Capítulo 46
Entre Lambidas e Mordidas -- Capítulo 46
Pedro não se importou em invadir a propriedade particular, pois achava que tinha todo o direito de estar ali.
-- Sou Pedro Vargas, filho de Luiz Carlos Vargas -- ele se apresentou com um toque excessivo de orgulho.
-- Senhor Pedro? -- o homem demonstrou surpresa e contentamento -- Por um instante tive a impressão de rever o meu grande amigo Luiz -- ele torceu a boca num sorrisinho saudoso -- Desculpa o mau jeito na recepção, é que ultimamente o sobrenome Vargas não tem sido bem-aceito entre os agricultores. Eles estão invadindo as propriedades pertencentes a família, incendiando e destruindo tudo o que encontram pelo caminho. Por esse motivo, prefiro ficar sempre em alerta.
Pedro bufou aborrecido. Seus olhos estavam fixos no empregado da fazenda, o azul de seus olhos, ardendo com fúria.
-- Malditos, miseráveis! -- ele rosnou. Pedro odiava aquela terra, odiava aquela gente sem ambições, sem sonhos, sem pretensões. Plantavam para comer e continuavam naquela vidinha de pobre feliz. Como se isso, para ele, fosse possível.
Pedro lembrou que o pai um dia perguntou: -- O que pretende fazer da vida, rapaz? Ele respondeu: Ser um grande empresário. Muito rico e poderoso!
Isso sim era objetivo na vida, era lutar por algo que realmente valesse a pena, não por um pedacinho de terra seca e morta.
Afastou os pensamentos e lembranças, pois de nada mais adiantava lembrar das palavras do pai ingrato, que cruelmente, trocou sua cega lealdade, pela filha bastarda e idiota.
-- Eles sabem que essa propriedade pertence aos Vargas? -- perguntou Pedro, afastando-se um pouco para observar melhor a propriedade.
-- Não senhor. Para o povo daqui, essa fazenda é minha -- o empregado largou a ferramenta que tinha em mãos e colocou-se a caminhar ao lado de Pedro -- Eu e minha esposa nunca comentamos com ninguém quem eram os verdadeiros proprietários.
-- Ótimo! Isso será de suma importância para o que pretendo realizar -- Pedro girou nos calcanhares e deu um leve sorriso -- Belos cavalos! -- ele comentou.
- A fazenda possui milhares de hectares. Temos alguns vaqueiros trabalhando para nós, os quais, eu confio de olhos fechados. Criamos cavalos excepcionais e o nosso gado é bem produtivo e saudável.
-- Muito bom! - Pedro sorriu, mas nada disso importava para ele - Agora quero conhecer a casa.
O empregado fez que sim, pouco à vontade. O filho mais novo de seu falecido amigo, não parecia um homem confiável.
-- Devo manter a presença do senhor em segredo?
-- Sem dúvida, para todos os efeitos, Pedro Vargas, nunca apareceu por aqui.
Daniela olhou para o segurança que de longe a encarava de braços cruzados. Ele estava deixando claro que ninguém passaria por ele. O cara era forte e musculoso. Daniela não queria briga com este homem, que apenas cumpria o seu dever.
Bianca bateu de leve com o cotovelo, no braço de Daniela.
-- O Jean Claude Van Damme catarinense, não faz xixi?
-- Ele não, mas você faz -- Daniela disse zombeteiramente.
-- Não entendi -- Bianca franziu a testa, sem entender bem o que ela havia dito.
-- Você vai até o banheiro e de lá liga para a recepção reclamando que um engraçadinho roubou a vaga do senhor Valdir.
-- Deixei o meu celular no carro -- disse Bianca.
-- Não tem problema, leva o meu. Quero ver se, o senhor segurança não vai sair daqui rapidinho?
-- Nosso povo ficará imensamente feliz em recebê-las, senhorita Yasmin. Estou muito animado e esperançoso, que essa parceria com a nova diretoria da empresa Vargas, traga enfim, vantagens para o pequeno agricultor e para toda a população.
-- Daniela é filha da terra e, ama de coração aquela gente. Ela é uma de vocês e fará muito por Canoinhas.
O sorriso feliz e orgulhoso do homem, iluminou sua face.
O prefeito de Canoinhas agradeceu a Yasmin pela acolhida, despediu-se dela, desejando que tudo corresse bem com ela e com o bebê.
Assim que ele saiu, a morena caminhou até a janela e olhou para fora. Sentiu a brisa da manhã tocar seu rosto. Era gostoso aquele frescor, mas a fumaça liberada pelo escapamento dos carros e pelas fábricas, causavam fortes enjoos em Yasmin.
-- Se você estivesse aqui Dani, com certeza já teria me internado em um hospital -- sorriu.
O pensamento estava longe quando sentiu um pequeno desconforto. Yasmin passou a mão sobre a barriga.
-- O que foi meus amores? Estão com saudade da mamãe Dani? -- disse sorrindo.
Com certa dificuldade, caminhou até a cadeira e sentou-se. Com a voz fraca devido a dor chamou Mari pelo interfone. A secretária em segundos parou ao lado dela.
-- Por favor, Mari... Chama o Matias pra mim? -- disse em meio a lágrimas -- Preciso dele.
-- Vou chamá-lo. Por favor senhora, precisa ficar calma -- pediu Mari, enquanto ligava para Matias.
No mesmo instante ela sentiu novamente a forte fisgada em sua barriga.
-- Meus filhos. Por favor... Não deixem que... -- a dor intensificava.
Mari desligou o telefone e amparou Yasmin, procurando acalmá-la.
-- Ele está vindo.
Yasmin mordia o lábio para não gritar e dobrou-se por causa da dor. Fechou os olhos e rezou para que nada de ruim acontecesse aos bebês.
-- Respire fundo Yasmin -- disse Mari, apertando-lhe a mão -- Seja forte.
-- Meus filhos -- nova onda de dor a atingiu -- Dani... Dani...
Yasmin sempre fora tão corajosa, mas naquele momento não conseguia conter as lágrimas.
-- Mari! Não suporto mais! Não vou aguentar! -- sua aflição chegava ao auge.
-- Matias já deve estar chegando! -- Mari exclamou!
-- Meus filhos, Mari -- sua fisionomia era de dor, mas pensava tão somente no bem-estar dos gêmeos. Não suportava pensar na possibilidade de perdê-los. Cerrou os dentes para não gritar, mas era difícil evitar.
Matias entrou na sala tomado de desespero e angustia, mas movido pela necessidade de ajudar a cunhada. Trouxe consigo uma cadeira de rodas e um enfermeiro, funcionário da empresa.
-- A ambulância já está aguardando -- disse o rapaz preocupado, notando que ela hesitava, em se levantar -- Vou ajudá-la a sentar na cadeira.
Apesar do clima agradável do ambiente, Yasmin tremia enquanto era transferida para a cadeira de rodas. As dores haviam começado, sorrateiras. No momento, havia pouco intervalo entre um acesso e outro.
-- Tenta manter-se calma, meu anjo, vou ligar para a Dani e pedir que ela volte com urgência -- Matias prontificou-se. Yasmin agradeceu com um sorriso fraco e lágrimas rolando pelo rosto. Estava com muito medo, com muita dor. Alguma coisa estava errada. Yasmin tinha certeza. Necessitava de Daniela ao seu lado.
Chamaram o segurança pelo rádio e ele saiu em disparada. Daniela deu uma risadinha debochada e caminhou até o elevador. Não havia ninguém na recepção. Foi mais fácil do que imaginara.
Pelo espelho do elevador, viu uma jovem alta e magra, com cabelos ruivos e longos. O vestido justo e de corte elegante, acentuava os seios perfeitos e a cintura de pilão.
-- Quem é você? -- ela perguntou rispidamente -- O que faz aqui, sem crachá?
Daniela deu de ombros.
-- Só estou dando uma olhada.
A ruiva olhou para ela irritada.
-- Aqui não é o zoo botânico, para você ficar dando uma olhada.
-- Ah! Não? Pensei.
-- Só entra quem estiver devidamente autorizado. Se não foi autorizada por mim, está invadindo.
-- Eu tenho um assunto a tratar com o senhor Lauro. Um assunto muito pessoal -- seus olhos azuis a fulminaram -- Estou esperando ele chegar.
As portas do elevador abriram e Daniela saiu sem dar a mínima importância a ruiva bonitona.
-- Não posso deixar você entrar sem ordem -- a mulher não desistiu -- Vou chamar os seguranças.
-- Que chata! -- Daniela caminhou até uma placa na parede, no final do corredor, onde estava escrito o nome de todos os diretores, e o número de suas salas.
Viu logo o nome de Lauro. O diretor-geral da filial. Daniela correu os olhos pelos diversos quadros de fotos fixados nas paredes. Apontou para uma fotografia de Yasmin e sorriu.
-- Minha esposa! Linda né?
-- Sua louca! Essa é a presidente da empresa -- a mulher pegou no braço da loira -- Vamos sair daqui antes que o senhor Lauro chegue.
-- Meu pai! -- disse Daniela, com um toque de orgulho, querendo impressioná-la com sua posição de filha do homem mais famoso da cidade -- Será que fui um pouco esnobe? -- Daniela tinha um tom debochado na voz.
-- Esse homem da foto é o fundador da Vargas -- balançou a cabeça inconformada -- Era só o que me faltava. Uma louca com mania de grandeza -- ela ficou muda olhando para o retrato. Seria verdade? Os olhos dela examinavam-na detalhadamente. Ela realmente se parece demais com o senhor Luiz Carlos, os cabelos loiros, os olhos de um azul vivo... -- Nunca ouvi falar de você -- ela disse receosa, tentando processar a informação recebida. Se fosse verdade, provavelmente, ela seria filha dele com uma das empregadas da família, consequentemente, herdeira natural do senhor Vargas.
-- Não é de admirar que eles não tenham comentado sobre mim -- Daniela disse zombeteiramente -- Ou você acha que eles amam o fruto do relacionamento do pai com uma agricultora local?
Havia um desafio malicioso no olhar de Daniela quando ela perguntou:
-- Ainda pretende expulsar-me daqui?
Um forte rubor cobriu o rosto da mulher, que sacudiu a cabeça ainda em dúvida.
-- Posso fazer de conta que não sei de nada? Esse emprego é o meu sustento e o sustento de minha família, se o senhor Lauro souber que permiti a sua entrada, vai me demitir na hora -- a moça estava indecisa diante de uma encruzilhada e não sabia qual decisão tomar.
-- Eu entendo -- sussurrou a loira, com um olhar terno e compreensivo, ao perceber o embaraço dela -- Saiba que eu poderia muito bem ter comunicado a minha visita. Com certeza vocês me receberiam com honras de chefe de estado e homenagens, mas não estou aqui para ser bajulada e muito menos para prejudicar as pessoas honestas e trabalhadoras -- olhou para a porta da sala fechada e riu -- Qual o seu nome?
-- Leonor -- respondeu a recepcionista.
-- Leonor, volte para o seu posto e faça de conta que está tudo bem. Vou aguardar o senhor Lauro em sua sala. Você não faz ideia como estou ansiosa em revê-lo.
Enquanto isso na recepção, Bianca tentava desesperadamente entrar em contato com Daniela.
-- Por favor seu segurança, eu preciso falar com a minha amiga. É urgente.
O homem deu uma gargalhada grossa.
-- Olha bem pra minha cara e depois me fala se está escrito: Idiota?
Bianca olhou séria e quieta para o homem, depois de alguns instantes percebendo que não teria sucesso, falou irritada:
-- Você vai se arrepender amargamente. Vou te colocar no olho da rua a ponta pés.
-- Escuta aqui sua... -- parou de falar quando viu Lauro atravessando o saguão da empresa com o semblante sério -- Acho melhor você e sua amiga caírem fora daqui, agora. O senhor Lauro é muito enérgico e não gosta de ser contrariado.
-- Minha amiga está lá dentro esperando por ele, acabei de receber uma ligação urgente de São Paulo. Yasmin, a presidente da empresa, acaba de ser levada para a maternidade. Daniela precisa saber disso.
Leonor olhou para Lauro entrando no elevador e caminhou até o balcão da recepção. Estava confusa e não sabia se estava entendendo direito a história.
-- O que está acontecendo Rodolfo?
-- Aonde você estava Leonor? -- perguntou o segurança com a voz alterada e um semblante zangado -- Não posso cuidar de tudo sozinho.
-- Estava distribuindo a correspondência...
Num rompante que assustou Leonor, Bianca segurou a mão dela.
-- Moça, eu preciso falar com a minha amiga. O celular dela está comigo e a Yasmin foi...
-- Espera um pouco... -- disse Leonor interrompendo Bianca -- Sua amiga é aquela loira de olhos azuis -- pensou bem antes de falar -- A filha do senhor Luiz Carlos?
-- O que? -- perguntou o segurança, surpreendido.
-- Essa mesma! -- Bianca apertou ainda mais a mão da recepcionista.
-- Está maluca, mulher? -- o grandalhão quase surtou.
-- Precisamos voltar para São Paulo, urgentemente! -- Bianca estava desesperada.
-- Vou providenciar o jatinho da empresa. No máximo uma hora, ele estará a disposição de vocês -- disse Leonor, pegando o telefone.
-- Não vou permitir que faça isso -- Indignado, Rodolfo esbravejou com a recepcionista.
-- Cala a boca, Rodolfo! O que eu deixo ou não deixo de fazer, você não tem absolutamente nada a ver com isso -- Leonor virou-se para Bianca -- Sétimo andar, última sala à esquerda. Ela está lá.
-- O que significa isso? -- Lauro perguntou da porta -- Como entrou aqui?
O tom raivoso fez Daniela escolher as palavras com mais cuidado. Queria colocar o calhorda em seu devido lugar, mas não dessa forma. Queria saborear cada expressar desesperada de seu rosto.
-- Calma, Lauro! Sente-se aqui e converse comigo. Relaxe um pouco.
Ele desabotoou dois botões do seu paletó e fechou a porta.
-- Quem é você? -- Lauro a estudou por um instante, e viu que ela estava tão segura de si, sentada no lugar dele, que suas pernas ficaram bambas -- Não vou sentar-me com você -- ele deu um passo para frente -- Vou repetir a pergunta: Quem é você?
-- Não lembra-se de mim? Então, vou refrescar sua memória com uma breve e triste história de Natal: Era uma vez uma menininha, que viu seu pai e seu cachorrinho serem assassinados durante a ceia de Natal...
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook:
[Faça o login para poder comentar]