Laura chegou em casa tarde da noite e tudo o que conseguiu fazer foi tomar um belo banho e tirar a areia que parecia estar por todos os cantos de seu corpo. Queria conferir seu orkut, ver se Sam tinha respondido seu scrap.

 

Ela tinha perguntado o porquê do status ”entusiasmada” em seu perfil e se

estava rouca, mas Sam saiu pela tangente, respondendo um evasivo e paradoxal “não vou responder”. Laura achou graça, queria cutucar mas estava tão cansada que só no dia seguinte foi se conectar.

 

Depois da corrida matinal – que fez escoltada pelas duas espanholas mais novas – teve que sair para fazer compras para sua casa, as poucas coisas que comprou quando desembarcou já estavam acabando.

 

Como Lupe e Su a acompanharam, acabou gastando mais tempo que o previsto, já que as amigas quiseram passar pelo Mercado da Pedra para comprar uma moringa de barro para o pai. Como estavam lá mesmo, aproveitaram para comer as famosas ostras, das barracas de pedra. Vigo era uma cidade belíssima e, apesar de muito menor que a sua Recife, ainda não conseguira entediá-la.

 

Enfim, já no meio da noite, quando as vizinhas voltaram para sua casa, Laura se acomodou no sofá para conferir seus recados. Viu que Sam tinha deixado um scrap, pedindo para conversar à tarde.

 

Olhou seu relógio e notou que já estava muito atrasada, mesmo assim, resolveu tentar. Nem percebeu seus lábios se alargando em um sorriso ao ver a luz verde à frente do nome “Sam” no MSN. Imediatamente abriu a janela de conversação.

 

Laura: Boa noite, Sam :)

Sam: Boa!

Sam: pq vc perguntou se eu estava rouca?

Laura: vc foi cantar ontem

Laura: em cima do muro... pra lua

Sam: palhaça! pagar micos não é o meu forte.

Laura: ah não? Que tipo de bicho vc gosta de pagar?

Sam: kkkkkkk

Sam: Sereias... leões

Laura: Leoas não?

Sam: Hum... Pra falar a verdade, eu pego o que é mais prático para cozinhar...

Laura: :oooo

Sam: vou ter que explicar isto?

Laura: vai sim, quero ler isto por extenso.

Sam: Ai, ai... Lá vai, então. Eu não corro atrás de ninguém, não vale o esforço, geralmente. Se noto que tem alguém interessado em mim e se acho que vale a pena dar alguns minutos do meu tempo, então, deixo rolar

Laura: sem dó nem piedade

Sam: é, simples assim

Laura: vc nunca se apaixonou?

Sam: eu??

Laura: não, o gato com quem eu to conversando

Laura: por falar nisto... Vc não pode por uma foto aí? Fica difícil continuar falando com um gato

Sam: vc tem certeza que quer fazer isto? Eu não posso garantir sua paz de espírito depois

Laura: :/

Laura: vc colocou foto da Renée O'Connor!

Sam: está louca??

Sam: eu sou muito mais jovem!

Sam: E incrivelmente mais sexy! =]

Laura: Hum! É vc mesmo?

Sam: claro

Laura: Ai, meu Deus! :o

Laura: vc sabe o q isso significa?

Sam: que eu sou linda e carismática? ;-)

Laura: não!

Laura: quer dizer, é. Mas não é isto! Nós estamos fadadas a nos apaixonar!

Sam: O.o

Sam: Coitada, enlouqueceu! Eu avisei que causo este efeito, vc nem pode me culpar :P

Laura: nunca leu fics? A sósia da Lucy e a sósia da ROC sempre se apaixonam!

Sam: kkkkkkkkkkk

Sam: vc tem cada uma, Laura! Eu não me acho parecida com a ROC... E onde é que vc arruma tempo pra ficar lendo romances na internet?

Laura: não adianta querer mudar de assunto! Agora não vai ter como fugir, Sam. A nossa sorte é que as fics têm finais felizes, exceto quando a sósia da Xena morre no final, e eu não estou a fim de morrer! Vamos ser felizes para sempre, e que Xena nos abençoe, amém.

Sam: kkkkkkkkk

Sam: Cara! Já levei muita cantada, mas esta sua, por Zeus! Sua sorte é que vc ganha a vida com fotografias, se fosse com cantadas, estaria perdida...

Laura: Vc que pensa! Eu não sou boa em cantadas pq não preciso, ta bom? Só por o pé pra fora de casa que chove mulher na minha horta =P

Sam: chove, né... Do tipo canivete aberto. Pra conquistar uma como eu, vc teria que ralar... E muito!

Laura: convencidaaaaaa! Eu não disse que estou interessada em vc, é só uma

questão do destino, não se pode lutar contra ele

Laura: e não tente me enganar, vc ainda não respondeu minha pergunta!

Sam: :o

Sam: vc falou tanta besteira, que nem lembro qual era

Laura: vou refrescar sua memória. Vc já se apaixonou?

Sam: hummm... Sondando o terreno, é? Não deveria mesmo ter mostrado minha foto...

Laura: responde, vai

Sam: não, nunca me apaixonei. Por quê? Deveria?

Laura: considerando que vc tem mais de 12 anos... sim. É bom

Sam: Que decepção! Isto significa que vc já passou por isto... E eu que te achava tão esperta!

Laura: Oxe! Mas apaixonar não é ruim, não, Sam. É um amontoado de emoção no começo, um fogo, depois uma depressãozinha básica no final, mas nada assim que não dê pra sobreviver. Do jeito que vc falou parece algo nocivo!

Sam: é mais que nocivo é irracional! Pq, em sã consciência, alguém se coloca indefeso nas mãos de outra pessoa? Eu jamais faria o meu universo girar ao redor do umbigo de outro alguém

Laura: não acho que quando a pessoa certa aparecer, vc vá ter opção. Qdo notar nem vai se lembrar mais do seu próprio umbigo

Sam: é outra coisa que não entendo. Como saber quem é a pessoa certa? Já pensou se a pessoa certa pra mim for... sei lá, Lucy Lawless

Laura: serve a sósia? o/

Sam: to falando da original

Laura: ah. Magoei ¬¬¬

Laura: sabe, quando vc se sentir em casa com alguém, quando sentir que encontrou um lar e não precisa mais procurar por nada... ai vc achou o amor

Sam: poético isto, mas a vida não é poesia, a verdade é muito dura pra ser poética

Sam: "não importa o quanto vc se importe, algumas pessoas simplesmente não se importam"

Laura: alguém te machucou

Sam: não.

Laura: machucou, sim, vc já experimentou o amor, embora seja uma felina de pelo arrepiado e não vá dar o braço a torcer

Sam: Aff! Bem... Talvez... Mas não assim deste jeito

Laura: de que jeito então, Sam?

Sam: é uma história boba

Sam: boba demais pra tomar seu tempo

Laura: estou de férias e...

Laura: Pronto! Já estiquei as pernas, pode ficar a vontade

Sam: eu nunca falei sobre isso com ninguém

Laura: não tenho nada contra a exclusividade

Sam: hum...

Sam: tudo bem, mas se ficar entediada não diga que não avisei e eu sei bem que é idiotice minha.

Laura: já paguei pelas fichas, minha cara...

Sam: bem, eu tinha um cachorro quando era criança, me lembro dele desde... desde sempre

Laura: Ah é? E como era o nome dele?

Sam: Ralf, era um labrador, muito manso, muito meu amigo

Laura: labrador? era maior que vc então

Sam: Argh! >.<

Sam: Pior que é quase verdade, ele era enorme, brincava com ele o dia todo. Eu, de certa forma, amava o Ralf, estávamos sempre juntos

Laura: hum...

Sam: ele me defendia quando achava que eu estava em perigo, não fui uma criança que namorou... e a culpa era dele. Um dia, meu irmão arrumou briga na rua

Sam: eu fiquei batendo no menino com a minha bolsa para ele parar de bater no meu irmão e ele levantou e me tirou do chão, o Ralf viu e veio na disparada para me defender e...

Sam: bem, ele foi atropelado, coitadinho

Sam: mainha veio correndo para fora, o menino me soltou, meu irmão ficou na minha frente, não queria me deixar passar, ela chegou até mim e me abraçou, só ela conseguiu me acalmar

Sam: acho que nunca chorei tanto, no colo da minha mãe, sentindo o calor do abraço dela...

Sam: consigo me lembrar até hoje do som da respiração dela, daquele calor... e dela me dizendo para ficar tranquila, pq ela estava lá.... ela estaria sempre lá

Sam: eu disse que o Ralf me amava e foi embora

Sam: e ela me disse que me amava ainda mais... e nunca me deixaria

Laura: hum... Ela não pôde cumprir a promessa?

Sam: morreu alguns meses depois do Ralf, eu tinha sete anos e não conseguia entender muita coisa. Só sabia que a ausência de Ralf me doía e que eu não queria que minha mãe ficasse longe de mim, ainda mais para sempre

Sam: Ela morreu depois de me dizer que eu poderia ficar tranqüila que ela estaria sempre ao meu lado...

Laura: vc acha q ela te traiu?

Sam: eu sei que isto é irracional, Laura. Te disse que era idiotice minha, sei que as pessoas não morrem porque querem

Sam: mas é assim que eu sinto. Acreditei e não consegui... eu não consegui perdoar ela por isto

Sam: por ter ido... acreditei tanto que ela estaria mesmo pra sempre

Sam: aprendi que não devo confiar, que ninguém merece confiança, as pessoas prometem coisas que não podem cumprir

Laura: Sam, vc não pode assumir essa postura. Está tornando sua vida muito amarga, como se relaciona com amigos, se não confia nas pessoas?

Sam: não preciso de ninguém, aprendi a viver sozinha

Laura: hum, de gato para guerreira-poetisa, para ilha, que metamorfose!

Sam: e você continua sendo a palhaça! Nunca fala a sério, Laura?

Laura: falo sim, Sam, só queria te aliviar um pouco

Sam: mas eu tenho um amigo, sim. O Arthur

Laura: e ele te 'arthura' mesmo não confiando nele?

Sam: eu sou uma boa companhia, está bem! A gente sai junto, ele tem um grupo de amigos que me aceita na boa e pra mim está bom

Laura: está bem... sem grandes envolvimentos, pelo jeito

Sam: Laura... eu me sinto mais segura dessa forma

Laura: pq?

Sam: pq ninguém se aproxima o suficiente pra me machucar

Laura: vc faz todo o trabalho sozinha, não é mesmo?

Sam: vou me poupar de comentários sobre isso...

Sam: E vc, espertinha? Vc já se apaixonou?

Laura: mudança estratégica de assunto... vou fingir que não percebi

Sam: esta coisa de se sentir em casa e tals?

Laura: já sim

Laura: Bem, quer dizer, não exatamente assim. Mas já gostei de algumas garotas

Sam: teve alguma que vc pudesse dizer "mas depois de vc as outras são as outras e só?"

Laura: pois é! essa especificamente ainda não apareceu!

Sam: não perca as esperanças

Laura: não perco, ainda vou achar meu lar ambulante por aí

Laura: já viajei o mundo inteiro tentando encontrar, uma hora consigo

Sam: vou comprar uma lupa no Natal pra você!

Laura: A conversa está boa, mas preciso ir dormir, agora, esse jogo de ontem foi cansativo, se é que me entende. ;)

Sam: p-a-l-h-a-ç-a

Sam: já até sei pq vc gosta de vôlei de praia!

Laura: Hum, nem me fale! Biquines, suor, areia entrando, mãos tirando a areia... ai delícia!

Sam: Laura, vc tem noção que é MUITO sem-vergonha?

Laura: tenho muitas habilidades, esta é uma delas!

Sam: e ainda acha bonito ser feia!

Laura: Sam, vc é muito bicuda!

Sam: não sou, não! Vc que é safada!

Sam: e agora, vá dormir, pq está muito cansada

Sam: ficou jogando ontem a tarde toda, depois foi beber cerveja... E hj, só Deus sabe o que você aprontou.

Laura: é, já vou mesmo, foi bom ver sua foto. Assim não vou ter pesadelos com gatos preguiçosos tentando invadir a minha cama

Sam: pretensiosa...

Sam: boa noite, Laura

 

A MENSAGEM “boa noite, Laura” NÃO PODE SER ENTREGUE AO DESTINATÁRIO

 

 

****

 

Sam meditava sobre a conversa... Sempre se negou a falar sobre sua mãe. Na medida do possível, negava-se até mesmo pensar sobre o assunto.

 

Não conseguia entender porque falou disso com uma pessoa praticamente desconhecida. Talvez, exatamente por ser uma desconhecida, concluiu.

 

Intrigou-se pelo assunto ter vindo à tona quando foi perguntada sobre não confiar nas pessoas. Seria mesmo por isto, ou simplesmente não confiava, sem qualquer motivo?

 

Com grande esforço, fez o movimento contrário ao que sempre fazia.

 

Desta vez se forçou a permanecer no momento, naquele abraço, na sensação de conforto e segurança que o calor do corpo de sua mãe transmitia. Lembrou-se de quanto amor sentiu por sua mãe, e como isto a fazia sentir-se aquecida por completo.

 

Logo em seguida, a imagem de seu pai chorando agarrado ao caixão, seu irmão sentado em um canto abraçado pela tia. E nela mesma, que tentava entender por que sua mãe não parava com aquela brincadeira sem graça.

 

Aquilo só poderia ser uma brincadeira. Ela tinha prometido e Sam confiava nela... Permaneceu sozinha, olhando para sua mãe o tempo todo, desafiando-a mentalmente, querendo ver até quando duraria a farsa. Na hora de fechar o caixão, bateu nos agentes funerários, chutou, gritou com eles “então não sabem que é só uma brincadeira?”.

 

Mas não teve jeito. Sua tia explicou que “mamãe estava muito cansada, com muita dor e agora estava descansando, mas que estaria sempre ali, com ela”. Sam chamou sua tia de mentirosa, sua mãe não se cansava. Nunca!

 

E também não estaria mais ali. Enfim compreendeu. Ela nunca deixaria seu irmão com o nariz escorrendo como estava naquele momento. Não, ela não voltaria mais. Era tudo uma mentira. A promessa, a confiança, a proteção... Só o que era verdade era a dor e que não poderia acreditar em ninguém.

 

Sam virou-se na cama e chorou, como não fazia desde aquela noite em que perdeu a fé nas pessoas, nas promessas. Chorou tanto, que se sentiu esvaziar. Acabou dormindo de cansaço. Mas não antes de falar em voz alta: “mãe, eu sinto tanta falta de você!”.

 

 

***

 

Ao mesmo tempo, mas em espaço tão distinto, Laura deitou-se pensando em quanta mágoa pode se esconder em um semblante sério. Imaginou o quanto aquela loirinha bicuda deveria estar sofrendo naquele exato momento. Sozinha.

 

Percebeu Sam como uma garotinha que se viu sozinha e teve medo do mundo. Sentiu uma grande vontade de abraçá-la e de poder aliviar sua dor. Podia imaginar que ela estaria chorando.

 

Desejava poder ajudá-la a descobrir o mundo que só parecia ver através da lente de sua câmera. Laura pensou sobre isto. As fotos de Sam capturavam muita beleza. Solidão, mas também muita delicadeza.

 

Tinha a impressão que ela não estava muito longe de emergir ao mundo dos sentimentos. "Quem sabe com minha ajuda?", pensou. Vontade não lhe faltava, interesse muito menos...

 

 

Assim, dando-se conta que não conseguia pensar em mais nada, deixou-se um recado antes de adormecer: cuidado com o que pede a Deus, ele costuma atender!

 

 

Fim do capítulo