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ENTRE A CRUZ E A ESPADA por marindef

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Palavras: 8358
Acessos: 891   |  Postado em: 12/04/2017

CAPÍTULO 1

Qualquer um que observasse aquela família atravessando a estação de trem, preenchendo o ambiente com conversas e risadas, imaginaria que aquela seria uma animada viagem familiar. Afinal, eram seis pessoas no total, cada um com uma mala em mãos, se deslocando até a plataforma onde podia se ler "PARIS" na placa. Provavelmente, seria uma viagem em família memorável.

E de fato, memorável seria a melhor definição para a viagem em vias de começar. Mas definitivamente não era algo familiar; muito pelo contrário. Naquele dia, a família Chevalier estava prestes a perder um membro para a Cidade Luz.

Diante do trem, que ainda demoraria bons minutos a partir, todos pararam e largaram suas malas no chão; exceto pela garota que se destacava bem no meio da fila por seu curto afro azul apontando aos Céus. Ela apenas apertou mais forte a alça da mala pendurada em seu ombro, enquanto sentia todos os olhares se direcionarem a ela. Um silêncio rapidamente havia tomado conta do ambiente, antes animado, e ela percebeu que era seu papel quebra–lo com algumas palavras bonitas.

– Precisava vir a família toda mesmo? – Na dúvida entre um discurso de despedida ou pedidos de agradecimento, ela optou por tentar ser engraçada e quebrar o gelo com uma brincadeira. Mas somente ela parecia querer rir naquele momento.

Assim que o infeliz comentário foi feito, sua irmã mais velha, por apenas um ano, explodiu em emoções:

– Claro que sim, Jeanne! Ou você ia carregar oito malas sozinha?! – Ela indagou, virando–se para a irmã, com os olhos cheios de lágrimas. Sempre a mais emocional da família, ela estava ainda mais sensível do que de costume naquele dia; afinal, não era todo dia que sua irmã mais próxima resolvia se mudar para outra região do país.

– Carregar as malas não seria um problema. Você sabe que eu sou forte!

–  Ingrata! – Exclamou, sendo a primeira a puxar Jeanne para um longo e apertado abraço. Apesar das duras palavras, estava nítido que não era uma bronca e sim, uma declaração de amor. Jeanne abraçou–a de volta, tão forte quanto. – Não te criei assim.

– Você nem me criou, Danielle, você só me encheu o saco mesmo. – Jeanne retrucou, rindo baixinho, enquanto passava as mãos nas costas de Danielle, tentando consola–la. As duas sempre foram muito próximas e lhe partia o coração pensar em deixar Danielle para trás. Mas era algo necessário. Jeanne precisava partir para Paris.

– A Jeanne tem razão. – Outra irmã, dessa vez, a mais velha de todos eles, interviu numa voz doce e calma. – Quem criou essa menina fui eu. E acho que mereço um abraço também. – Ela disse cutucando as costas de Danielle delicadamente.

Chloé, a primogênita, não demonstraria tristeza em ver um de seus irmãos ir atrás de seus sonhos, por mais que a saudade antecipada já a estivesse fazendo sofrer. No rosto dela, só cabiam sorrisos carinhosos; especialmente em situações como aquela.

– Tá. Tudo bem. – Danielle resmungou, respirando fundo, e então soltou a irmã de forma brusca. Ela limpou os olhos com as mãos, se recompondo rapidamente. – Sua vez, Chloé. – Ela disse, firme, tentando fingir que ela não tinha caído no choro segundos atrás. A irmã mais velha abriu um sorriso meigo e se aproximou de Jeanne, segurando suas mãos cuidadosamente.

– Fica com Deus, minha irmã querida. Vou rezar por você todo dia. Pela sua felicidade. – Abraçou–a, com um longo suspiro. Seu abraço era bem mais suave que o de Danielle; não continha a parcela de brutalidade que estava envolvida em dar um abraço de urso. Mas Jeanne podia sentir o amor que Chloé exalava. – Espero que encontre a aventura que você está procurando. E se não encontrar, saiba que sempre pode voltar para o nosso lar.

– Eu sei disso muito bem. – Jeanne respondeu, sorrindo; Chloé sempre lhe passava uma calma incrível. – Vou rezar por você também. Por todos vocês.

– Se cuida. Tenha juízo. E não se esqueça de vir nos visitar.

– E não se esqueça de nos convidar para passar um tempo em Paris também, viu maninha? – Seu irmão mais velho, Marc, fez questão de complementar. E Jeanne não pôde deixar de rir.

Se tinha alguém naquela família com quem ela podia contar para fazer piadas em situações delicadas para deixa–la mais leves, esse alguém era Marc. Às vezes a mania do irmão de tentar ser engraçadinho em momentos inapropriados era incômoda; porém, outras vezes era justamente o que o ambiente precisava. Jeanne classificaria aquele momento específico como a segunda situação.

– Nem preciso te convidar, você já tá se convidando. – Jeanne retrucou, entrando na brincadeira, que com certeza carregava um fundo de verdade. – Mas agora, acho que mereço um abraço de "tchau".

– Eu não, não gosto de dar "tchau". Talvez um "até daqui a pouco".

– O que isso quer dizer? – Jeanne perguntou, levantando uma sobrancelha. Marc sempre era cheio das surpresas e não seria tão absurdo se ele simplesmente resolvesse se enfiar no trem com ela.

– Eu sei lá. – Ele respondeu, rindo sozinho. – Que talvez você volte. Ou talvez eu vá para Paris. A vida é cheia de possibilidades. – Jeanne acabou rindo também, balançando a cabeça negativamente. No final, ele realmente só não era muito bom com despedidas. Coisa com a qual Jeanne conseguia se identificar bem.

– Posso pelo menos ganhar um abraço de "até mais"? – Ela perguntou, abrindo os braços convidativamente. Marc relutou por uns segundos, mas acabou dando um abraço na irmã. Apertado, porém rápido.

– Se divirta muito em Paris, viu maninha? – Marc passou a mão pela cabeça de Jeanne. – A Chloé te fala para se cuidar, mas eu tô te falando para fazer muitas loucuras.

– Já sei qual conselho seguir. – Respondeu, com um grande sorriso no rosto, observando enquanto o irmão dava uns passos para trás. De canto de olho, podia ver Chloé balançar a cabeça negativamente em silêncio, como se desejasse transmitir sua repreensão por pensamento. – Quem é o próximo na fila do abraço? – Ela perguntou, embora não houvesse muitas opções.

Só restara mais um de seus irmãos para lhe dar um abraço. Olive, o caçula.

Obviamente, todos os olhares se desviaram para o garoto, porém ele não estava nada interessado em se despedir de sua irmã. Suas mãos enfiadas dentro do bolso do moletom não davam um mínimo indicativo de que ele pretendia abraçar Jeanne.

 

– Não olhem para mim. – Ele declarou, virando o rosto.

Não era segredo nenhum que Olive não estava aceitando a partida da irmã da melhor maneira; desde que Jeanne anunciara com certeza que iria para Paris, a convivência dos dois havia sido reduzida ao mínimo de "oi" e "tchau".

 

 

O anúncio foi feito meses antes da viagem; durante um jantar de domingo em que a família toda estava reunida, inclusive sua avó e tia maternas que moravam na casa geminada ao lado.

            Faziam apenas alguns dias desde Jeanne recebera a notícia de que tinha sido aceita na faculdade, para estudar o que tanto queria: Design de Moda.

Ela aguardou ansiosamente o momento certo para revelar seus planos à família. E o momento certo consistia em um dia em que todos estivessem presentes, para que todos recebessem a noticia no mesmo instante. Caso contrário, o que deveria ser motivo de alegria e comemoração em conjunto, se tornaria um grande burburinho pela família de "como você contou para ele antes de mim?".

Como Jeanne foi capaz de se aguentar e não sair contando para qualquer um que aparecesse na sua frente, em meio tamanha animação, será sempre um mistério para ela. Mas a garota não podia deixar de se sentir orgulhosa por ter sido forte e evitado a destruição da família.

Naquela noite de domingo, ao sentar–se à mesa de jantar, Jeanne ainda não tinha pensado num plano de como entregar as boas novas. E nem ao menos havia percebido que a família estava reunida por completo até o momento em que seu pai comentou o quão raro era aquele jantar; "Sem Marc fugindo para encontrar a namorada, sem Danielle chegando da rua só no final do jantar, sem Jeanne desaparecendo para tirar fotos por aí", seu pai disse e uma ficha na cabeça azul de Jeanne caiu.

Todos deram as mãos e fecharam seus olhos para a oração de agradecimento pelo jantar; menos Jeanne que, em nervosismo e animação, esqueceu–se até de como rezar. Ela manteve os olhos bem abertos, observando todas as cadeiras, ao redor da grande mesa, preenchidas. Aquela era a hora.

Jeanne levantou–se, em seguida do "Amém" uníssono, respirou fundo e fez seu grande anúncio. O sentimento predominante naquele momento foi de choque. Era nítido no olhar de cada um dos membros da família que eles tinham sido pegos de surpresa por aquela notícia. Mas então, um a um, eles começaram a substituir a expressão de surpresa por uma de apoio.

Primeiro, foi seu pai. Ele murmurou "Eu sabia que esse dia ia chegar" e levantou–se para um abraço. E naquele momento, com a aprovação de seu pai, Jeanne soube que era oficial. Ela realmente ia se mudar para Paris.

Seguindo a deixa, sua tia fez questão de se levantar do outro lado da mesa e ir até seu encontro com um abraço apertado, dando–lhe os parabéns. A partir daí todos os irmãos começaram a dizer palavras de encorajamento; puxados por Marc, que gritou formando o coro enquanto batia palmas em comemoração às possíveis viagens a Paris para visitar a irmã. Danielle, por sua vez, parecia estar indecisa entre chorar de alegria pela irmã e chorar de saudades; no final, ela acabou chorando por tudo. Chloé, que já estava ao lado de Jeanne, segurou a mão da irmã e a beijou, rezando baixinho por ela.

E Olive...

Olive permaneceu quieto. Após as comemorações, ele se levantou e se retirou.

Daquele momento em diante, Olive parecia estar numa constate mágoa em relação a irmã. Jeanne podia imaginar do que aquilo se tratava. Não era com ela que ele estava magoado, mas sim com o que ela o fazia lembrar. Ela não era a primeira Chevalier a partir de Saint–Dié, afinal.

 

 

– Jeanne? – Marc chamou, estalando os dedos na frente de sua cara. – Terra para Jeanne! – Exclamou, fazendo com que Jeanne saísse de seus devaneios e retornasse ao planeta Terra.

Percebeu que ainda estava encarando seu irmão Olive, mas ele estava determinado a não lhe retornar o olhar. Fingindo–se interessado em uma mancha no chão, ele mantinha sua cabeça abaixada.

Entristecia o coração de Jeanne ter que ir embora nessas condições com Olive, mas não havia nada que pudesse fazer a respeito. Ele não aprovava sua decisão de se mudar para Paris e ela não daria para trás de forma alguma. Os dois teriam que lidar com essa divergência entre eles e suas consequências.

– Acorda, menina! – Marc novamente chamou sua atenção, dando um tapa nas costas de sua cabeça. – Seu trem vai sair em 15 minutos, larga de ser avoada!

– É o ascendente em Peixes, perdoa. – Jeanne respondeu, rindo, num tom de brincadeira com aquele fundo de verdade. – Mas não se preocupa que a alma é de Aquariana, não tem como eu não embarcar nesse trem!

– Ai, Marc, você pisou na bola, viu? – Danielle se intrometeu, dando uma bronca no irmão. – Era para ter deixado ela esquecer!

– Parece que seu plano não deu certo dessa vez, Dani. – Ela balançou a cabeça negativamente, rindo, e deu uns tapinhas de leve nas costas da irmã.

– Odeio quando não seguem o script. – A irmã reclamou, revirando os olhos, mas o sorrisinho em seu rosto indicava que ela estava brincando. Pelo menos a respeito do plano. A vontade de que Jeanne ficasse era real e sincera. 

Deixando–se contaminar por todo o sentimentalismo do momento e, principalmente, da sua irmã Danielle, a garota não pôde deixar passar a oportunidade de dar um último abraço na grande amiga que deixava para trás. Dessa vez, Danielle permaneceu em silêncio enquanto apertava a irmã mais nova em seus braços, aproveitando enquanto podia, até que Jeanne desfez o abraço.

– Esse fica na conta do Olive. – Jeanne brincou, lançando um rápido olhar para o irmão, que ainda mantinha os olhos no chão e as mãos escondidas no casaco. Danielle apenas riu e assentiu com a cabeça, largando sua irmã. – Agora, o abraço mais importante do dia. – Disse, em um tom afetuoso, focando seu olhar no senhorzinho atrás de todos aqueles jovens.

O homem era Benoit Dupart, mas Jeanne e seus irmãos preferiam obviamente chama–lo de 'pai'. Negro, magrelo e alto, – embora já estivesse ficando levemente corcunda por conta da idade – era inegável sua semelhança com Marc, Olive e Chloé, que seguiam o mesmo tipo físico.

Mas principalmente Chloé, que além de herdar sua figura esguia de seu pai, herdara também seu sorriso doce e calmo.

E era esse exato sorriso que estava estampado em seu rosto, enquanto acompanhava toda aquela comoção em quietude. Ele apenas observou seus  filhos se despedirem e se conformarem com a partida de Jeanne, aguardando pacientemente seu momento de receber um abraço.

E o momento havia chegado finalmente. 

Benoit descruzou os braços, abrindo–os em um claro convite, ainda com seu sorriso costumeiro no rosto. Ele não parecia nem um pouco triste; sua expressão era somente preenchida de orgulho e carinho. Os olhos de Jeanne começaram a marejar, e não havia nada que a garota pudesse fazer além de fingir que a vontade de chorar não estava entalada em sua garganta. Uma farsa sem sucesso.

Assim que os braços de seu pai a envolveram e ela afundou seu rosto no peito dele, Jeanne se deixou levar pela futura saudade que sentiria do pai, chorando baixinho. 

– Olha só! – Marc comentou em um tom zombeteiro. – Quem diria que a Jeanne ia chorar! – O comentário foi incômodo para seus ouvidos, mas Jeanne não estava disposta a interromper aquele tocante momento com seu pai para retrucar uma provocação tão barata.

Chloé, por sua vez, segurou o braço do irmão e bronqueou baixinho:

– Deixe ela em paz. – Disse, tentando não constranger a irmã ainda mais. Em um tom mais alto, ela avisou: – Jeanne, vamos levar suas malas para o embarque, ok? – Dando tapinhas nos ombros dos irmãos, como indicativo para que pegassem as malas do chão, ela deixou a irmã e o pai para trás, para que pudessem ter seu momento.

A garota de cabelos azuis permaneceu quieta naquele abraço apertado por mais algum tempo, apenas aproveitando o tempo que lhe sobrava com seu querido pai. Ela também não queria levantar o rosto antes que as lágrimas cessassem, mas todo esforço para isso parecia inútil. Seu pai começou a afagar sua cabeça e ela se sentiu na obrigação de dizer algumas palavras de carinho antes que o tempo para adeus acabasse.

– Droga, eu tinha prometido para mim mesma que não ia chorar. – Ela murmurou limpando o rosto com as costas da mão, ainda sem olhar diretamente para seu pai.

– Não tem problema nenhum em chorar. – Ele respondeu com uma voz tranquila; Jeanne não podia deixar de se sentir abraçada pelas palavras dele. Ao olhar para cima, percebeu que seu pai também tinha lágrimas nos olhos, apesar do sorriso feliz contradizê–las.

– Era para ser um momento feliz, não triste. – Jeanne disse, dessa vez limpando as lágrimas do pai com o polegar.

– É aí que você se engana, minha filha. Lágrimas não são só de tristeza. Eu por exemplo, estou chorando de tanto orgulho que eu tenho de você. – Ele disse, com serenidade, e um riso escapou de Jeanne. Algumas lágrimas ainda escorriam, mas agora eram acompanhadas de um grande sorriso.

– Você sempre sabe o que dizer. – Ela o abraçou forte novamente. – Eu vou sentir tanto sua falta. E da sua sabedoria.

– Ainda vamos nos falar, meu amor. Não vou deixar nada faltar na sua vida. 

– Você nunca deixou. – Jeanne murmurou, com um sentido obscuro escondido em suas emoções; um gosto amargo subiu por sua garganta ao lembrar da única coisa que seu pai não pôde impedir de faltar na sua vida.  

De fato, seu pai havia se esforçado ao máximo para que nada lhe faltasse e, inclusive, se desdobrara para cumprir seu papel como pai e ocupar o lugar de sua mãe ausente. Ele foi um sucesso, qualquer um de seus filhos concordaria. Mas ainda existia um vazio, principalmente em Jeanne, que ficava claro algumas vezes em suas palavras.

Seu pai percebeu a mágoa escondida no elogio e a abraçou mais forte, por um momento, ponderando se deveria usar aquela deixa para tocar em um assunto delicado. Nunca era fácil trazer o assunto "mãe" à tona, e Benoit fazia o que fosse necessário para evita–lo. Mas naquele momento era necessário, era sobre algo muito maior e importante. Ele até arriscaria dizer que a vida da filha poderia vir a depender daquele seu ato de coragem em falar sobre aquela–que–não–deve–ser–nomeada. 

– Filha, eu tenho uma coisa para te dar... – O senhor disse baixinho para chamar a atenção de Jeanne. A garota prontamente olhou para cima, com um olhar animado, esperando a continuação. Benoit soltou um longo suspiro e se explicou: – Na verdade, tenho que apenas te entregar. Não é um presente meu. – Disse, colocando a mão no bolso de seu casaco, em busca de algo. Ao retirar a mão do bolso, Jeanne pôde ver uma pequena caixinha de joia. – É da sua mãe. 

Aquela informação atingiu Jeanne como um tiro na testa. E honestamente, ela preferia o tiro. 

– Mas... – Tantas perguntas surgiram na cabeça azul da garota enquanto ela arrancava a caixa da mão do pai que ela não foi capaz de perguntar nenhuma delas. Abriu a caixa com urgência, se deparando com um estranho rosário.

A cruz do rosário era feita de algum metal prateado e, no lugar de uma figura religiosa, havia uma pedra azul incrustada na cruz. A mesma pedra compunha o cordão, repleto de pequenas bolas daquele material. Na tampa da caixinha, estava escrito "Para minha querida Jeanne. Com amor, sua mãe Celestine." em dourado. 

A garota passou o dedo pelas palavras, lentamente, como se o tato pudesse ajudá–la a compreender o que estava acontecendo. 

– Como? Quando...? – Murmurou, tentando entender como era possível que sua mãe tivesse lhe deixado um presente. A última vez que ela se lembrava de vê–la era há mais de 10 anos.

– Ela me deu isso no dia em que ela foi embora. Me fez prometer que eu te entregaria no dia que você saísse de casa, no dia que alçasse vôo. – Um pequeno sorriso preencheu o rosto de Benoit ao retornar a lembranças da ex–esposa, se é que ele podia chama–la assim. – Ela sempre soube que você não ficaria aqui por muito tempo, ela dizia "a Jeanne nasceu para ser livre".

– Ela também nasceu, aparentemente. – Jeanne retrucou, nada convencida. Se sua primeira reação foi de confusão e dor, a seguinte, após processar a situação, foi de raiva.

A garota fechou a caixa com rosário, em um ato bruto, e a devolveu na mão de seu pai novamente, fechando a mão dele com as suas próprias. 

– As circunstâncias eram outras, filha. – Seu pai respondeu junto de um longo suspiro; era claro o pesar em seu tom e seu rosto. – Eu sei que você guarda ressentimento, mas eu te peço de todo coração que você aceite o presente. – Insistiu, olhando no fundo dos olhos da filha. Mas não por muito tempo, pois Jeanne fez questão de virar seu rosto em seguida. Benoit prosseguiu mesmo assim: – Esse rosário foi feito especialmente para você, para a sua proteção. 

– Eu não tô nem aí se ele foi feito especialmente para mim. – A garota perdeu a calma. – Se ela ligasse para minha proteção, teria ficado aqui para me proteger.

– Não faça isso por ela, faça isso por mim. E por você. – Ele tentou uma aproximação diferente, já que a outra claramente estava tendo o efeito oposto. E era bem verdade que ela deveria aceitar o presente para seu próprio bem. – Eu guardei esse rosário por todos esses anos porque eu também acredito que ele vai te proteger. Por favor, Jeanne. 

O pai pediu mais uma vez empurrando a caixa contra as mãos da garota. Jeanne levantou seu rosto, indo ao encontro dos olhos negros do pai que ainda buscavam contato direto com os dela. E então ela lembrou o quanto o amava.

Todos os sentimentos ruins que ela nutria em relação á mãe eram proporcionais aos sentimentos bons que guardava do pai. Ele realmente sempre buscou o melhor para ela e seus irmãos, sempre se preocupou e os protegeu; e se ele estava lhe pedindo para levar o rosário, se ele acreditava ser o melhor para ela, não cabia a ela discordar.

– Ok, eu levo o maldito rosário. – Jeanne respirou fundo e pegou a caixinha, enfiando–a no bolso do casaco.

– Bendito, Jeanne. Ele é bendito. É abençoado. – Ele riu baixinho, puxando carinhosamente a cabeça da filha, e deu um beijo no topo dela. – Assim como você. E importante, assim como você.

– Obrigada, pai. – Jeanne murmurou com um meio sorriso, sem conseguir esconder o incômodo que sentia. Ela não tinha certeza que era uma boa coisa ser comparada a um rosário. Principalmente, sendo um dado por sua mãe. – Acho que já está dando a minha hora. – A garota disse, pegando o celular do bolso da calça e verificando que faltava apenas cinco minutos para a saída do trem. 

– Também acho. É prudente que você já entre. – Seu pai respondeu, concordando com a cabeça. Atrás dele, Jeanne podia ver seus irmãos retornando, mas antes que eles pudessem se aproximar, um alarme soou pela estação de trem anunciando o embarque para Paris.

 Naquele segundo, Jeanne tomou consciência de que sua vida ia mudar. Obviamente, ela não poderia prever todos os acontecimentos que viriam a ocorrer em sua vida. Uma mudança ainda mais drástica. Mas ela sabia, naquele momento, que era a última vez que veria seu pai e seus irmãos em meses.

E ela preferiu que essa última interação fosse como arrancar um band–aid: brusca, porém rápida. Antes mesmo de seus irmãos chegarem mais perto, ela deu um último e ligeiro abraço em seu pai, sussurrando um fraco "adeus", e correu até a porta.

Entrou no trem sem olhar para trás.

E também sem olhar para frente. Em meio ao turbilhão de emoções que passavam por sua cabeça, Jeanne distraidamente esbarrou com uma mulher que estava na sua frente, derrubando–a.

– Ai meu Deus, me desculpe, moça! – Ela disse de imediato, estendendo a mão para ajudá–la a se levantar; envergonhada e culpada diante da expressão de raiva vívida que estampava o rosto da mulher. – Me desculpa mesmo, eu estava com a cabeça nas nuvens e não te vi. Mil perdões.

– É isso que dá deixar esse povinho sem educação se misturar. – A mulher disse rispidamente, levantando–se sozinha e ignorando a ajuda que Jeanne havia oferecido. Obviamente, se ela não tivesse ignorado, Jeanne mesma teria retirado depois de ouvir os absurdos que ela dizia. – Se tivesse vagão separado para as pessoas decentes e... Essa gente de cor, isso não estaria acontecendo. 

– Sem educação é a senhora! – Jeanne prontamente retrucou, abismada com o que estava sendo obrigada a ouvir. – Eu pedi desculpa, ofereci ajuda, muito bem–educada e você está aí falando que deviam separar vagão por raça em pleno século XXI! Ah, me poupe! Tá faltando todo tipo de educação para você, viu? – Inflou seu peito, tão irritada, que poderia continuar com aquele sermão por muito mais tempo. Porém preferiu deixar de lado e prosseguir com a sua viagem em paz. Era seu dia maravilhoso e não deixaria que uma racista o estragasse. – Dá licença! – Exigiu, dando um empurrão na mulher para que ela saísse de sua frente.

Deu uma última olhada em seu rosto, repleto de desgosto, e teve certeza que não seria capaz de esquecê–lo tão cedo, infelizmente.

Passado aquele estresse desnecessário, Jeanne foi em busca de seu assento, torcendo para que o encontrasse a tempo de poder acenar para sua família da janela. O trem já estava praticamente de partida quando ela o encontrou; ajeitou–se rapidamente e respirou fundo, e só então ousou olhar pela janela.

 

Foi em tempo de ver seus irmãos acenando e seu pai lhe fazendo o sinal da cruz; Jeanne imaginou que ele estaria dando a benção a ela e sua viagem. E então, o trem partiu. Partiu em direção à Paris. Em direção ao seu futuro e seus sonhos. Em direção à aventuras que ela jamais imaginaria.Qualquer um que observasse aquela família atravessando a estação de trem, preenchendo o ambiente com conversas e risadas, imaginaria que aquela seria uma animada viagem familiar. Afinal, eram seis pessoas no total, cada um com uma mala em mãos, se deslocando até a plataforma onde podia se ler "PARIS" na placa. Provavelmente, seria uma viagem em família memorável.

E de fato, memorável seria a melhor definição para a viagem em vias de começar. Mas definitivamente não era algo familiar; muito pelo contrário. Naquele dia, a família Chevalier estava prestes a perder um membro para a Cidade Luz.

Diante do trem, que ainda demoraria bons minutos a partir, todos pararam e largaram suas malas no chão; exceto pela garota que se destacava bem no meio da fila por seu curto afro azul apontando aos Céus. Ela apenas apertou mais forte a alça da mala pendurada em seu ombro, enquanto sentia todos os olhares se direcionarem a ela. Um silêncio rapidamente havia tomado conta do ambiente, antes animado, e ela percebeu que era seu papel quebra–lo com algumas palavras bonitas.

– Precisava vir a família toda mesmo? – Na dúvida entre um discurso de despedida ou pedidos de agradecimento, ela optou por tentar ser engraçada e quebrar o gelo com uma brincadeira. Mas somente ela parecia querer rir naquele momento.

Assim que o infeliz comentário foi feito, sua irmã mais velha, por apenas um ano, explodiu em emoções:

– Claro que sim, Jeanne! Ou você ia carregar oito malas sozinha?! – Ela indagou, virando–se para a irmã, com os olhos cheios de lágrimas. Sempre a mais emocional da família, ela estava ainda mais sensível do que de costume naquele dia; afinal, não era todo dia que sua irmã mais próxima resolvia se mudar para outra região do país.

– Carregar as malas não seria um problema. Você sabe que eu sou forte!

–  Ingrata! – Exclamou, sendo a primeira a puxar Jeanne para um longo e apertado abraço. Apesar das duras palavras, estava nítido que não era uma bronca e sim, uma declaração de amor. Jeanne abraçou–a de volta, tão forte quanto. – Não te criei assim.

– Você nem me criou, Danielle, você só me encheu o saco mesmo. – Jeanne retrucou, rindo baixinho, enquanto passava as mãos nas costas de Danielle, tentando consola–la. As duas sempre foram muito próximas e lhe partia o coração pensar em deixar Danielle para trás. Mas era algo necessário. Jeanne precisava partir para Paris.

– A Jeanne tem razão. – Outra irmã, dessa vez, a mais velha de todos eles, interviu numa voz doce e calma. – Quem criou essa menina fui eu. E acho que mereço um abraço também. – Ela disse cutucando as costas de Danielle delicadamente.

Chloé, a primogênita, não demonstraria tristeza em ver um de seus irmãos ir atrás de seus sonhos, por mais que a saudade antecipada já a estivesse fazendo sofrer. No rosto dela, só cabiam sorrisos carinhosos; especialmente em situações como aquela.

– Tá. Tudo bem. – Danielle resmungou, respirando fundo, e então soltou a irmã de forma brusca. Ela limpou os olhos com as mãos, se recompondo rapidamente. – Sua vez, Chloé. – Ela disse, firme, tentando fingir que ela não tinha caído no choro segundos atrás. A irmã mais velha abriu um sorriso meigo e se aproximou de Jeanne, segurando suas mãos cuidadosamente.

– Fica com Deus, minha irmã querida. Vou rezar por você todo dia. Pela sua felicidade. – Abraçou–a, com um longo suspiro. Seu abraço era bem mais suave que o de Danielle; não continha a parcela de brutalidade que estava envolvida em dar um abraço de urso. Mas Jeanne podia sentir o amor que Chloé exalava. – Espero que encontre a aventura que você está procurando. E se não encontrar, saiba que sempre pode voltar para o nosso lar.

– Eu sei disso muito bem. – Jeanne respondeu, sorrindo; Chloé sempre lhe passava uma calma incrível. – Vou rezar por você também. Por todos vocês.

– Se cuida. Tenha juízo. E não se esqueça de vir nos visitar.

– E não se esqueça de nos convidar para passar um tempo em Paris também, viu maninha? – Seu irmão mais velho, Marc, fez questão de complementar. E Jeanne não pôde deixar de rir.

Se tinha alguém naquela família com quem ela podia contar para fazer piadas em situações delicadas para deixa–la mais leves, esse alguém era Marc. Às vezes a mania do irmão de tentar ser engraçadinho em momentos inapropriados era incômoda; porém, outras vezes era justamente o que o ambiente precisava. Jeanne classificaria aquele momento específico como a segunda situação.

– Nem preciso te convidar, você já tá se convidando. – Jeanne retrucou, entrando na brincadeira, que com certeza carregava um fundo de verdade. – Mas agora, acho que mereço um abraço de "tchau".

– Eu não, não gosto de dar "tchau". Talvez um "até daqui a pouco".

– O que isso quer dizer? – Jeanne perguntou, levantando uma sobrancelha. Marc sempre era cheio das surpresas e não seria tão absurdo se ele simplesmente resolvesse se enfiar no trem com ela.

– Eu sei lá. – Ele respondeu, rindo sozinho. – Que talvez você volte. Ou talvez eu vá para Paris. A vida é cheia de possibilidades. – Jeanne acabou rindo também, balançando a cabeça negativamente. No final, ele realmente só não era muito bom com despedidas. Coisa com a qual Jeanne conseguia se identificar bem.

– Posso pelo menos ganhar um abraço de "até mais"? – Ela perguntou, abrindo os braços convidativamente. Marc relutou por uns segundos, mas acabou dando um abraço na irmã. Apertado, porém rápido.

– Se divirta muito em Paris, viu maninha? – Marc passou a mão pela cabeça de Jeanne. – A Chloé te fala para se cuidar, mas eu tô te falando para fazer muitas loucuras.

– Já sei qual conselho seguir. – Respondeu, com um grande sorriso no rosto, observando enquanto o irmão dava uns passos para trás. De canto de olho, podia ver Chloé balançar a cabeça negativamente em silêncio, como se desejasse transmitir sua repreensão por pensamento. – Quem é o próximo na fila do abraço? – Ela perguntou, embora não houvesse muitas opções.

Só restara mais um de seus irmãos para lhe dar um abraço. Olive, o caçula.

Obviamente, todos os olhares se desviaram para o garoto, porém ele não estava nada interessado em se despedir de sua irmã. Suas mãos enfiadas dentro do bolso do moletom não davam um mínimo indicativo de que ele pretendia abraçar Jeanne.

 

– Não olhem para mim. – Ele declarou, virando o rosto.

Não era segredo nenhum que Olive não estava aceitando a partida da irmã da melhor maneira; desde que Jeanne anunciara com certeza que iria para Paris, a convivência dos dois havia sido reduzida ao mínimo de "oi" e "tchau".

 

 

O anúncio foi feito meses antes da viagem; durante um jantar de domingo em que a família toda estava reunida, inclusive sua avó e tia maternas que moravam na casa geminada ao lado.

            Faziam apenas alguns dias desde Jeanne recebera a notícia de que tinha sido aceita na faculdade, para estudar o que tanto queria: Design de Moda.

Ela aguardou ansiosamente o momento certo para revelar seus planos à família. E o momento certo consistia em um dia em que todos estivessem presentes, para que todos recebessem a noticia no mesmo instante. Caso contrário, o que deveria ser motivo de alegria e comemoração em conjunto, se tornaria um grande burburinho pela família de "como você contou para ele antes de mim?".

Como Jeanne foi capaz de se aguentar e não sair contando para qualquer um que aparecesse na sua frente, em meio tamanha animação, será sempre um mistério para ela. Mas a garota não podia deixar de se sentir orgulhosa por ter sido forte e evitado a destruição da família.

Naquela noite de domingo, ao sentar–se à mesa de jantar, Jeanne ainda não tinha pensado num plano de como entregar as boas novas. E nem ao menos havia percebido que a família estava reunida por completo até o momento em que seu pai comentou o quão raro era aquele jantar; "Sem Marc fugindo para encontrar a namorada, sem Danielle chegando da rua só no final do jantar, sem Jeanne desaparecendo para tirar fotos por aí", seu pai disse e uma ficha na cabeça azul de Jeanne caiu.

Todos deram as mãos e fecharam seus olhos para a oração de agradecimento pelo jantar; menos Jeanne que, em nervosismo e animação, esqueceu–se até de como rezar. Ela manteve os olhos bem abertos, observando todas as cadeiras, ao redor da grande mesa, preenchidas. Aquela era a hora.

Jeanne levantou–se, em seguida do "Amém" uníssono, respirou fundo e fez seu grande anúncio. O sentimento predominante naquele momento foi de choque. Era nítido no olhar de cada um dos membros da família que eles tinham sido pegos de surpresa por aquela notícia. Mas então, um a um, eles começaram a substituir a expressão de surpresa por uma de apoio.

Primeiro, foi seu pai. Ele murmurou "Eu sabia que esse dia ia chegar" e levantou–se para um abraço. E naquele momento, com a aprovação de seu pai, Jeanne soube que era oficial. Ela realmente ia se mudar para Paris.

Seguindo a deixa, sua tia fez questão de se levantar do outro lado da mesa e ir até seu encontro com um abraço apertado, dando–lhe os parabéns. A partir daí todos os irmãos começaram a dizer palavras de encorajamento; puxados por Marc, que gritou formando o coro enquanto batia palmas em comemoração às possíveis viagens a Paris para visitar a irmã. Danielle, por sua vez, parecia estar indecisa entre chorar de alegria pela irmã e chorar de saudades; no final, ela acabou chorando por tudo. Chloé, que já estava ao lado de Jeanne, segurou a mão da irmã e a beijou, rezando baixinho por ela.

E Olive...

Olive permaneceu quieto. Após as comemorações, ele se levantou e se retirou.

Daquele momento em diante, Olive parecia estar numa constate mágoa em relação a irmã. Jeanne podia imaginar do que aquilo se tratava. Não era com ela que ele estava magoado, mas sim com o que ela o fazia lembrar. Ela não era a primeira Chevalier a partir de Saint–Dié, afinal.

 

 

– Jeanne? – Marc chamou, estalando os dedos na frente de sua cara. – Terra para Jeanne! – Exclamou, fazendo com que Jeanne saísse de seus devaneios e retornasse ao planeta Terra.

Percebeu que ainda estava encarando seu irmão Olive, mas ele estava determinado a não lhe retornar o olhar. Fingindo–se interessado em uma mancha no chão, ele mantinha sua cabeça abaixada.

Entristecia o coração de Jeanne ter que ir embora nessas condições com Olive, mas não havia nada que pudesse fazer a respeito. Ele não aprovava sua decisão de se mudar para Paris e ela não daria para trás de forma alguma. Os dois teriam que lidar com essa divergência entre eles e suas consequências.

– Acorda, menina! – Marc novamente chamou sua atenção, dando um tapa nas costas de sua cabeça. – Seu trem vai sair em 15 minutos, larga de ser avoada!

– É o ascendente em Peixes, perdoa. – Jeanne respondeu, rindo, num tom de brincadeira com aquele fundo de verdade. – Mas não se preocupa que a alma é de Aquariana, não tem como eu não embarcar nesse trem!

– Ai, Marc, você pisou na bola, viu? – Danielle se intrometeu, dando uma bronca no irmão. – Era para ter deixado ela esquecer!

– Parece que seu plano não deu certo dessa vez, Dani. – Ela balançou a cabeça negativamente, rindo, e deu uns tapinhas de leve nas costas da irmã.

– Odeio quando não seguem o script. – A irmã reclamou, revirando os olhos, mas o sorrisinho em seu rosto indicava que ela estava brincando. Pelo menos a respeito do plano. A vontade de que Jeanne ficasse era real e sincera. 

Deixando–se contaminar por todo o sentimentalismo do momento e, principalmente, da sua irmã Danielle, a garota não pôde deixar passar a oportunidade de dar um último abraço na grande amiga que deixava para trás. Dessa vez, Danielle permaneceu em silêncio enquanto apertava a irmã mais nova em seus braços, aproveitando enquanto podia, até que Jeanne desfez o abraço.

– Esse fica na conta do Olive. – Jeanne brincou, lançando um rápido olhar para o irmão, que ainda mantinha os olhos no chão e as mãos escondidas no casaco. Danielle apenas riu e assentiu com a cabeça, largando sua irmã. – Agora, o abraço mais importante do dia. – Disse, em um tom afetuoso, focando seu olhar no senhorzinho atrás de todos aqueles jovens.

O homem era Benoit Dupart, mas Jeanne e seus irmãos preferiam obviamente chama–lo de 'pai'. Negro, magrelo e alto, – embora já estivesse ficando levemente corcunda por conta da idade – era inegável sua semelhança com Marc, Olive e Chloé, que seguiam o mesmo tipo físico.

Mas principalmente Chloé, que além de herdar sua figura esguia de seu pai, herdara também seu sorriso doce e calmo.

E era esse exato sorriso que estava estampado em seu rosto, enquanto acompanhava toda aquela comoção em quietude. Ele apenas observou seus  filhos se despedirem e se conformarem com a partida de Jeanne, aguardando pacientemente seu momento de receber um abraço.

E o momento havia chegado finalmente. 

Benoit descruzou os braços, abrindo–os em um claro convite, ainda com seu sorriso costumeiro no rosto. Ele não parecia nem um pouco triste; sua expressão era somente preenchida de orgulho e carinho. Os olhos de Jeanne começaram a marejar, e não havia nada que a garota pudesse fazer além de fingir que a vontade de chorar não estava entalada em sua garganta. Uma farsa sem sucesso.

Assim que os braços de seu pai a envolveram e ela afundou seu rosto no peito dele, Jeanne se deixou levar pela futura saudade que sentiria do pai, chorando baixinho. 

– Olha só! – Marc comentou em um tom zombeteiro. – Quem diria que a Jeanne ia chorar! – O comentário foi incômodo para seus ouvidos, mas Jeanne não estava disposta a interromper aquele tocante momento com seu pai para retrucar uma provocação tão barata.

Chloé, por sua vez, segurou o braço do irmão e bronqueou baixinho:

– Deixe ela em paz. – Disse, tentando não constranger a irmã ainda mais. Em um tom mais alto, ela avisou: – Jeanne, vamos levar suas malas para o embarque, ok? – Dando tapinhas nos ombros dos irmãos, como indicativo para que pegassem as malas do chão, ela deixou a irmã e o pai para trás, para que pudessem ter seu momento.

A garota de cabelos azuis permaneceu quieta naquele abraço apertado por mais algum tempo, apenas aproveitando o tempo que lhe sobrava com seu querido pai. Ela também não queria levantar o rosto antes que as lágrimas cessassem, mas todo esforço para isso parecia inútil. Seu pai começou a afagar sua cabeça e ela se sentiu na obrigação de dizer algumas palavras de carinho antes que o tempo para adeus acabasse.

– Droga, eu tinha prometido para mim mesma que não ia chorar. – Ela murmurou limpando o rosto com as costas da mão, ainda sem olhar diretamente para seu pai.

– Não tem problema nenhum em chorar. – Ele respondeu com uma voz tranquila; Jeanne não podia deixar de se sentir abraçada pelas palavras dele. Ao olhar para cima, percebeu que seu pai também tinha lágrimas nos olhos, apesar do sorriso feliz contradizê–las.

– Era para ser um momento feliz, não triste. – Jeanne disse, dessa vez limpando as lágrimas do pai com o polegar.

– É aí que você se engana, minha filha. Lágrimas não são só de tristeza. Eu por exemplo, estou chorando de tanto orgulho que eu tenho de você. – Ele disse, com serenidade, e um riso escapou de Jeanne. Algumas lágrimas ainda escorriam, mas agora eram acompanhadas de um grande sorriso.

– Você sempre sabe o que dizer. – Ela o abraçou forte novamente. – Eu vou sentir tanto sua falta. E da sua sabedoria.

– Ainda vamos nos falar, meu amor. Não vou deixar nada faltar na sua vida. 

– Você nunca deixou. – Jeanne murmurou, com um sentido obscuro escondido em suas emoções; um gosto amargo subiu por sua garganta ao lembrar da única coisa que seu pai não pôde impedir de faltar na sua vida.  

De fato, seu pai havia se esforçado ao máximo para que nada lhe faltasse e, inclusive, se desdobrara para cumprir seu papel como pai e ocupar o lugar de sua mãe ausente. Ele foi um sucesso, qualquer um de seus filhos concordaria. Mas ainda existia um vazio, principalmente em Jeanne, que ficava claro algumas vezes em suas palavras.

Seu pai percebeu a mágoa escondida no elogio e a abraçou mais forte, por um momento, ponderando se deveria usar aquela deixa para tocar em um assunto delicado. Nunca era fácil trazer o assunto "mãe" à tona, e Benoit fazia o que fosse necessário para evita–lo. Mas naquele momento era necessário, era sobre algo muito maior e importante. Ele até arriscaria dizer que a vida da filha poderia vir a depender daquele seu ato de coragem em falar sobre aquela–que–não–deve–ser–nomeada. 

– Filha, eu tenho uma coisa para te dar... – O senhor disse baixinho para chamar a atenção de Jeanne. A garota prontamente olhou para cima, com um olhar animado, esperando a continuação. Benoit soltou um longo suspiro e se explicou: – Na verdade, tenho que apenas te entregar. Não é um presente meu. – Disse, colocando a mão no bolso de seu casaco, em busca de algo. Ao retirar a mão do bolso, Jeanne pôde ver uma pequena caixinha de joia. – É da sua mãe. 

Aquela informação atingiu Jeanne como um tiro na testa. E honestamente, ela preferia o tiro. 

– Mas... – Tantas perguntas surgiram na cabeça azul da garota enquanto ela arrancava a caixa da mão do pai que ela não foi capaz de perguntar nenhuma delas. Abriu a caixa com urgência, se deparando com um estranho rosário.

A cruz do rosário era feita de algum metal prateado e, no lugar de uma figura religiosa, havia uma pedra azul incrustada na cruz. A mesma pedra compunha o cordão, repleto de pequenas bolas daquele material. Na tampa da caixinha, estava escrito "Para minha querida Jeanne. Com amor, sua mãe Celestine." em dourado. 

A garota passou o dedo pelas palavras, lentamente, como se o tato pudesse ajudá–la a compreender o que estava acontecendo. 

– Como? Quando...? – Murmurou, tentando entender como era possível que sua mãe tivesse lhe deixado um presente. A última vez que ela se lembrava de vê–la era há mais de 10 anos.

– Ela me deu isso no dia em que ela foi embora. Me fez prometer que eu te entregaria no dia que você saísse de casa, no dia que alçasse vôo. – Um pequeno sorriso preencheu o rosto de Benoit ao retornar a lembranças da ex–esposa, se é que ele podia chama–la assim. – Ela sempre soube que você não ficaria aqui por muito tempo, ela dizia "a Jeanne nasceu para ser livre".

– Ela também nasceu, aparentemente. – Jeanne retrucou, nada convencida. Se sua primeira reação foi de confusão e dor, a seguinte, após processar a situação, foi de raiva.

A garota fechou a caixa com rosário, em um ato bruto, e a devolveu na mão de seu pai novamente, fechando a mão dele com as suas próprias. 

– As circunstâncias eram outras, filha. – Seu pai respondeu junto de um longo suspiro; era claro o pesar em seu tom e seu rosto. – Eu sei que você guarda ressentimento, mas eu te peço de todo coração que você aceite o presente. – Insistiu, olhando no fundo dos olhos da filha. Mas não por muito tempo, pois Jeanne fez questão de virar seu rosto em seguida. Benoit prosseguiu mesmo assim: – Esse rosário foi feito especialmente para você, para a sua proteção. 

– Eu não tô nem aí se ele foi feito especialmente para mim. – A garota perdeu a calma. – Se ela ligasse para minha proteção, teria ficado aqui para me proteger.

– Não faça isso por ela, faça isso por mim. E por você. – Ele tentou uma aproximação diferente, já que a outra claramente estava tendo o efeito oposto. E era bem verdade que ela deveria aceitar o presente para seu próprio bem. – Eu guardei esse rosário por todos esses anos porque eu também acredito que ele vai te proteger. Por favor, Jeanne. 

O pai pediu mais uma vez empurrando a caixa contra as mãos da garota. Jeanne levantou seu rosto, indo ao encontro dos olhos negros do pai que ainda buscavam contato direto com os dela. E então ela lembrou o quanto o amava.

Todos os sentimentos ruins que ela nutria em relação á mãe eram proporcionais aos sentimentos bons que guardava do pai. Ele realmente sempre buscou o melhor para ela e seus irmãos, sempre se preocupou e os protegeu; e se ele estava lhe pedindo para levar o rosário, se ele acreditava ser o melhor para ela, não cabia a ela discordar.

– Ok, eu levo o maldito rosário. – Jeanne respirou fundo e pegou a caixinha, enfiando–a no bolso do casaco.

– Bendito, Jeanne. Ele é bendito. É abençoado. – Ele riu baixinho, puxando carinhosamente a cabeça da filha, e deu um beijo no topo dela. – Assim como você. E importante, assim como você.

– Obrigada, pai. – Jeanne murmurou com um meio sorriso, sem conseguir esconder o incômodo que sentia. Ela não tinha certeza que era uma boa coisa ser comparada a um rosário. Principalmente, sendo um dado por sua mãe. – Acho que já está dando a minha hora. – A garota disse, pegando o celular do bolso da calça e verificando que faltava apenas cinco minutos para a saída do trem. 

– Também acho. É prudente que você já entre. – Seu pai respondeu, concordando com a cabeça. Atrás dele, Jeanne podia ver seus irmãos retornando, mas antes que eles pudessem se aproximar, um alarme soou pela estação de trem anunciando o embarque para Paris.

 Naquele segundo, Jeanne tomou consciência de que sua vida ia mudar. Obviamente, ela não poderia prever todos os acontecimentos que viriam a ocorrer em sua vida. Uma mudança ainda mais drástica. Mas ela sabia, naquele momento, que era a última vez que veria seu pai e seus irmãos em meses.

E ela preferiu que essa última interação fosse como arrancar um band–aid: brusca, porém rápida. Antes mesmo de seus irmãos chegarem mais perto, ela deu um último e ligeiro abraço em seu pai, sussurrando um fraco "adeus", e correu até a porta.

Entrou no trem sem olhar para trás.

E também sem olhar para frente. Em meio ao turbilhão de emoções que passavam por sua cabeça, Jeanne distraidamente esbarrou com uma mulher que estava na sua frente, derrubando–a.

– Ai meu Deus, me desculpe, moça! – Ela disse de imediato, estendendo a mão para ajudá–la a se levantar; envergonhada e culpada diante da expressão de raiva vívida que estampava o rosto da mulher. – Me desculpa mesmo, eu estava com a cabeça nas nuvens e não te vi. Mil perdões.

– É isso que dá deixar esse povinho sem educação se misturar. – A mulher disse rispidamente, levantando–se sozinha e ignorando a ajuda que Jeanne havia oferecido. Obviamente, se ela não tivesse ignorado, Jeanne mesma teria retirado depois de ouvir os absurdos que ela dizia. – Se tivesse vagão separado para as pessoas decentes e... Essa gente de cor, isso não estaria acontecendo. 

– Sem educação é a senhora! – Jeanne prontamente retrucou, abismada com o que estava sendo obrigada a ouvir. – Eu pedi desculpa, ofereci ajuda, muito bem–educada e você está aí falando que deviam separar vagão por raça em pleno século XXI! Ah, me poupe! Tá faltando todo tipo de educação para você, viu? – Inflou seu peito, tão irritada, que poderia continuar com aquele sermão por muito mais tempo. Porém preferiu deixar de lado e prosseguir com a sua viagem em paz. Era seu dia maravilhoso e não deixaria que uma racista o estragasse. – Dá licença! – Exigiu, dando um empurrão na mulher para que ela saísse de sua frente.

Deu uma última olhada em seu rosto, repleto de desgosto, e teve certeza que não seria capaz de esquecê–lo tão cedo, infelizmente.

Passado aquele estresse desnecessário, Jeanne foi em busca de seu assento, torcendo para que o encontrasse a tempo de poder acenar para sua família da janela. O trem já estava praticamente de partida quando ela o encontrou; ajeitou–se rapidamente e respirou fundo, e só então ousou olhar pela janela.

Foi em tempo de ver seus irmãos acenando e seu pai lhe fazendo o sinal da cruz; Jeanne imaginou que ele estaria dando a benção a ela e sua viagem. E então, o trem partiu. Partiu em direção à Paris. Em direção ao seu futuro e seus sonhos. Em direção à aventuras que ela jamais imaginaria.

Fim do capítulo


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Comentários para 2 - CAPÍTULO 1:
Rita
Rita

Em: 12/04/2017

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