Prorromper: brotar, estourar, começar.
Capítulo II - Prorromper
O dia amanheceu chuvoso, o que fez com que Laura se levantasse da cama mais tarde que o costume. Preparou um café em cápsula em sua máquina e tomou lendo o jornal. Ligou para o pai, Daniel, um senhor de 56 anos, muito jovial e ativo. Almoçou com ele e a irmã, Karla, e conversaram bastante. Deu a camisa ao sobrinho Bernardo, de 12 anos, que ama basquete. Comprou achando a cara dele.
Às 15h foi para casa, tomou um banho calmo, vestiu uma roupa casual, pensando que serviria tanto para irem a um restaurante mais sofisticado, como para um lugar mais simples ou uma balada, já que Mariana não havia dito qual local iriam.
Vestiu uma blusa preta colada de alças finas, uma camisa jeans azul de botões por cima, levemente clara e solta, com as mangas dobradas no cotovelo, uma calça jeans branca de strech, marcando suas curvas e um mocassim de couro marrom.
Laura chegou ao posto às 17h20, no intuito de tomar um café e pagar o devido débito.
- Olá, boa tarde! – disse a médica entrando na conveniência olhando pra Mariana e sorrindo.
- Boa tarde, Laura! Tudo bem? – disse a loira saindo de trás do balcão em sua direção
- Tudo bem sim, e você? – disse Laura segurando na cintura de Mariana.
As duas deram dois beijinhos no rosto e se afastaram. Laura descobriu que aquele perfume que sentiu no dia anterior era sim o de Mariana.
- Tudo mais ou menos.
- Mais ou menos? O que houve? – indagou Laura já pensando que Mariana iria desmarcar o encontro.
- Minha mãe teve de ir embora de 16h30 pra pegar as crianças que foram liberadas mais cedo da escola, e esqueceu de tirar minha mochila com a roupa que eu iria trocar aqui depois de um banho.
- Hum, entendo. Vem cá... – falou a morena se aproximando da loira
Laura afastou os cabelos de Mariana, que desta vez estavam soltos, para trás e cheirou o lado do pescoço à mostra, sem encostar. Mariana se arrepiou com o movimento das mãos de Laura em sua nuca, mas fingiu que nada aconteceu.
- Eu não acho que você precise de um banho.
- Não, Laura. Eu tomei banho quando saí de casa, umas 7 horas da manhã, por favor, né!
- E qual é o seu plano?
- Você me leva em casa, eu tomo um banho rápido e saímos.
- A senhorita quer que EU te dê uma carona até a sua casa para você tomar banho e se arrumar para sair comigo enquanto levo um chá de cadeira? – indagou em tom de brincadeira
- Sim, eu quero que você me leve em casa para um tomar banho, pois você está linda e perfumada, e não vou sair desse jeito com você.
- hahaha. Ainda não me convenceu. – disse cruzando os braços e sorrindo
- Bem, eu não tenho chá de cadeira pra oferecer lá em casa, mas tenho café. Pode ser?
Laura cerrou os olhos levemente fitando aqueles olhos verdes que estavam mais brilhantes que no dia anterior e concordou com a cabeça.
Mariana se apressou para detrás do balcão, digitou algo no computador e disse a Laura para inserir o cartão. Laura viu o valor e percebeu que ali estava apenas a gasolina
- O valor está errado.
- Não, está correto. O café e os pães foram cortesia da casa.
- Assim você vai me deixar mal acostumada.
Mariana olhou nos olhos de Laura sorrindo e empurrou levemente a maquininha.
- Vamos. Quero fechar meu caixa mais cedo para não me atrasar com você.
Enquanto Mariana fechava o caixa, um rapaz entrou na loja e se dirigiu para detrás do balcão. Ela passou algumas instruções, se despediu dele e entraram no carro de Laura.
- Então, para onde vamos?- a morena perguntou assim que entraram na estrada.
- Primeiro para o meu apartamento. Fica a 5 quadras do Hospital Público da cidade. – respondeu Mariana
- Certo. – disse Laura e ao mesmo tempo lembrou que no domingo terá um plantão de 12 horas lá, bem próximo ao apartamento de Mariana, e continuou – mas você ainda não me disse aonde vamos.
- Bem, pensei em irmos ao restaurante de um amigo meu, próximo à praia, que tem um ambiente maravilhoso e comida deliciosa.
- Hum, já gostei.
Elas seguiram escutando uma rádio que tocava MPB, conversando sobre as musicas, o transito, a formação profissional de cada uma, dos casos curiosos que tiveram em suas áreas. Parecia uma amizade de reencontro, tipo aquelas pessoas que eram amigas na adolescência e que anos depois se encontram para pôr a vida em dia.
Ao chegarem no endereço informado por Mariana, , a loira pediu para posicionar o carro em frente ao portão do prédio para entrarem. Laura abaixou o vidro do seu lado, e Mariana se esticou sobre o seu colo, apoiando-se no banco de Laura, encostando na lateral de sua coxa e se identificou ao porteiro. Laura sentiu o perfume de seus cabelos, imaginando o quão macios pareciam ser.
Mariana indicou uma das vagas dela na garagem, desceram do carro e subiram caladas.
Na entrada, assim que abre a porta, do lado direito, há um grande baú de madeira que servia de aparador, com um bowl de inox todo trabalhado, com bolas de silicone dentro onde Mariana jogou a chave assim que trancou a porta.
O apartamento era visualmente espaçoso, de paredes brancas e piso laminado imitando madeira, com uma mesa de vidro à esquerda, mais á sua frente um sofá cinza, voltado para a TV e uma rede próxima à varanda.
- Vem cá. – Mariana puxou Laura pela mão direcionando-se para a cozinha do lado esquerdo da sala. Vc já tomou café nessa máquina?
- Já sim. Tenho uma em casa.
- Então sinta-se à vontade. Aqui em cima está tudo o que precisa - Mariana seguiu apontando - as capsulas, o açúcar, as xicaras, colher. Naquele armário tem uns biscoitinhos se você quiser. O controle da TV está na mesa de centro em frente ao sofá. Fique a vontade. Sério!
- Pode deixar. Pare de enrolar e corra.
- Prepare o seu café e o tome na sala assistindo TV. É o tempo que ficarei pronta.
Mariana saiu da cozinha apressada e entrou em seu quarto, deixando a porta aberta.
Laura seguiu as instruções de Mariana e o fez bem calmamente, pois já estava com ela e era só isso que importava.
Assim que o café ficou pronto, seguiu para a sala, ligou a tv nas noticias internacionais e se direcionou para uma janela que ficava entre o sofá e o aparador, puxando as cortinas. O apartamento ficava em uma rua sem saída e a vista dava para uma reserva ambiental. Sobre o aparador havia porta-retratos com fotos da loira de beca; com as crianças, só que mais novas; uma com um senhor, que julgou ser o pai por estar ao lado de dona Lúcia e uma com aspecto antigo, de duas crianças loiras rindo em uma praia.
A morena ouviu o chuveiro desligando no final do corredor. Observou que ali era o quarto de Mariana. Caminhou até a ponta do sofá, onde dava pra ver a entrada do quarto, visualizando um criado mudo com um abajur e alguns livros empilhados, e sentou-se apoiando a xícara no centro de mesa. Olhou para o relógio e contou mentalmente que haviam chegado a exatos 8 minutos.
Laura ficou passando os canais, procurando nada específico, só para matar o tempo, quando Mariana saiu do quarto com os longos cabelos loiros para o lado, colocando um brinco e de maquiagem discreta, mas com um batom vermelho intenso. Estava vestida com uma blusa de alça na cor bege, em tecido de seda, visivelmente sem sutiã, calça jeans azul escura, um salto alto na cor preta, uma bolsa pequena e um cardigã preto e longo, pendurado no braço.
As notas florais com o toque amadeirado do perfume da loira, recém passado, inebriou o carro de Laura. Mariana indicou o caminho e ao chegarem ao restaurante parou em frente, dando o carro ao manobrista. Mariana havia reservado uma mesa.
Ao sentarem, Laura pediu uma tônica e Mariana uma água com gás. Também pediu ao garçom para avisar ao seu amigo que estava lá.
Laura estava comentando com Mariana que o local que escolhera era lindo. A iluminação do ambiente não era muito forte e as paredes de cor escura davam um toque aconchegante e romântico ao lugar. De repente, Laura sente uma mão em seu ombro e escuta em seu ouvido:
- Não acredito que essa sapatão está aqui.
Laura virou-se de imediato na cadeira e viu o chef Pedro, reconhecendo seu ex-colega de sala;
- Não acredito que é você, Peu! – exclamou Laura se levantando e dando um abraço no chef
- Há quanto tempo, querida! – continuando num abraço apertado – pensei que nunca mais ia te ver depois que você roubou minha namorada. – falou rindo
- Querido – disse rindo e se afastando para olhar para a cara de Pedro - ela quem me procurou enquanto namorava com você e deste detalhe eu nem sabia.
Os dois riram e deram outro abraço.
- Olhe, vou logo avisando que essa daí tem uma queda por você desde o colégio – Pedro falou no ouvido de Laura de forma que Mariana não escutasse – e se afastou piscando o olho.
- Ei, quero saber se não vai falar comigo. – falou a loira se levantando
- Com você eu falo todo dia, boba – dando um abraço na loira – deixe de ser ciumenta. – completou dando um beijo em seu rosto.
Pedro pediu que sentassem e falou:
- Como é a primeira vez de Laura aqui, quero fazer meus melhores pratos.
- Eu não tenho esse tipo de tratamento. – falou Mariana fingindo uma cara de chateada, sorrindo.
- Pare de reclamar que está tendo agora. - disse Pedro à Mariana - Eu escolho os pratos e vocês só apreciam. Se não gostarem, não pagam.
- É por isso que está rico – disse Mariana rindo para Laura - ele fala isso porquê sabe que ninguém devolve os pratos dele.
Os três riram.
- Então, Laurita, você tem alergia a crustáceos, amêndoas e outras coisas? – perguntou o chef
- Não mesmo! Fique à vontade.
- Trarei os pratos das duas iguais. A Mari não gosta de coentro, nem de pimentão – falou Pedro revirando os olhos.
- Eu também não. – disse Laura dando um sorriso amarelo.
- Ai, duas chatas! – falou se virando e chamando um rapaz atrás do balcão – Meu amor, traga aquele vinho branco de colheita tardia, por favor.
Pedro se despediu e desejou um bom jantar.
- Não quero que ninguém nos perturbe – disse Laura abrindo sua bolsa para colocar o celular no modo silencioso.
- Eu avisei ao Pedro que viríamos. Não sabia que a bicha se empolgaria tanto. – disse a loira sorrindo
- Bicha?? – Laura exclamou baixo, controlando a voz de tão surpresa que estava.
- Sim, quando ele saiu do colégio se assumiu. Aquele rapaz que ele chamou é o noivo dele, Jerome. Conheceram-se na França, quando Pedro foi fazer o curso de gastronomia lá.
- Ainda estou pasma – foi interrompida por Jerome que serviu o vinho e ao final o agradeceu.
As duas brindaram e deliciaram-se com o sabor do vinho.
- Então, nós já conversamos sobre nossas vidas profissionais, temos gostos em comum, mas eu gostaria de saber mais sobre a parte pessoal – disse Laura tomando um gole do vinho.
- Hum, e o que você quer saber? – indagou Mariana apoiando a taça sobre a mesa.
- Sou muito curiosa, certo? - disse apoiando os dois braços sobre a mesa para chegar mais perto de Mariana – quero saber sobre seu casamento.
Mariana sorriu.
- Bem, eu a conheci na faculdade. Estudávamos na mesma sala, namoramos por 2 anos e assim que nos formamos, nos casamos com direito a festa, papel timbrado, enfim tudo.
- Hum, então no caso foi uma mulher. – disse Laura tomando um gole.
- Você achou que era um homem? – disse Mariana surpresa
- Achei sim. Ontem você não especificou o gênero quando falou.
- Foi mesmo. Mas você não percebeu nada?
- Como assim?
- Sei lá... no meu jeito ... seu radar não apitou ou algo do tipo?
- Não mesmo. Meu radar está quebrado faz um bom tempo. – disse rindo - Passei por uma situação constrangedora a um bom tempo e agora não sei mais quem é hetero, se é paquera ou só amizade, aí acabo me iludindo.
- Hum, conte-me mais – disse a loira tomando um gole de vinho e se apoiando na mesa também pra ficarem mais próximas, interessada no assunto.
- Não! Termine o que você começou. Depois falo de mim.
- Ok. Você quer saber o quê? O motivo do término, exato?
- Isso – disse levantando a taça à boca enquanto o garçom colocava sobre a mesa a entrada com pães caseiros e creme de queijo roquefort.
A loira falou sobre seu casamento desgastado por conta da sociedade no escritório de advocacia. As contas da empresa não batiam, ficavam mais tempo no escritório que em casa, depois a outra começou a passar mais tempo lá do que devia. Ela desconfiou e em um fim de semana, que a outra saiu de viagem a negócios, foi no escritório e descobriu pelo livro caixa, desvios de dinheiro, passagem comprada para duas pessoas enquanto ela sabia que só uma pessoa iria viajar. A esposa estava se envolvendo com uma de suas estagiárias. O ponto culminante foi ver, através de uma rede social, que a garota postou uma foto no mesmo lugar que a outra estava, só que em ângulos diferentes.
- E isso faz quanto tempo? – perguntou Laura
- Um ano e alguns meses, quer dizer, um mês depois que descobri, pedi o divorcio. Demorei a pedir, pois não queria acreditar. Tinha muita coisa envolvida. Com muita luta, 3 meses depois ela assinou os papeis. Como éramos casadas em comunhão total de bens, demorou mais 6 meses para me livrar de vez dela.
Laura olhou com ternura para Mariana e disse:
- Ela deve ser louca. Só pode. Eu não deixaria uma mulher como você. – e segurou na mão dela.
Mariana ruboresceu e rindo de vergonha, pôs a taça de frente à boca e disse que agora era a vez de Laura. Foram interrompidas pelo garçom que trouxe o prato principal, separando suas mãos:
Agradeceram, experimentaram e adoraram.
- Esse prato o Pedro nunca fez pra mim. É divino! – disse a loira
- É muito bom mesmo! Logo eu que amo frutos do mar. – disse direcionando o garfo à boca.
- Certo, agora me fale de você. – disse Mariana querendo voltar o assunto para Laura
- Ai, a comida está tão boa que não quero estragar esse momento. – disse a morena sorrindo e comendo outra garfada.
- Não me venha com essa! Não fuja do assunto. Eu falei sobre mim e quero saber sobre a sua vida pessoal também – falou a loira com cara de chateada
- Calma, bonita. – Laura sorriu, largou o garfo e acariciou a lateral do rosto de Mariana, descendo do lóbulo da orelha ao queixo – Vou falar tudo. – e tomou um gole do vinho.
Laura contou que namorou duas pessoas desde a saída do colégio. A primeira durou 3 anos e terminaram amigavelmente quando a outra viajou pro exterior para terminar a faculdade de medicina, e que era a tal ex-namorada de Pedro. Depois dela, quando estava na residência em clínica médica, se envolveu com uma mulher mais velha, que era sua professora. Passaram um ano num relacionamento sem acordo, se encontrando às escondidas para o restante dos alunos e professores não descobrirem. Não houve um pedido de namoro oficial, e como havia dito antes, foi iludida. A mulher era casada com um homem e só descobriu quando esta pediu demissão do hospital. Simplesmente sumiu. Ao perguntar ao grupo de amigos que tinham em comum, disseram que era porque estava grávida do homem.
Mariana olhou nos olhos de Laura e disse:
- Entendi agora o radar falho.
- Pra você ver como não tenho sorte. - disse Laura sorrindo e limpando a boca com o guardanapo de tecido que estava sobre seu colo.
- A sorte chega quando menos se procura. – disse Mariana sorrindo e tomando o ultimo gole de vinho.
Laura sentiu as mãos geladas. Ficou nervosa com a resposta da loira e não soube o que dizer. Apenas sorriu de volta.
- Vou ao toalete. Volto já – disse Mariana e se levantou.
Laura aproveitou a ida da loira ao banheiro para checar o celular que vibrou há alguns minutos atrás. Era uma mensagem de texto.
Laura leu, parou um pouco para assimilar o teor da mensagem e pensou no que teria de fazer naquele momento. Imediatamente se levantou e foi ao banheiro à procura de Mariana. Quando entrou viu a loira retocando o batom vermelho.
- Mariana, preciso ir embora! – disse entrando no banheiro de supetão.
Fim do capítulo
Quem será que enviou a mensagem?
E por que tão apressada para ir embora?
Quinta-feira, no novo capítulo!
;D
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