Capítulo 50 - Prenúncio do Fim
Em teoria tudo parece perfeito, afinal eu só precisaria enrolar um pouco, enquanto o restante da equipe se organizava para que as coisas pudessem acabar da melhor maneira possível. Eu só não sabia o quanto de preparo psicológico e estômago forte eu necessitaria ter para ouvir todas aquelas palavras. Sabia que precisava manter meu foco em salvar Malu e Jana, mas ter a verdade se descortinando a minha frente de uma forma tão cruel e doentia me fazia fraquejar e eu temia por não conseguir manter a serenidade necessária.
A negociação louca que havíamos programado na verdade não deve ter durado mais do que uns quinze minutos, mas parecia que horas e mais horas haviam se passado de puro terror. Ver a minha namorada e Jana naquela situação era algo muito desestabilizante, por mais que eu tentasse abstrair parte das palavras que aquele louco me dizia era praticamente impossível ignorar tudo, afinal era de toda a minha vida que ele estava falando e era o meu futuro que ele estava ameaçando naquele quarto.
Enquanto ele parecia não querer calar a boca a minha mente fazia uma retrospectiva dos fatos, nos quais eu percebia que durante toda minha vida, eu estive negociando a minha sobrevivência, mesmo sem nem notar. Negociava com um maluco que me fez crer ser a minha única família e meu protetor, que por anos foi meu porto seguro e me fazendo confiar cegamente, que tudo o que ele queria era o meu bem. Me fez crer numa bondade inexistente, numa cumplicidade falsa e cheia de interesses que eu desconhecia, enquanto na verdade tudo que ele queria era tomar tudo de mim. Mas não tinha me restado muito já que meus pais haviam morrido e as terras apesar do valor que poderiam vir a ter ao serem exploradas, definitivamente não era valor suficiente pro tamanho das perdas que eu já havia tido. E agora depois de tudo ele estava ali querendo roubar o que havia surgido de bom em minha vida e eu nem sabia se teria realmente forças para impedi-lo.
Era difícil manter a frieza e fazer com que ele acreditasse que toda aquela negociação era real e não apenas uma forma de distraí-lo, ver nos olhos de Malu o medo por acreditar que nada parecia estar dando certo me deixava muito triste, pois por mais que eu quisesse não poderia confortá-la. E Jana me parecia tão abatida e mesmo que ela tentasse parecer mais calma para que eu não me desesperasse, isso era quase impossível, pois nunca em minha vida tinha visto tanta tristeza em seu olhar. Quanto a meu padrinho ele parecia ter cedido completamente a insanidade naquele momento e em nada me lembrava o homem bom que havia cuidado de mim, se alguém me contasse antes que ele poderia ter algum envolvimento na morte de meus pais eu custaria a crer, mas vendo todo aquele ódio em seu olhar eu poderia acreditar até que foi ele mesmo quem os havia matado. E nem gostaria de imaginar o que mais de mal ele já poderia ter feito tudo para obter aquelas terras.
Ele estava tão transtornado que parecia meio alheio ao resto do mundo, tanto que o restante da equipe conseguiu se preparar pra entrada no quarto. Os índios se uniram aos agentes para que conseguissem passar pelo telhado da cabana, que era bem antiga então qualquer movimento em falso poderia fazer tudo vir abaixo. Eles teriam que agir com muita cautela e bem depressa, pois eu não conseguiria manter aquela farsa por mais tempo e se ele percebesse a verdade Jana estaria perdida e Malu também não escaparia. Notei que ela olhou pra cima e pareceu ficar surpresa, eu não poderia fazer o mesmo pra não nos denunciar, mas o olhar que ela me lançou me deixou mais tranqüila e consegui me manter firme por mais tempo, agora era uma questão de tempo.
Era incrível como uma quantidade tão grande de ações e reações poderiam ocorrer num espaço tão curto de tempo, mas essa é a única forma de descrever tudo que aconteceu naqueles aproximadamente cinco minutos de puro adrenalina. Primeiro uma parte do telhado desabou ao lado de meu padrinho, alguém provavelmente perdeu o equilíbrio e o telhado que já estava velho não agüentou. O barulho foi imenso parecia que toda a cabana estava vindo a baixo, mas ao menos tempo isso serviu para que o louco se distraísse, por não saber ao certo de onde vinha o som, o que deu tempo de Jana empurrá-lo e afastar-se ao menos um pouco da mira de sua arma. Alguns dos rapazes estavam armados, mas em meio aquela confusão as chances de se acertar a pessoa errada poderia ser grandes, então atitude de atirar partiu de um dos índios que o mais depressa usou uma zarabatana e acertou em cheio o pescoço do cretino. Poré, pra meu total desassossego, como costumam dizer vaso ruim não quebra fácil e apesar de completamente desnorteado ele ainda conseguiu puxar o gatilho. O som do tiro fez meu coração gelar e a principio pensei que havia sido atingida, mas logo notei que Jana apesar de ter conseguido se afastar não foi o suficiente e acabou por se atingida e agora estava ali caída na frente de todos. Depois desse tiro foi como se uma cortina de fumaça houvesse se dissipado e agora eu podia ver todos que estavam no quarto. Os agentes que entraram pelo telhado com os índios, os rapazes que estavam entrando pela porta do quanto e janela, o louco que agora estava desacordado, mas que definitivamente eu preferia que já estivesse morto. Minha Malu que antes que eu pudesse perceber já estava ao meu lado e minha prima Jana que estava ali caída e que logo que pude ver meu coração quase parou. Mas antes que eu pudesse me aproximar Duda passou que nem uma bala por mim e Malu e foi ajoelhar-se a seu lado.
E por mais incrível que pareça em meio a toda aquela total confusão a cena que presenciamos foi bem cinematrografica, quando Duda desesperada se ajoelhou ao lado de Jana e começou a sacudi-la e chorar.
-Não faz isso comigo amor, logo agora que decidi tomar jeito e parar com a vadiagem, eu vou perde a mulher que iria me por nos eixos.
Ela dizia isso e se abraçava a Jana que parecia não se mover na hora, e o show continuou.
-Por favor amor eu até pensei em casar. Putz! passou ser até dona de casa pela minha cabeça, eu até aprenderia a cozinhar.
Se eu não estivesse mesmo tão preocupada com Jana eu teria começado a rir, mas foi a própria Jana que acabou dando a deixa que permitiu que todos caíssem na risada.
- Espero que você cumpra essas promessas todas mocinha! E da pra parar de me sacudir e apertar se não acabo morrendo de verdade.
Ela disse essas palavras com um sorriso tão cafajeste e um jeito tão Jana de ser, diante de uma cara completamente sem jeito de Duda, algo raro demais de se ver. Acabou por não ter jeito e todos começaram a rir da situação cômica que só poderia mesmo ter sido provocada por ninguém menos que a Duda.
O tiro tinha passado mesmo bem de raspão no ombro de Jana e apesar de todo sangue ela estava bem. E logo aplicaram os primeiros socorros nela. Que a todo o momento tinha que pedir pra Duda dar um pouco de espaço pra conseguir respirar. Graças a colaboração e organização de todos tinha dado tudo certo.
Enquanto cuidávamos de Jana, algemaram meu suposto padrinho querido, que agora tinha em sua ficha uma quantidade bem grande de crimes e ficaria preso por muito tempo. Apesar de no fundo eu desejar a morte imediata dele eu ainda preferia crer na justiça e deixar que ele fosse pra cadeia, mesmo sabendo que se eu desse cabo da vida dele ali mesmo ninguém nunca iria saber afinal, no meio de toda aquela mata sem fim o que não faltaria era bicho pra dar conta da carcaça dele, mas isso não traria minha família de volta e me assegurar de que ele ficasse preso pra sempre já estava de bom tamanho. Ele seria levado pra delegacia local e em seguida transferido para a cidade. Com a quantidade de provas que havíamos conseguido e com o depoimento das meninas ele não conseguiria se safar.
Eu estava muito feliz por ter Malu de volta e por Jana apesar de ferida, estar bem, ainda faltava saber muitos detalhes sobre o ocorrido, saber a extensão real de toda aquela trama, mas isso poderia esperar pra um pouco mais tarde, pois naquele momento o que mais queria era sair dali e levar meus amigos em segurança para o casarão e lá depois de um bom banho e de ter acalmado os ânimos conversaríamos com calma e é claro com a minha Malu bem pertinho de mim.
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É incrível como a maldade humana pode ser algo sem limites e como a ganância pode ser algo tão cruel. Primeiro Malhes sobre o seqüestro enquanto os agentes e o delegado local gravavam e faziam anotações, pois esse depoimento seria mais uma prova a ser acrescentada ao processo. Depois de contar tudo que houve até o momento em que Jana surge na tentativa de salvá-la ela para de falar e parece ficar ainda mais triste com todo o ocorrido e todos notam seu olhar de tristeza pra Jana, como se pedisse permissão pra continuar, ou apenas passasse a palavra a Jana, que até então não tinha dito muitas palavras além de pedir espaço a Duda.
Ela estava com um olhar meio perdido e notei que na certa não era nada fácil o que ela contaria, mas ela reuniu as forças que lhe restavam, pois sabia que o que diria seria importante pra manter o canalha do meu padrinho na cadeia. Ela contou tudo do que havia se lembrado. O que deixou bem claro que muito antes do que eu imaginava ele já tramava contra a minha família e que sua maldade quase havia estragado a vida da minha prima também.
Não pude conter as lágrimas e a abracei com carinho, pedi desculpas por não tê-la procurado, afinal ela era a minha família também, mas no fundo as duas sabiam que éramos só crianças e nada poderíamos fazer e ainda correríamos o risco dele fazer ainda mais maldades em nossas vidas, tínhamos nos encontrado no tempo certo, quando já estávamos preparadas o suficiente pra lutar contra ele e vencer.
Eu apesar de tudo ainda havia tido uma vida boa e Jana apesar de realmente sofrido ter muito e mesmo sem minha ajuda teve forças e havia se tornado essa guerreira que agora tinha sido a responsável por tudo ter dado certo. Duda parecia mais uma sombra, não desgrudava, e o tempo todo queria saber se ela estava bem, se não precisava de água, suco ou se queria descansar.
- Calma Duda eu estou bem! Não to com fome nem sede. Só fique quietinha moça,ter você perto já esta bom.
Ver todos os rapazes ali era algo confortante. O carinho de Arthur com Malu era muito fofo, mas estávamos todos exaustos e precisávamos de uma noite de sono que ha muito tempo não tínhamos.
Adormeci praticamente em simbiose com a minha doutora pra ter certeza de que ela nunca mais sairia de perto de mim e assegurar que todas as noites eu teria seus beijos me desejando uma boa noite. Sabia que o novo dia reservava ainda muitas coisas e ainda havia muito a ser resolvido, mas naquele momento eu apenas me permitiria adormecer naquele abraço.
Fim do capítulo
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