Capítulo 6
A viagem era extraordinária , as cores esbatidas pela velocidade do comboio davam a sensação de estar dentro um imenso arco-iris . E os pensamentos rodopiavam trazendo ao rosto sorrisos e lágrimas . Para afastar os pensamentos mais dolorosos quedei-me a olhar um casal apaixonado num banco mais à frente . Tão simples amar , mão na mão , troca de sorrisos , olhares .... depois o que se complica ? De repente fica tudo tão difícil .
Os corpos foram projetados com violência . O sangue, os gritos , mãos que se procuram . Tentei erguer-me mas nada no meu corpo respondia , tentei perceber , talvez , Deus queira que sim ! Fosse um daqueles pesadelos que nos queremos mover e não conseguimos . O meu olhar encontra um corpo inerte , numa posição estranha . quero ajudar mas continuo sem me mover , quero gritar , mas não tenho voz .
Acordo e estranhos fios me prendem à vida , alguém me olha e me sorri . Oiço lá muito longe : - Está tudo bem
A carruagem do comboio onde seguia descarrilara . Havia um morto, feridos uns graves e outros menos , em silêncio pedi ao destino que aquele casal tão feliz estivesse bem . Teimosamente tentei levantar-me . Disseram que não podia, devia descansar pelo menos mais umas horas . Mas não queria saber , tinha fome , sentia a sujidade sufocar-me e queria fugir daquele antro de dor . Uma vertigem abrandou-me , mais umas horas ? Podia ser .
Dormi e sonhei com um passado que quero esquecer a todo o custo . Mas revi tudo como se não tivessem passado já alguns anos . Lembro-me da sensação de ingenuidade , da alegria inesperada daquele beijo . O sabor . Lembro-me de me oferecer aquelas mãos vividas . A idade nunca foi distância entre nós , lembro-me de ficar a ouvir as suas histórias horas a fio, enquanto as caricias dançavam nos nossos corpos
Acordei e o hospital estava mergulhado em silêncio e escuridão . Afastei as sombras do passado e concentrei-me no presente . Ao fundo uma pequena luz de presença iluminava o logotipo do hospital . Um arrepio percorreu-me o corpo, um ataque de pânico fez-me levantar ! Maldito destino ! A calma , a indiferença que me acompanham desde há muito fugiram-me
Levanto-me e procuro roupa de sair . Preocupo-me com outros porque não me embaraça a nudez e seria minha condenação sair sem roupa dali , eu sei , pois estou num sanatório psiquiátrico , busco sensatez , mas não a encontro em mim .
Sento-me na cama , respiro . O silêncio ajuda-me a pensar . Vem-me à ideia se "ela" ainda estará viva . Pergunto-me se quero saber e em silêncio grito que sim , quero .
As lágrimas correm-me pelo rosto , quero saber dela, vê-la mesmo que me mande embora outra vez . Deito-me e volto para dentro do meu sonho , para dentro do meu passado.
Vejo os brinco de ouro a brilhar ao sol e o sorriso . Vejo as rugas dispersarem-se no seu rosto como se rejuvenescesse .
Já é dia quando acordo . A rotina do hospital já teve inicio, os banhos e o pequeno almoço . Sei que não consigo comer enquanto tomo um duche de água morna . Vejo a espuma escorregar no meu corpo e reparo o quanto mudei neste anos . Subtilmente também o peso da idade vai caindo sobre mim . Finalmente estou pronta para saber da mulher que me roubou o coração .
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Sem comentários
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook: