.org/users/700wordsAmonth/works. E também fez outro vídeo pra esse romance, mas o youtube invocou com a música, então tivemos que trocar. Era Kiss Me e ela fez pra embalar o primeiro beijo de Sam e Laura. https://www.youtube.com/watch?v=tDU3Z_PAPS0&t=20s.
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Nocturne
Em: 27/05/2017
Prezada, Carla Gentil, como vai?
Desculpe invadir o teu espaço. Não acompanho a tua história, na verdade... Mas minha esposa, sim. E já sorriu, chorou, deitou e rolou de rir com o que tu escreves. Primeiramente, te acho muito criativa (ela me contou um pouco da história). Parabéns!
Mas quando minha amada veio me contar sobre o capítulo de hoje, quase não conseguiu. Estava em lágrimas.
Fiquei preocupada.
Preciso dizer, sua história é muito emocionante.
Obrigada por escrevê-la. Minha esposa fica muito feliz lendo @mor.com e, por consequência, eu fico também. Então, por gentileza, assim que possível, publique o próximo capítulo. Tem uma leitora sua que está aqui ao meu lado muito ansiosa para saber o que houve com a Laura.
Saudações cordiais,
Nocturne.
Resposta do autor:
Olá, Nocturne, boa noite!
Daí eu que tinha pensado em nem postar mais um capítulo hoje pq sábado é um dia estranho, acabei postando um duplo de tão lindinho e comovente é receber comentários tão gratificantes.
Espero que tenha ajudado a noite em sua casa a ser mais alegre.
Obrigadíssima por comentar o/
Photographer_SP
Em: 27/05/2017
Carla Gentil, minha cara Autora do bem. Hehehe
Não faça sair na chuva a procura de cardiologista!
Ansiedade é coisa séria bom! Hãm
Beijos
Resposta do autor:
Como achei que tinha matado a ansiedade de vcs naquele finalzinho que revela tudinho! Tá, quase nada, mas o principal, pelo menos, tinha programado pra postar outro capítulo só amanhã. Agora nem sei :o
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Photographer_SP
Em: 27/05/2017
Ainda bem que está chovendo aqui, assim, não preciso ficar disfarçando os baldes de lágrimas!
Não sei realmente o que me acontece, entro de corpo e alma nas excelentes histórias, excelentes filmes e me envolvo demais!
Afff
???…???”????????
Muito obrigada Carla Gentil!
Beijos
PS. Adorei os vídeos que a outra leitora postou me ajudou com os baldes.
Resposta do autor:
E tem um monte de coisas boas de se ler nos seus comentários, até emociona as gentis velhinhas. Snif...
Pois então, aqueles vídeos! Ah, aqueles vídeos... <3
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