Hospital, contrato e desespero.
POR VITÓRIA
Quando ela despertou preguiçosa e se espreguiçou antes de abrir aqueles olhos, eu estava lá, deitada de lado olhando para ela; estava uma manhã preguiçosa de quinta-feira. Quase me perdi no tempo e faz quase uma semana que não nos desgrudamos mas hoje precisamos nos organizar e sair desse conto de fadas que eu gostaria de escrever cada linha com ela.
- É incrível acordar e ver você me olhando- ela disse enquanto se aproximava, deixando um beijo em meu pescoço, ombro e deitando-se em meu braço, junto do meu corpo.
- É maravilhoso te olhar dormindo, você é um espetáculo para o qual eu reservei a sala inteira.
- Como você já acorda assim, Vitória?- Antes que eu perguntasse “assim como” ela continuou- Me deixando sem palavras e com a bola toda.
Não pude deixar de rir enquanto cheirava o cabelo dela, que parecia crescer cada vez mais rápido. Fazia círculos com a ponta dos dedos nas costas dela, sentindo algumas pintas elevadas que ela tinha espalhadas por ali.
- Nós precisamos voltar, coisa gostosa- beijei sua testa e ela se desvencilhou de mim até que pudesse me ver, ainda deitada em meu braço, agora faço carinho em seu ombro-, voltar para a realidade que nos espera logo ali- sem que eu pudesse continuar ela me abraçou com força e se sentou em meu colo, colocando uma mão de cada lado do colchão próximas da minha cabeça, me olhou de perto, minhas mãos em sua cintura, me olhou fundo nos olhos e saiu dali direto pro banheiro. Sorri de mim ao ficar olhando o desfile dela enquanto desaparecia do cômodo.
Levantei e arrumei as coisas que pude, arrumei o banheiro que usamos ontem sorrindo de algumas coisas, logo chegaria o caseiro e sua esposa, que passaram uma semana viajando e não gostaria que eles encontrassem garrafas de vinho, cigarros de maconha e brinquedos sexuais pela casa. Em dez minutos terminei minha arrumação e voltei com as mochilas que peguei no carro para dentro da casa, fui até o quarto e a encontrei deitada na cama.
- Ei, meu amor- me sentei na beirada da cama e beijei o braço dela, que estava de lado virada de costas para mim- o que há?
- Eu não queria que acabasse essa semana... estou com um mau pressentimento- a voz dela era calma, branda.
- Ei, olha aqui- ela se virou e deitou-se em meu colo, fiz carinho em seu rosto com o polegar- vai ficar tudo bem, podemos fazer isso quando quisermos.
- Eu sei...- ela me olhou e sorriu com os olhos antes de colocar um sorriso nos lábios- vamos? Preciso pegar o restante das coisas na sua casa, meu carro.
- Você pode me dar uma carona para casa hoje? Eu vou deixar o carro aqui porque o marido da Eliza vem resolver algumas coisas para meus pais e combinamos que eu deixaria o carro.
Ela se levantou e me deu a mão: - Vamos! Eu te deixo em casa antes do almoço e vou almoçar com o pessoal da empresa, preciso resolver algumas coisas por lá.
No caminho para casa ocorreu tudo bem, Gabriela é uma motorista cuidadosa e calma... calma demais até, nem quando fecharam a gente numa rua estreita e na contra mão ela perdeu a serenidade ou então se manifestou para maldizer o infeliz; ela estava distante e calada demais, mesmo assim conversamos um pouco e trocamos carícias quando um semáforo ou outro fechava.
Ela me deixou em casa e brincou um tanto com a Laura, que estava com saudade e não tinha ido para a escola porque pedi para que ela não fosse, tinha planos para nós duas. Tudo ocorreu normalmente e próximo do almoço ela saiu e ficou de ligar quando estivesse indo almoçar.
Já são 18hs e não recebi nenhuma ligação, a mensagem que deixei perguntando se estava tudo bem não foi respondida mas talvez ela só esteja ocupada demais no trabalho, assim que puder ela me liga, tenho certeza! Está tudo bem.
Certo, são dez da noite e eu estou realmente preocupada pois nem receber as mensagens ela recebe, não liga, o celular começou cair direto na caixa postal... estou realmente preocupada mas esse horário não posso fazer visita alguma para perguntar se está tudo bem e... não! Eu vou lá, sim, eu preciso saber como ela está e vou fazer isso agora.
Deixei a Laura aos cuidados de Eliza que me desejou sorte e paciência para conversar com a Gabriela. Segui para o carro e em poucos minutos estacionei na frente do prédio dela, entrei na portaria e dei o nome dela, me informaram o apartamento e interfonei até que alguém com uma voz de choro atendeu, meu coração palpitou por perceber isso e tomei coragem:
- Oi, aqui é a Vitória, uma amiga da Gabriela.
Ouvi um choro nada contido do outro lado e logo em seguida o portão foi destravado.
- Sobe, é melhor conversarmos pessoalmente. É no sétimo andar, apartamento 7ª.
Subi desesperada rezando para que o elevador demorasse menos de 30 segundos para subir os 7 andares, com o coração aflito e o corpo controlado. Quando cheguei no andar uma moça que eu já tinha visto próxima do prédio que trabalho estava na porta do apartamento 7ª, fui até ela que me estendeu a mão em cumprimento.
- Prazer, Vitória- atendi seu cumprimento, as mãos estavam geladas.
- Eu sou a Thais, amiga de trabalho e de vida da Gabi- ela falava num tom sério, comedido, triste- entre.
Entrei e encontrei outras 4 meninas e um policial fardado sentados no sofá, um outro policial na janela com a mão no coldre, próxima da arma, olhando o movimento.
- Gente- todos olharam para Thais e eu- essa é a Vitória, ela é amiga da Gabriela e passou os últimos dias com ela.
Meu coração ficou gelado, foi como se o chão começasse sair do meu peito e nada pudesse ser feito além de esperar para saber o que estava acontecendo, mas a espera não aconteceu.
- O que... o que houve com a Gabriela?
- Sente-se aqui- o policial que estava sentado se levantou e pediu que eu sentasse no sofá que ele estava com uma das moças que provavelmente morava lá, eu me sentei- aconteceu um sequestro hoje e sua amiga Gabriela foi levada por ter se oferecido no lugar da Thais- ele olhou para Thais e se abaixou para ficar na altura do meu rosto, que estava baixo, eu não tinha processado aquela informação ainda- a senhora está me ouvindo, Vitória?
Meus olhos arregalaram, minha boca ficou seca e meu coração se quebrou, pude ouvir os estalidos da última bombeada de sangue dele, me senti fria, meus olhos encheram de lágrimas e logo elas caíram pesadas, uma a uma, parando no tecido jeans da minha calça que as absorvia. Apertei forte a chave do carro em minhas mão, cada vez mais forte, minha cabeça latej*v*, não conseguia me mover, senti minhas mãos quentes e minhas vistas escureceram, desmaiei.
Quando acordei, já no hospital, Eliza e Laura estavam ao lado de minha cama, minha filha com o semblante triste, Eliza com uma ruga de preocupação na testa. Pude ver um policial que estava na casa na porta e o que me deu a notícia estava encostado na janela conversando baixo com a Thais. Meu mundo parou quando lembrei o que tinha acontecido, foi então que perceberam que acordei e tentei levantar o braço, que estava preso a cama, minha mão estava enfaixada.
- O que houve? Posso soltar minha mão?
- Você desmaiou, Vic- Eliza segurava minha filha nos braços e passava a mão sobre o velcro que prendia minha mão esquerda, retirando-o para que eu pudesse ter uma mão livre, soltei a outra que estava enfaixada- e apertou demais a chave do carro, teve alguns cortes profundos na mão, precisou de pontos.
- Cadê ela? Acharam ela? Ela está bem?
- Senhora, sou o capitão Costa da Polícia Civil, não a achamos, estamos fazendo o possível- meus olhos encheram-se de lágrimas que teimaram em descer pelo meu rosto e eu deixei-as correr, como eu queria fazer agora, fingir que não era verdade.
- Mas vão encontra-la, não vão? Precisam me dizer que sim! Eu movo o que for preciso, eu pago o que for necessário para que ela esteja comigo o mais rápido possível, sã e salva.
- Isso seria ótimo, senhora, mas não sabemos ainda quem a levou e porquê.
- Thais- me virei para ela- está tudo muito confuso, o que aconteceu?
Ela sentou na cama e segurou minha mão, começou contar já sem lágrimas para derramar como tudo aconteceu: ela estava na sala de reuniões com a Gabriela e os demais diretores quando um barulho muito grande foi ouvido, pessoas lá fora começaram gritar e Gabriela foi a primeira a sair da sala, foi atingida por um tiro de raspão no braço e voltou para dentro da sala, mandou todos se esconderem enquanto ainda sangrava e assim foi feito, todos foram para o “quarto branco” que era um ambiente desconhecido pela planta original do prédio que previa onde os funcionários ficariam caso alguma situação de emergência ocorresse. Quando quase todos entraram e só ficaram Gabriela e Thais para entrar, a porta da sala foi arrombada a tiros, Gabriela fechou a porta do quarto branco tão rápido quanto pode e viu Thais ser pega por um dos sequestradores encapuzados, ela já sangrava bastante, se ofereceu no lugar de Thais, que já estava sendo enforcada e levada por um dos bandidos, já que era diretora da empresa e eles liberaram Thais para pegarem Gabriela, ela pegou sua bolsa de mão num solavanco quando saíram com ela, encapuzando-a e colocando-a numa van preta e antiga, sem placas. Thais tentou seguir o carro, mas em segundos foi deixada para trás, viu a polícia chegando e avisou do carro, o policial pediu para que ela entrasse na viatura e foram pelo caminho que provavelmente a van teria seguido, por questão de minutos, perderam o carro de vista, era como se ele não existisse, passaram a tarde inteira perguntando se tinham visto o carro em toda a redondeza do ocorrido, ninguém o tinha visto, então iniciaram uma busca maior. Toda a parte legal de boletim de ocorrência foi feito e o departamento de sequestros foi acionado, dando abertura ao caso agora, como sequestro.
Durante um instante eu chorei, abracei minha filha e tive alta poucas horas depois, ainda abraçada a ela, depois me senti determinada a achá-la. Saí dali ligando para meu detetive particular, digo, minha detetive, que trabalhou recentemente para meus pais e agora era minha alternativa para resolver o caso de Gabriela depressa, eu precisava saber que ela estava bem, que estava alimentada e medicada, que não estava machucada e que tinham ao menos cuidado de seus ferimentos... mas eu sei que não era assim o funcionamento disso tudo, que bandidos tem sempre um objetivo obscuro e fazem de tudo para alcança-lo.
Fui para casa e logo Fabrícia chegou, ela era italiana, sempre foi louca por mim, desde que éramos molecas, mas sempre foi a melhor profissional do ramo de investigação ou segurança particular, foi a primeira pessoa que me veio à cabeça.
Expliquei para ela a situação, já sem lágrimas para chorar e recebi em resposta sua palavra de que a equipe dela resolveriam aquilo e trariam a Gabi sã e salva para meus braços.
O advogado da minha família se reuniu conosco para falarmos sobre o contrato e ela começaria seus trabalhos naquele mesmo dia.
Fim do capítulo
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