@mor.com por Carla Gentil
Capítulo 31
Aquele Réveillon tão planejado acabou sendo o mais silencioso de muitos tempos. Não havia alegria, não havia o abraço esperado, nem mesmo a certeza de que os dias seriam de construção, de partilha. Sam se sentia sozinha. Muito mais do que antes... A esperança secreta que alimentava, estava despedaçada.
No dia primeiro ela embarcou para a Espanha, acompanhada de seu pai e de Leandro, que fez questão de ir junto e ver se encontrava alguma resposta pras perguntas que ele ainda tinha. Apesar do histórico de Laura, ele acreditava que a irmã não faria isto com Sam. Não com ela.
Sam se mantinha arredia, desde que se recuperara, não havia voltado ao seu apartamento e nem tinha autorizado que alguém entrasse lá. Era dolorido demais, como se fosse a materialização dos sonhos que já nem existiam.
A resolução de ir para a Espanha era a última chance que dava para a centelha de esperança que teimava em sobreviver, para a confiança em Laura que era tão imensa e custava tanto a ela enterrar.
Quando chegou no prédio onde Laura morava, uma emoção tão grande tomou conta dela, que paralisou seus passos. Seu pai e Leandro pararam um pouco a frente e olharam para ela. Rafael esticou o braço para ampará-la, mas Sam sabia que não podia ceder, estava andando na corda bamba, se fraquejasse, não se levantaria. Desdenhou a oferta e seguiu apressadamente à frente dos dois.
Sam encostou-se no espelho do elevador, olhando para cima, fixou seu olhar na pequena câmera. À medida que subiam, a angustia que quase a sufocava só fazia aumentar. Eram tantos “e se...” que pulavam em sua mente, eram tantas as explicações, era tamanho o medo...
E ainda assim, a emoção de estar naquele elevador, a energia de Laura era quase palpável, não podia negar que a sentia ali. Fechou os olhos com força. “Não posso fraquejar, não posso, não posso...”.
- Vamos lá... – Leandro a chamou já no corredor.
Eles tinham ligado para D. Carmen, que os esperava já com a porta do apartamento aberta. Lupe e Su estavam por perto da mãe. Elas encaravam os visitantes de forma diversa. Enquanto Su media Leandro de alto a baixo, com um provocativo dedo na boca e sorriso de aprovação, Lupe avaliava Sam com desdém e ira não disfarçados.
- Por favor, entrem – D. Carmen pediu em espanhol, bem lentamente, como Leandro tinha pedido.
Sam duelava em silêncio com Lupe. Os olhos fixos um no outro.
Enquanto os castanhos ferviam, os verdes eram o reflexo duro do gelo. Quando ouviu o convite para entrar, simplesmente cortou o contato e entrou, deixando o recado claro de que era o seu momento, o seu direito. A outra pareceu sentir e não entrou, voltou para sua casa, mas deixou a porta aberta.
Leandro se adiantou em andar pelo apartamento, parecia meio perdido, sem saber o que procurar ou o que fazer ali. Acabou ficando agradecido quando Su o pegou pela mão e perguntou se não queria tomar um suco em sua casa.
Sam olhou para o pai e pediu que o acompanhasse, dona Carmen, que não tinha parado de falar com ele, o acompanhou para o apartamento dela, falando e gesticulando muito, parecia estar explicando sobre a venda do local para o vizinho, que vendeu o seu para a filha mais velha, que iria se casar em breve.
Quando ouviu a porta ser batida e os sons abafados, Sam soltou um suspiro de alívio. Encostou a porta e olhou ao redor. Era tão diferente de sua casa, mas tão acolhedor! Laura tinha móveis rústicos e confortáveis; práticos e nobres, refletiam com fidelidade o perfil da dona.
Caminhou vagorosa e solentemente até o quarto, olhou a cama, a grande janela atrás dela, por onde entrava a luz do sol. Abriu o guarda-roupa e viu que ainda continha algumas peças. Deu uma olhada rápida na cozinha, sentou-se na cadeira e se lembrou de Laura contando de suas manhãs, de seus banhos, do seu cotidiano naquele lugar. Podia sentir no ar a energia dela que emanava daquelas paredes.
Voltou para a sala e se sentou na poltrona. Ficou um tempo, olhando para o que tinha evitado prestar atenção quando entrou.
Naquela sala estava a constatação: ela fizera mesmo uma escolha de última hora.
No sofá estava uma grande mala, Sam a abriu, estava repleta de roupas. E sobre a mesa de centro, fotos dela de um lado, além de uma da família e outra só dos pestinhas. Do outro lado, fotos da África. De lado, uma foto de Lupe apoiada nos ombros de Laura, ambas sorrindo, Sam observou a data e viu que foi tirada na época que se conheceram, provavelmente num jogo de vôlei. Por fim, sobre as fotos, parecendo selar a decisão, o celular deixado para trás, juntamente com a última mensagem que ele enviou e com o desejo de cometer uma loucura e largar tudo para viver um amor. A coluna da razão vencera a da emoção.
- Enfim, a famosa Sam deu o ar da graça! – Lupe sibilou em um português com forte sotaque. - Ela não foi pra você, afinal de contas!
Sam não se virou. Estava com olhos vermelhos, mãos trêmulas, rosto banhado de lágrimas tão salgadas quanto doloridas. Mas era um combate, não se negaria a ele.
- Como também não ficou com você, ao que parece - respondeu com o máximo de firmeza que conseguiu juntar, enquanto secava o rosto com o dorso da mão.
- Não, ainda não... Mas é sempre pra cá que ela volta - falou enquanto se sentava no sofá e erguia a sua foto, na tentativa de fazer com que Sam olhasse para ela.
- Você entende o que sua foto faz no meio destas outras... Lupe? – Sam perguntou mansamente.
- Ah, sabe meu nome! - falou com sincera surpresa. - Então ela falou em mim! - não obteve resposta da pequena mulher, que se esforçava para respirar. - Hum! Claro que falou em mim! Esta foto, simboliza que sou importante pra ela. Por isto não voltou para você. Eu entreguei a ela pouco antes dela sair.
- Se você prestar atenção, vai ver que sua foto aqui representa o que ela pode ter com facilidade, Lupe. Não é você, não sou eu. A decisão dela foi entre o trabalho ou a vida - disse, alternando as mãos entre as colunas de fotos, olhava com pena para Lupe. O que não a impediu de concluir com o que parecia ser a cruel verdade. - Sua foto, ao lado, só representa que mesmo que escolha o trabalho, sempre vai aparecer uma migalha de vida. Barata, fácil, disponível, mas que a faça ter a sensação de estar vivendo.
Talvez pelo idioma, ou pela dureza das palavras, Lupe não teve resposta imediata. Sam se aproveitou deste momento de pasmo da morena para observá-la melhor. Não se sentia melhor que ela, nem com vantagem alguma. O sentimento de pena persistia, pois afinal das contas, a espanhola recebera ainda menos do que ela própria. Levantou-se e foi embora, sem olhar para trás, sem saber para onde ir, nem ao menos por que ir.
Fim do capítulo
* Historinha de faz de conta, tem passagem para a hora que o personagem quer. Os passaportes estão todos em dia, bem como as demais exigências legais, ok. Voe sempre pela Transfiction!
Comentar este capítulo:
Tatta
Em: 26/05/2017
E a agonia continua... ????
Vou ficar uma semana sem ler a história, quem sabe quando eu voltar e parte de agonia e falta de resposta seja sanada.... ????
Resposta do autor:
Pelas minhas contas, em uma semana termino de postar é tudo. (Mas eu não perderia o capítulo de amanhã, é tão bonitinho!)
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