Sam não tentou impedir. Muito pelo contrário, não resistiu. Não resistiria mesmo se quisesse.

Se há meses conversavam, há um tempo inominavelmente maior ansiavam pelo encontro, pelo sentir, pelo tocar, por se provar... Entretanto, nesses meses não imaginaram a intensidade do que sentiam, pois era novo para ambas.

Frases, gestos, reações, ações... Ainda que tivessem planejado, ensaiado, sonhado, mesmo assim estaria esquecido, pois a entrega era soberana, a fusão de corpos nada mais do que consequência, um completar, confirmar do que seus corações já sabiam, fariam, pela primeira vez em suas vidas... Amor.

No beijo em que se perderam, emoções e sensações novas, intensas, exigentes, como se ansiassem, se procurassem a vida toda. A blusa de Sam sendo tirada, o roupão de Laura aberto, o olhar, a descoberta... Reconhecer mais que conhecer. O caminho para a cama feito lentamente, corpos colados, coração em uníssono, roupas pelo chão, toques que levavam à vida, movimentos espontâneos, a busca em dar e receber prazer.

Enquanto a pizza esquecida em cima da mesa esfriava, seus corpos se uniam, se experimentavam, se deliciavam, descobriam um prazer novo, supremo. As marcas no lençol, na pele, não eram maiores que a marca que imprimiam uma na alma da outra.

***

Acordaram abraçadas, na mesma posição que acabaram dormindo.

- Bom dia... – sorriu Laura, acariciando os cabelos de Sam.

- Bom dia – respondeu com a voz preguiçosa. – Sua barriga tá ronronando faz um tempão.

- Ah é? Eu comi uma gatinha, é por isto...

- Ai Laura! – Sam se soltou e deu um tapinha no ombro dela. – Isto soou tão cafajeste!

Laura riu, obtendo um sorriso vitorioso de Sam.

- Ah, enfim... – beijou-a. – Posso... – beijou novamente. – Te agarrar – completou antes de um novo beijo.

- Pode. E deve... – respondeu também a beijando. E em seguida girou o corpo, ficando pronta pra sair da cama. – Nem precisa mais ficar de sacanagem em frente a cam... – correu rindo para o banheiro com um travesseiro voando em seu encalço.

- Palhaça! – mesmo sem ver, pressentiu que a outra sorria. – E isto não foi um

elogio! – desta vez pode ouvir a gargalhada, acabou rindo junto.

***

- Mas to com uma fome!

Laura comentou ao sair do banheiro, muito, muito tempo depois, seguida de Sam que enxugava os cabelos.

- Poderia rolar um café na cama...

- Eu adoraria... – falou com ar sonhador. – Acordar com café na cama, frutas, você apareceria dançando de odalisca, tirando os véus, depois dava uma pera, não, muito sem graça, um pêssego na boca, e eu partilharia este pedaço com você e a gente se amaria com loucura na...

- Acho que vou aprender a fazer café... – Sam falou, tirando Laura do devaneio.

- Ah, sabe não? – perguntou fazendo bico. – To até vendo o “poderia rolar”, comigo “rolando” mais cedo.

- Ah, sim! Exatamente como eu tinha pensado. Além do mais, você ficaria linda de odalisca.

Laura a abraçou por trás, olhando para o reflexo delas no espelho.

- Nós somos tão diferentes...

Sam sorriu.

- Eu odiaria ser sua irmã, acho que seria incesto, não é?

- Pelo menos nós teríamos vivido juntas até aqui.

- Daqui pra frente já tá bom pra mim.

- Céus! Já quer casar? – brincou Laura, saindo de perto.

- Não vou me esquecer que quem falou “a palavra” foi você – respondeu rindo. Mas de repente se lembrou de suas convicções. – Parece que foi em outra vida – falou para si mesma depois de algum tempo de devaneio.

O estômago de Laura voltou a se pronunciar, fazendo as duas rirem. Estavam rindo mesmo por qualquer coisa desde que acordaram. Partilhavam uma felicidade serena, entremeada com momentos de emoção aguda, que só aplacava com o contato, das quais as duas se descobriram tão sedentas.

Deram-se conta do quanto precisavam disso só quando puderam sentir. Todos os meses de ansiedade de repente se tornaram exigentes. Abraçavam-se com força, aspiravam os perfumes, respiravam o mesmo ar, como uma forma de uni-las de forma inefável.

- Pizza amanhecida é uma delícia! – Laura falou antes de dar uma imensa mordida, dispensando os talheres que Sam colocou à sua frente.

- Ainda mais esquentada no micro-ondas – Sam concordou. – Borracha com molho, perfeita.

Laura riu.

- Estava quentinha ontem à noite... – implicou.

- Você estava mais – retrucou. - Faz parte do meu show, meu amor – falou assim que desocupou a boca, lambendo os dedos e olhando com sua melhor cara de sem-vergonha.

- Ontem, nesse horário eu estava brigando com o Arthur...

- Ah, é? O que o almofadinha fez? – perguntou interessada.

- Se apaixonou por mim, odeia você, me odeia também, fez um escândalo na lanchonete... O básico – falou de forma banal, enquanto pegava outro pedaço de pizza, em contraste com a namorada que estava com o copo de suco a meio caminho da boca, tentando decidir se ela falava sério ou não.

- Ele enfim se declarou pra você?

- Como assim, enfim? – era a vez dela se espantar.

- Ele quer você há muito tempo! E isso é tão óbvio que eu percebi do outro lado do Atlântico – falou depositando o copo na mesa com força, o que não passou despercebido pela loira.

- Como é que você pode saber disso? – perguntou pegando em sua mão.

- Faro! Eu sei quando tem um rato rondando o meu queijo.

Em seus olhos, pela primeira vez desde que chegou, a lembrança de que não poderia ficar muito tempo por ali. Pensamento que não deixou permanecer, ainda não era hora de pensar nisso, mas que ao transparecer em seus olhos, ainda que por um átimo, causou uma ruga de interrogação em Sam.

- O quê? – perguntou Laura, sem saber o que era aquele olhar.

- O que te preocupou?

- Fotógrafos! Nunca perdem um instante!

- Não vai me falar, amor? – perguntou tão doce, que Laura se comoveu e a puxou para o seu colo. Olhou em seus olhos e decidiu:

- Lembrei dos meus pais, não avisei pra ninguém que viria pra cá.

Fim do capítulo