@mor.com por Carla Gentil
Capítulo 10
Virna que voltava do banheiro, assistiu de posição privilegiada a cena. Sam se
afastando toda feliz com o celular na mão, Arthur a seguindo com o olhar.
- Se você tivesse raios laser no olhar, não seria mais fácil de seguir... – disse perto do ouvido dele, ao se sentar ao seu lado.
- Se eu tivesse laser nos olhos, aquele telefone estaria em pedaços – respondeu também só para ela ouvir.
Virna se limitou a fazer um afago na cabeça do amigo e em seguida brindaram um chopp, silenciosamente, cada um perdido nos seus pensamentos, ambos olhando para Sam, que tinha acabado de se sentar na escada que ligava o quiosque à praia.
O telefone foi atendido quase imediatamente, quando começou a dar sinal.
- Parece que tem gente que anda com o fone grudado na orelha! – Sam brincou assim que ouviu o “OOOOI” comprido e sensual de Laura.
- Pura coincidência, eu nem estava ansiosa esperando ninguém ligar...
- Ah, então eu vou desligar e te deixar descansar...
- Imagina! Eu sou educada, você pode falar que te dou atenção – Laura falou, fazendo charme.
- Quanta bondade! Ah, está uma noite tão linda aqui, Laura! Apesar do calor estar de matar, tem uma lua cheia maravilhosa.
- Eu estou ouvindo barulho do mar, barulho de música... Desafinada! Que horror! Você está onde exatamente? Quem é que tá tentando assassinar seus ouvidos?
- Estou perto de casa, no bar que sempre venho. Adoro ficar sentada aqui fora, vendo o mar. Consigo viajar quando vejo uma paisagem dessas... Me dá uma sensação tão boa.
- Sam, olha para o nordeste, o mais longe que você puder.
Sam se levantou para olhar o mais longe possível.
- Estou olhando, o que tem?
- Daqui da minha janela dá para ver o mar também. E se eu olhar para o
sudeste...
- Só vai existir um oceano...
- Sim, sempre esse oceano no meio... Mas estamos olhando para o mesmo lugar, a mesma água, a mesma lua, que realmente está um escândalo... De alguma forma isso nos une...
Sam fechou os olhos e inspirou profundamente. Isto fazia sentido, se sentia unida a Laura através dos elementos que compartilhavam. E isto era uma sensação muito boa.
- Laura, o oceano não precisa ficar sempre no nosso meio...
- Não, ele não precisa... Mas no momento, não tem outro jeito.
- Lamentável isso! Mas, estou feliz! Você parece estar com uma voz mais tranqüila.
- E depois que falei com você tem como alguma coisa ter o poder de me deixar mal?
- Ah, mas é trovadora!
- E posso garantir que você ainda não viu nada! – falou rindo.
- Hum, vou desligar antes que você venha me falar da sua habilidade em ‘cantar’ e eu acho que não vou gostar de saber disto.
- Que é isto! Estou guardando todas as minhas cantadas pra você.
- Acho bom mesmo, palhaça!
- Ei, eu não posso falar das minha habilidades mas você pode me chamar de palhaça!
- E o pior é que eu sei que você gosta, deve ficar esperando...
- Gosto mesmo. Mas não vou te deixar saber disso!
- Tudo bem, eu não conto seu segredo... Hummmm, agora tenho que ir, tem uma turma de pessoas super animadas e barulhentas me esperando, sem contar nos ótimos cantores.
- Pobrezinha de você! Além de deixar de falar com a multi-habilidosa e deliciosa namorada, ainda vai ouvir aqueles assassinos de orelhas... Mas pode ir, prometo que um dia vou recompensar seus ouvidinhos.
- Você vai... Cantar no videokê? Foi isto que ouvi? – ouviu Laura puxar o ar para responder, mas falou antes. – Pera! Não quero nem saber! Prometeu vai ter que cantar! E eu não vou nem fotografar... Vou é filmar isto – falou rindo.
- Ai, como é que eu entro nessas roubadas, hein? – Laura riu também. – Mas vai, linda, aproveita a noite com seus amigos. E se algum deles tentar te agarrar, me conta que eu...
- O quê? – Sam perguntou divertida.
- Não falo... Seria muita violência para os seus ouvidos – ouviu o riso do outro lado, e sorriu também. – Boa noite, Garfield, se comporta, tá! Cuida bem do que é meu.
- Cuido sim. E você trata de descansar... O que é meu!
Sam ficou mais algum tempo olhando para o oceano, iluminado pelo luar. Fechou os olhos e respirou profundamente, ficando alheia ao burburinho. Uma sensação muito plena, foi o que sentiu. Não quis nomeá-la, não quis defini-la, nem dar contorno. Bastava sentir.
***
Ao voltar para a mesa, notou que apesar de todo o bar estar rindo, o clima não tinha melhorado entre seus amigos enquanto esteve fora, o humor de Arthur parecia ter se espalhado pelo restante do grupo. Limitavam-se a ouvir, totalmente constrangidos, Gabriel cantando a música “Garçon”, que tinha dedicado a um querido e delicado amigo, “que não veio hoje, viu gente, nem precisa olhar pra mesa em que eu estava”, conforme ele mesmo anunciou.
Gabriel se cobria de trejeitos no palco, tentando encenar o corno chorão da letra da música, fazendo todo mundo no bar rir muito. Quase todo mundo.
- Ele tá arrasando... – Sam comentou rindo.
- Ele tá é mostrando o imbecil que é! – Arthur replicou sem esconder a fúria. – Bem ele isso, um retardado querendo chamar atenção! Que vontade de encher de soco!
- Calma, Arthur – Andrea e Virna falaram ao mesmo.
– Não é com você, ele está só se divertindo – completou Virna, segurando no braço dele, sob o olhar pasmo de Sam, que se abaixou atrás dele e falou em seu ouvido.
- Vamos respirar um arzinho fresco ali fora?
- Agora você me chama? Por que não chamou antes? – respondeu agressivo.
- Vamos lá, meu Pit Bull mais lindo – ela segurou a mão dele e o forçou a se levantar. – Vem, antes que alguém venha te colocar uma focinheira. Que comportamento mais antissocial!
- Pegou por osmose! – ouviu alguém dizer, mas ao olhar para trás, com ar de poucos amigos, só viu expressões inocentes.
Ela o levou para a areia, em um lugar mais silencioso do que o que tinha ficado ao telefonar, era também mais discreto. Ficou em silêncio, dando tempo para ele respirar. Porém cometeu o deslize de olhar para o nordeste... E seu pensamento se perdeu por alguns segundos.
- O que é? Me trouxe aqui pra ficar quieta? Você nunca tem nada pra me falar, né? Quantas vezes você já me ligou no meio dos seus programas?
- Como é? De onde você tirou isso? – perguntou estupefata . – Você queria que eu te ligasse dos meus... Programas? E desde quando eu faço “programas”, cheirou Nescau e lambeu a latinha? – falou chocada com tamanho absurdo. Arthur tinha que estar muito alterado para falar algo assim.
- Programa sim! Você se comporta como o quê quando pega uma menina num dia, um cara no outro, outras duas depois? Você não se dá ao respeito não vem me regular, tá bom! Se é assim que você se comporta, é assim que vou falar...
Sam não conseguia acreditar no que estava ouvindo. Diante dos seus olhos, a beleza cristalina da noite estava se rachando, estilhaçando. Sentiu... Tantas coisas ao mesmo tempo, que se atordoou, deixou seu corpo cair na areia, enquanto tentava absorver as palavras que continuavam jorrando da boca de Arthur, sílabas amontoadas que ela tinha parado de tentar conectar, entender o sentido.
Não percebeu quando Virna, Andrea e Gabriel se aproximaram, quando elas o fizeram calar e se afastar. Só sentiu o abraço reconfortante de Gabriel, que se aconchegou a ela e a embalou até que parasse de chorar.
Não eram apenas as palavras de Arthur, mas toda a forma como ele havia falado, os gestos... O ódio. Um rancor incontido, rompendo uma represa que há muito tempo armazenava frustrações barrentas e devastava tudo ao seu caminho.
E Sam era o caminho, ela se sentia exatamente assim, devastada, suja com uma lama envenenada que demoraria muito pra ser limpa. Jamais tinha imaginado que ele tivesse tanta mágoa acumulada. Ele, que sempre foi seu melhor amigo, que frequentava sua casa e a de sua família, de repente se mostrava todo julgamento, todo apontar de dedos.
- Vem, Sam, vamos pra casa, vamos – Gabriel a ajudou a se levantar, mantendo-se muito próximo. – Hoje você vai poder sentir que delícia que é andar me abraçando. Poucos bofes e nenhuma mona já teve este privilégio...
Antes de ir para casa, um último olhar através do oceano... “Queria tanto que fosse você...”.
Fim do capítulo
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Suzi
Em: 16/05/2017
Uma pena o Arthur deixar chegar a esse ponto a frustração dele com a Sam, se ele manteve durante tanto tempo sentimentos por ela e nunca falou ou deu uma brecha para falar sobre o assunto isso é problema dele. Que engula.
É horrível ouvir? de alguém que você se preza tanto coisas tão bárbaras e baixas.
Carla, infelizmente podemos passar por situações assim, mas temos? sempre que ter fé e esperança que pessoas melhores e maravilhosas cruzarão nosso caminho.
Bj no coração,
Suzi
Resposta do autor:
Verdade, Suzi. Quantas vezes não nos decepcionamos com alguém para logo depois da curva nos surpreendermos com outro alguém, não é? Como já dizia o Milton "e assim chegar e partir são só dois lados da mesma viagem".
Beijins
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Monica Franca
Em: 16/05/2017
As vezes as pessoas perdem a medida assim na vida real.
E é bem complicado conviver depois.
Resposta do autor:
Pois é. Quando escrevi essa história tinha muito mais fé no perdão e esperança nas pessoas do que tenho atualmente. Hj não sei se faria a Sam conversar com ele de novo.
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