@mor.com por Carla Gentil
Capítulo 5
Assim como Eduardo e Mônica, Laura e Sam passaram a conversar todo dia e a vontade crescia como tinha que ser...
Visitavam com frequência o perfil da outra no Orkut e, não raro, alfinetavam-se pelas mensagens que liam nas páginas de recado. Uma brincadeira, não tão brincadeira assim, de ter ciúmes.
As conversas no MSN começavam a adquirir um tom mais apimentado, as brincadeiras e provocações, confidências que escapavam, conversas sérias nas quais buscavam se compreender, conhecer-se.
Para Sam, tratava-se também de autoconhecimento. Laura tinha o dom de cutucar suas feridas, de fazer com que ela percorresse o pedregoso caminho das suas muralhas, olhasse no seu interior e encarasse de frente as pedras das quais sempre desviou, fingindo que não a machucavam.
Jamais havia imaginado que chorar a morte de sua mãe, depois de tantos anos, poderia trazer um alívio tão grande... Ou que segurar uma resposta cortante pudesse fazer sua noite ser mais alegre.
Entretanto, nem todas as lições seriam absorvidas com tanta simplicidade. Confiar completamente nas pessoas ainda não era algo que a seduzia. Imaginava se algum dia seria capaz de se por nas mãos de alguém.
Um dia tinham conversado sobre isto no MSN:
Laura: vc conhece a história do Charles Blum?
Sam: nops... deveria?
Laura: não, nem todo mundo é como eu, além de linda, uma enciclopédia ambulante ;)
Sam: linda, culta e o ápice em modéstia, não se esqueça
Laura: Ah, sim, tem isto tb. Enfim, o Charles Blum foi um oficial paraquedista americano na guerra do Vietnã, que foi capturado, depois voltou como herói e deu várias palestras falando sobre a experiência de quase morte, como isto muda uma pessoa. Um dia ele encontrou com o cara que dobrava o paraquedas dele, e ele nem lembrava do rapaz...
Sam: pressinto que tem alguma moral da história pra eu captar...
Laura: Genial, minha aprendiz de feiticeira! E pra não cansar seu cérebro loirinho, eu explico... Vc já imaginou o quanto de confiança a gente tem que ter em pessoas que nem conhece? Qtas pessoas passam pelo nosso dia e interferem diretamente na nossa sobrevivência e nem nos damos conta disto...
Sam: então, sua morena brilhante, eu sempre trato os garçons muito bem, nunca se sabe o que fazem nos pratos de quem é chato com eles... Mas confiar? Acho que eu mesma dobraria o meu paraquedas...
***
Porém, começava a confiar em Laura.
Resolveu que se tinha que começar por algum lugar, começaria por ela. Tinham muita coisa em comum, mas existia, acima de tudo, uma empatia difícil de explicar. Laura simplesmente parecia a ver como ela era, não como se mostrava. E ser vista assim, sem máscaras, era surpreendentemente confortável.
Saber que em algum lugar do mundo existia alguém que tinha uma fé gratuita nela, a fazia sentir mais carinho por quem estava próximo. Se ainda não conseguia fechar os olhos, já não se armava para uma guerra a cada vez que saía de casa.
Seu comportamento com os outros beirava a simpatia. Só beirava, pois anos e anos de construção de uma imagem propositalmente feita para ser repelida, não seria transformada do dia para a noite. Nem ela queria isso.
Tinha se acostumado a aceitar os limites que o muro que ela mesma construíra impunha. Seu alívio vinha de dentro, da qualidade do que sentia. Já não era mais formada apenas de mágoa, cinismo e gelo.
Com o tempo, o resultado desta mudança interna, transpareceu nas atitudes dos outros. Ela recebeu um convite muito espontâneo para ir à festa surpresa para Andréa, que seria feita na casa de Arthur. E ele nem ao menos precisou chantagear alguém para que a chamassem...
***
“Oxe! Queimou!”, Laura deduziu após aspirar profundamente assim que o elevador parou em seu andar. “Alguém perdeu o jantar”, concluiu ao colocar a chave na porta de seu apartamento.
Equilibrando as sacolas com o refrigerante e os “pan de higos”, sua sobremesa, abriu a porta e foi recebida por uma nuvem de fumaça.
- Raios! – gritou, jogando as sacolas no chão. – Esqueci a lasanha no forno!
Correu para a cozinha, desligou o fogo e abriu as janelas da casa para ventilar. Quando juntou coragem suficiente, abriu a porta do forno.
- Torradinha! Judiação! Tão linda que você estava – falou para... A lasanha. – Nem Garfield te comeria agora, sabia? E eu passei horas te preparando com carinho!
Indignada, calçou a luva e tirou a assadeira do forno, com a massa enegrecida ainda exalando fumaça.
- Ela vai numa festa hoje... – continuou o monólogo com a lasanha. – E eu tinha só você de trunfo, era a minha arma secreta. Agora virou uma arma mesmo, quero ver... – falou fazendo uma careta de força tentando tirar as partes grudadas do fundo. – Alguém te tirar daqui! Ainda bem que trouxe doce, senão ia...
Lembrou então das sacolas jogadas na sala e correu para lá. O refrigerante tinha amassado o doce completamente.
- Oh, dia cruel!
***
Sam preparou alguns painéis com belíssimas fotos de Andréa e Virna para presenteá-las e compor o cenário da festa. Um último olhar de artista exigente sobre seu trabalho a fez reparar que buscara momentos de carinho, cumplicidade, troca de olhares.
"Por que isto, agora?", seu hábito de fugir dos pensamentos inquisidores não foi mais rápido que a resposta que se deu. "Eu quero algo assim para mim".
Surpresa e disposta a não pensar muito sobre o assunto, resolveu ir mais cedo para a casa de Arthur e ajudar com o restante dos preparativos.
- Oi Sam! Estava te esperando para mais tarde – admirou-se Arthur, após ganhar um beijinho e um apertão na bochecha.
- Resolvi vir antes. Sua mãe não está por aqui?
- Não, ela foi viajar. Acha que eu posso dar a festa como?
- Sem comentários, Arthur! Já te disse que você não deveria estar dependendo dela ainda. Mas isso é um problema só seu - notou que o amigo tinha fechado a cara e, por não estar disposta a discutir, mudou o rumo da conversa. - Você não pode fazer a gentileza de me ajudar com os painéis? Estão no carro.
- Oi, Gabriel! Que bom que tem outro homem forte por aqui, você pode nos ajudar? – Sam falou, dando um beijinho nele.
- Fazer o quê? - respondeu o rapaz fazendo bico e balançando uma longa cabeleira imaginária. - Como diz a Andréa: “homem é bastante útil na hora de trocar lâmpadas, gás e carregar coisas”! Um dia eu ainda vou participar da revolta das cuecas e vamos ficar livres da ditadura feminina.
- Isto quer dizer que você ajuda ou não? - Sam perguntou já abrindo a porta para ele.
- Isto quer dizer, princesinha, que você pode ficar ai que os machões dão conta do recado.
- Já que você insiste! – Sam falou rindo, indo ver como estavam os preparativos.
Chegar mais cedo havia sido providencial. O pessoal, um grupo de seis amigos, tinha se reunido há algumas horas, mas ficaram com fome e fizeram um churrasco, que deu sede e fizeram caipirinha, que deu sono e foram descansar.
Enfim, não só não tinham produzido nada, como ainda tinham deixado a maior bagunça.
Sam aproveitou sua gloriosa fama de autoritária para distribuir tarefas, que não foram questionadas. Encarregou-se dos enfeites e em pouco tempo estava tudo preparado, faltando apenas o gelo que Gabriel foi buscar, obviamente recitando seu mantra da ditadura feminina.
Às oito em ponto, Virna chegou arrastando Andréa pela mão, que imaginando o que a esperava, fazia charme. Entretanto, quando entraram, ficaram as duas boquiabertas. A sala toda enfeitada com os painéis de ambas, alguns balões espalhados, uma mesa muito requintada posta, arranjos de flores. Foi preciso que Ângela e Juliana fechassem a boca delas, para que voltassem à Terra.
- Nossa! Achei que a surpresa era só pra Andréa! Que lindo isso, Sam! – falou Virna, ainda segurando na mão da namorada. - Estas fotos são magníficas!
- Olha só! Até eu fiquei bonita! Como é que você consegue fazer estas mágicas!
- Além de serem boas modelos, o amor de vocês transborda. Foi muito fácil, para ser franca.
A gentileza nas palavras, representadas com sinceridade nas fotos, comoveu as amigas, que pularam no pescoço dela, dando beijinhos.
- Ah, não abusa! Eu ainda sou a Sam, lembram? – falou Sam, que na verdade estava mais comovida do que gostaria de admitir.
Depois do jantar, Sam pediu para Arthur para usar o computador dele, argumentando que não tinha falado com Laura ainda e queria contar da festa a ela.
Se esperasse chegar em sua casa, estaria muito tarde na Espanha. "E eu não aguento ficar um dia sem falar com ela?! Que desespero é esse?", ela pensou, em um quase eco ao pensamento de Arthur.
- Pode usar, mas você vai acabar viciando nisso. Acaba com a vida social esta coisa de internet.
- Não estou viciada, cabeção! Só falo com a Laura. Ai, net discada! Ninguém merece!
Sam não conseguiu decifrar o olhar que recebeu de Arthur. Ele terminou de fazer a conexão e saiu do quarto, mas voltou para dizer que a mãe dele iria ligar e então ela não poderia demorar muito.
- Tudo bem, Tio Patinhas. Dez minutinhos, só.
Ele só assentiu e fechou a porta.
- Com coisa que ela não sabe o número do celular dele - resmungou para si mesma. - Homens, bah!
Logo que entrou na Internet, viu que Laura estava online. O nick "Laura - jogada às moscas”, fez Sam rir. Ainda mais quando leu o recado do subnick: “comendo lasanha, SOZINHA”. Nem bem havia entrado e a janela já estava aberta.
Laura: Já acabou a festa?
Sam: Não, nós estamos aqui ainda
Laura: Ah, então você não vai poder ficar muito comigo
Sam: Pobrezinha! Sua lasanha está tão ruim assim que todos fugiram?
Laura: Minha lasanha ta ”ÓTIMA, ficou bem assadinha, nada de molho lambuzando, perfeita! E depois eu tenho um doce em pó simplesmente DI-VI-NO!
Sam: quase sinto inveja de vc... Está sozinha mesmo? Onde estão aquelas espanholas espaçosas, as suas vizinhas que ficam mais aí do que na casa delas?
Laura: Foram viajar com a família. Algum problema de família pelo que parece
Sam: Entendo... Se não fosse isto, elas estariam ai com você, não é?
Laura: Talvez, quem sabe :)
Sam: E eu achando que você estava sentindo a minha falta!
Laura: Pensar em vc enquanto trabalhava na lasanha, serve?
Sam: Se as calorias ficarem todas com você, serve sim
Sam: Hum... Laura, vou até a sala, volto em um minuto, está bem?
Laura: >.<
Laura: como se eu tivesse opção¬¬¬
Sam apenas riu do mau humor da outra e foi procurar Arthur na sala, ia dar um jeito de desocupar a linha telefônica dele.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Monica Franca
Em: 14/05/2017
Amando novamente...quero mais!bjos
Resposta do autor:
Obrigada, Mônica! Estou só revisando, vou postar dois ou três capítulos por dia e loguinho já está inteira por aqui :-)
Bjins
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