Capítulo 38 - Recordações Dolorosas
Estar em meio aquele povo me fazia sentir-me um pouco mais próximo de minha menina, conhecer suas origens, ver lugares onde ela esteve enquanto criança me davam a sensação gostosa de fazer parte de sua vida de uma forma muito íntima. Aquela criançada toda por perto limitava bastante nossa intimidade, mas eu estava adorando vê-la tão feliz, ela parecia mais um dos curumins de tanta alegria, pulando no rio, correndo e se uniu a eles pra me zuar me chamando de Curupira, meu cabelo já deveria estar uma bagunça de tanto que eles futucavam pra ver se era de verdade.
Eu estava exausta, por ter velado o sono de minha menina, que apesar de sereno inicialmente logo mostrou se povoado por sonhos que a deixaram agitada, acabei adormecendo em uma rede, que devido ao meu cansaço me pareceu a cama mais confortável de todas. Fui acordada por Iara que se deitou a meu lado e me abraçou. A rede balançava suavemente enquanto ela deslizava sua mão por minhas costas, e brincava com seus lábios em minha orelha, que nem um bichinho em busca de dengo, acordei nesse clima delicioso e me aconcheguei em seus braços, era tão bom ver que ela estava, mas tranqüila, mas de certa forma sabia que isso era momentâneo, pois a conversa que teríamos mais tarde com o pajé provavelmente seria tensa, mas eu estaria a seu lado. Ficamos ali mais um tempinho aproveitando o dengo até que fomos retiradas de nosso sossego por Duda, que chegou parecendo um furacão.
-Iarinha amor, você precisa me ajudar.
- Já ouviu falar em avisar antes de entrar mocinha, você poderia ter nos surpreendido de uma forma constrangedora.
-Que isso mocinha até parece que ver uma mulher nua seria alguma novidade pra mim. Se bem que assim numa rede seria sim uma novidade. Mas não foi isso eu vi ver aqui meninas.
-Então nos diga “senhorita indiscrição” em que podemos ajudar?
- A sua priminha esta me deixando maluca, sabe me dizer se ela é só uma heterocuriosa que gosta de uma boa dose de provocação ou se ela joga mesmo no time?
-Bom tem muito tempo que nós estamos separadas, então não sei bem dizer se a minha priminha curte, mas se bem me lembro quando éramos meninas ela tinha uma amiga inseparável e uma vez vi as duas se beijando, foi algo inocente, mas era um beijo.
-Mas diga acha que ficaremos por aqui muito tempo?
-Tudo vai depender da conversa que teremos mais tarde, mas acredito que você ainda terá tempo de investir mais na minha priminha. Não precisa ficar em pânico. Imagina que ironia a Duda caçadora, caidinha por uma moça que acabou de conhecer.
-Quem disse que estou caidinha, só achei ela interessante nada demais.
Foi a vez de eu me aproveitar da situação pra zuar um pouco da Duda que nunca perdia uma oportunidade de me azucrinar..
-Tem certeza mocinha por que eu bem vi a sua carinha de pidona e sem contar que você só faltou babar quando ela apareceu e agora ta cheia de dedos pro lado dela, mas pelo visto vai ter que ralar viu, por que ela não é fácil, mas pelo menos você vai ter uma índia só pra você e vai deixar a minha namorada em paz.
- Fica quietinha ai Curupira que a conversa é entre eu e minha futura pseudocunhada.
Até Iara achou graça das alfinetadas, e sem contar que o apelido de Curupira ia mesmo pegar, não iria ter jeito. Rimos mais um pouco da situação da Duda, até o momento em que o assunto da nossa conversa chegou pra nos chamar, já estava na hora de conversarmos e Jana veio nos avisar. Vi a apreensão nos olhos de minha sereia então segurei a sua mão e ela me agradeceu com um sorriso. Saímos de mãos dadas em direção onde o restante do povo se encontrava.
Seguimos Jana até uma parte um pouco mais isolada da tribo onde havia uma fogueira e alguns troncos dispostos como bancos ao redor dela. Fomos convidadas a sentar, junto aos rapazes já estavam sentados a nossa espera. Senti-me como naqueles filmes em que os personagens sentam ao redor da fogueira pra contar histórias de terror, mas ouviríamos sim uma história, mas seria real e envolvia a vida da mulher que eu amava. Sentamos e ouvimos o chefe começar a contar.
Ele descreveu um pouco sobre a vida de sua filha Jurema e de quando ela decidiu estudar na cidade, pra assim poder ajudar a tribo. Ele como pai havia ficado preocupado, mas sabia que ela não era um ser domável e faria o que fosse necessário. Sua preocupação aumentou quando ela conheceu Osvaldo o pai de Iara, não tinha nada contra ele, na verdade o havia recebido como um filho, pois via em seus olhos o reflexo do amor que sentia e via nele verdadeira vontade de ajudar, o problema estava na determinação que ele e sua filha tinham em tentar ajudar e a forma como o faziam, muitas vezes desafiando pessoas que tinham poder e que poderiam não gostar da intromissão constante deles.
Estava feliz em ver a alegria de sua filha e quando sua neta chegou essa alegria aumentou, quando viu aquela pequena indiazinha com olhos cor de água dos rios, não pode deixar de chamá-la de Iara, sua pequena princesa da água. Estava feliz, mas ao mesmo tempo sua preocupação aumentava, pois seus amados filhos pareciam não ter limites, e um dia Jurema chegou com um monte de papeis dizendo serem documentos importantes pra desmascarar os invasores das terras e os madeireiros e caçadores, que ela havia descoberto fazerem parte de um esquema de um dos grandes donos de terras da região, mas que ainda teria que encontrar mais provas, teve a idéia de instalar uns gravadores e uma câmera meio escondidas perto da tribo, pois teria um encontro com um dos capatazes na ânsia de obter mais informações. Ele não entendia nada de toda aquela tecnologia, mas sua filha era determinada demais e nada a fazia parar.
Mas não sabia como aquilo terminaria, acabou que sua filha não voltou daquele suposto encontro e acabou perdendo sua neta, que apesar de viva, não teve mais coragem de ficar na tribo, e alguns anos depois perdeu aquele a quem considerava como um filho. Guardou os documentos e os aparelhos que a filha usou naquele dia, queria entregá-los a neta, pois sabia que um dia ela voltaria, pois seu espírito pertencia aquele lugar.
Depois de contar essa história que levou quase todos os presentes as lágrimas ele a entregou uma pasta grossa com muitos papeis e um gravador e uma câmera antiga. Eram antigos e precisavam de pilhas aproveitei essa situação pra ver se evitava o pior.
-Iara não precisamos ver isso agora, podemos deixar isso pra depois.
-Preciso fazer isso Malu, ao menos agora não estou mais sozinha.
Diego se prontificou a buscar pilhas pra verificarmos se os aparelhos ainda funcionavam e eu confesso que torci pra que nada estivesse funcionando, pois pelo que Iara havia me contado, havia sido uma situação muito triste, mas pra minha tristeza estava tudo ali perfeito, e a minha menina acabou revivendo parte o terror que havia vivido. Eu a abracei enquanto ela chorava ainda mais. Jana se uniu a esse abraço e logo que notou Iara mais calma ela falou.
-Minha irmãzinha querida, nunca podia imaginas que havia passado por tanta dor, vovô nunca me contou e nem deixou que soubesse desses documentos. Mas agora podemos usar tudo isso pra por esse povo na cadeia. Escolhi fazer direito justamente pra poder ajudar nosso povo e agora poderei ajudar você.
A tristeza nos olhos de Iara era palpável e logo o pajé decidiu que deixaríamos para a manhã seguinte qualquer decisão e que sua menina deveria se acalmar e ir buscar um pouco de energia na fonte de onde vinham suas forças. Eu já conhecia a minha menina o suficiente pra saber onde ela deveria buscar forças. Caminhamos juntas até o rio, a noite estava linda apesar de toda tristeza ela se despiu ficando completamente nua e se jogou nas águas, a lua parecia cobrir de uma luz prateada todo seu corpo, ela ficou um tempo ali nadando como se fizesse parte daquelas águas, quando ela saiu parecia bem mais tranqüila, sorriu de forma serena e estendeu a mão pra me ajudar a levantar.
-Venha minha Curupira, vamos proteger nossas matas.
Ela me convidou pra um mergulho e logo fomos juntas pra nossa rede onde dormimos juntinhas, e dessa vez ela dormiu de forma serena durante toda a em meus braços.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook:
[Faça o login para poder comentar]