Capítulo 7
7.
Eu não conseguia compreender o que estava a acontecer. Uma confusão avassaladora tomava conta de mim, e nada parecia fazer sentido. Passei dois anos longe da garota que amava, sem qualquer contato, tentando enterrar os sentimentos que me consumiam. Mas agora, ao vê-la novamente, uma avalanche de emoções atingiu-me sem piedade, deixando-me completamente desnorteada.
Naquele instante, como se minha mente quisesse dar voz ao caos dentro de mim, a melodia de "You and Me", de Lifehouse, ecoou nos meus pensamentos.
"What day is it and in what month / Que dia é hoje e de que mês?
This clock never seemed so alive / Este relógio nunca pareceu tão vivo!
I can't keep up / Eu não posso prosseguir
And I can't back down / E eu não posso desistir
I've been losing so much time / Tenho perdido tempo demais
'Cause it's you and me and all of the people / Porque somos você e eu e todas as pessoas
With nothing to do / Com nada para fazer
Nothing to lose / Nada para perder
And it's you and me and all of the people / E somos você e eu e todas as pessoas
And I don't know why / E eu não sei por quê
I can't keep my eyes off of you / Não consigo tirar meus olhos de você
Fechei os olhos por um segundo, tentando recuperar o fôlego, contudo sem sucesso. Cada detalhe dela — o olhar firme, a postura indiferente, a forma como parecia alheia à minha presença — fazia com que o meu peito se apertasse ainda mais. Como era possível que o tempo tivesse passado, mas ela ainda tivesse o mesmo efeito sobre mim?
Eu queria dizer algo, mas as palavras travavam na minha garganta. E, enquanto o mundo ao nosso redor seguia normalmente, eu só conseguia pensar no quanto queria manter os meus olhos fixos nela.
Eu queria dizer algo, mas as palavras simplesmente se recusavam a sair. O meu peito estava pesado, e ao meu redor tudo parecia um borrão irrelevante. Tudo o que importava era ela. Claire estava ali, tão perto e, ao mesmo tempo, tão distante. Eu queria capturar cada detalhe, cada nuance do seu olhar, como se pudesse congelar aquele momento e entender o que se passava dentro dela. Fiquei presa à sua imagem, perdida nos meus próprios pensamentos, até sentir um leve toque no braço. Pisquei algumas vezes, despertando do meu transe, e virei-me para Mari, que me observava com um sorriso.
— O que achas, Bia? — perguntou ela, esperando uma resposta que eu não tinha.
Demorei um segundo para reagir, ainda meio atordoada.
— Desculpa, Mari, eu não estava a prestar atenção... — confessei, abaixando a cabeça, sentindo o peso da vergonha.
Levantei o olhar e, inevitavelmente, meus olhos encontraram os de Claire. Sua expressão era fechada, os lábios comprimidos e as sobrancelhas arqueadas, como se analisasse cada um dos meus movimentos. Um arrepio percorreu a minha espinha.
— Eu estava a falar sobre sairmos durante esta semana... — continuou Mari, sem perceber o turbilhão dentro de mim.
Abri a boca para responder, mas fui interrompida por uma voz cortante, carregada de ironia.
— Acho que a cabeça da Beatriz ainda está lá pelas terras de Vossa Majestade... — Claire comentou, seu tom ácido, atingindo-me em cheio.
Soltei um suspiro longo, levando a mão ao cabelo e prendendo uma mecha atrás da orelha, tentando conter o turbilhão dentro de mim. A tensão no ar era palpável, como se cada palavra trocada alterasse a atmosfera ao nosso redor.
— Estás preocupada com algo que deixaste lá? — Claire questionou, a voz carregada de um tom quase desafiador. — Algum assunto inacabado que ainda te prende ao outro lado do oceano?
— Não, eu... — tentei responder, mas fui rapidamente interrompida.
— Isso não é nada educado, Beatriz. — Sua voz era fria e calculada, cortando-me como lâmina afiada. — O mínimo que poderias fazer era prestar atenção quando uma amiga que não te vê há dois anos tenta conversar contigo. Afinal, é para isso que ela está aqui... para matar saudades. Já eu, pelo visto, não posso dizer o mesmo.
Abri a boca, mas nenhuma palavra encontrou caminho para sair. O meu peito apertou, fazendo-me cerrar os punhos, lutando contra a inquietação crescente.
— Aposto que as amizades que fizeste por lá sabiam que ias voltar — continuou ela, com um sorriso amargo. — Diferente de nós, que nem sequer tivemos a chance de saber que estavas de partida.
Esta desviou o olhar para Mari, soltando uma risada seca, carregada de mágoa disfarçada de indiferença. Meu estômago revirou. Eu não sabia se suportaria ouvi-la dizer mais alguma coisa.
— Claire... — Mari murmurou, hesitante, mas Claire ergueu a mão no ar, cortando qualquer tentativa de intervenção.
— Não soubemos de nada, e tu nem sequer te deste ao trabalho de manter contato. — Sua voz era afiada, carregada de ressentimento. Seus olhos ardiam de frustração ao me encarar. — Ah! Acabei de me lembrar... eu fui a única que tu ignoraste completamente.
Engoli em seco, sentindo um nó se formar na garganta.
— Eu tive as minhas razões... — tentei argumentar, mantendo a voz firme, apesar do tremor nas minhas mãos suadas.
Claire soltou uma risada amarga, cruzando os braços.
— Razões? — repetiu, sarcástica. — Tu simplesmente foste embora sem avisar a TUA melhor amiga! E agora vens falar de razões? Sinceramente, não consigo encontrar uma justificativa minimamente aceitável para o que fizeste.
Pisquei algumas vezes, tentando manter a compostura, contudo era ferida por cada palavra que saia da sua boca.
— No início, até tentei acreditar que tinhas ido por obrigação, que talvez nem tivesses escolha... e, por um momento, achei que isso explicava o teu silêncio. Mas depois... — Ela fez uma pausa, e seu olhar se estreitou. — Depois eu descobri a verdade.
Meu estômago revirou, os meus olhos vagaram pelo ambiente, sentindo o peso crescente da atenção sobre nós. Precisávamos sair dali antes que aquela conversa se tornasse um espetáculo público.
— Aqui não é o lugar certo para falar sobre isso... — murmurei, baixando o tom de voz. — Vamos para o meu quarto?
Claire lançou-me um olhar de puro desprezo, como se a simples sugestão fosse um insulto. E naquele momento, percebi que talvez não houvesse lugar certo para essa conversa.
— Não! Não vamos a lugar nenhum! — Disparou, sua voz carregada de fúria e dor. — E digo-te mais: essa conversa termina aqui.
Os seus olhos faiscantes encararam-me, sua respiração acelerada. O ar ao nosso redor parecia eletrificado, pesado.
— Tiveste todas as oportunidades para me contar sobre a viagem, Beatriz. Todas! — Sua voz tremeu, mas não de fraqueza, e sim de frustração acumulada. — Antes de partires, eu perguntei, implorei para que me dissesses o que se passava, mas tu preferiste deixar-me no escuro. Fizeste a tua escolha. Agora é tarde demais.
Eu tentei abrir a boca, mas nenhuma palavra saía. Meu peito apertava, como se o próprio ar estivesse me abandonando.
Claire soltou uma risada seca e amarga antes de cruzar os braços, desviando o olhar por um instante, como se estivesse reunindo forças para continuar.
— Vamos deixar de ser hipócritas? — Ela virou-se para Mari, que permanecia cabisbaixa, como se quisesse desaparecer. — Eu não vou a lugar nenhum contigo, Beatriz. Se achaste que podias simplesmente voltar e que eu estaria de braços abertos, à tua espera, enganaste-te redondamente.
A cada palavra, sua voz cravava-se em mim como lâminas afiadas. O ar tornou-se denso, e um frio subiu pela minha espinha.
— A nossa amizade morreu no dia em que entraste naquele avião. — O golpe final veio como um sussurro cortante, mas fez estrondo dentro de mim. — Agora, para mim, tu não passas de uma mera desconhecida.
A minha visão ficou turva. Senti o mundo desmoronar sob os meus pés.
Claire virou-se, prestes a ir embora, e meu instinto foi correr atrás dela, segurá-la, implorar por uma segunda chance. No entanto a minhas pernas pareciam pesadas demais. Eu sabia que, se tentasse segui-la, desabaria ali mesmo, diante de todos.
Humilhação. Dor. Vazio.
Eu não sabia como estava o meu rosto, mas o silêncio ao meu redor dizia tudo. A minha pele provavelmente estava pálida, os olhos marejados. Meu corpo tremia, e só percebi que segurava a respiração quando o ar saiu num suspiro quebrado.
Mari continuava do meu lado, calada, sem coragem de me encarar.
Respirei fundo, tentando conter as lágrimas que já ardiam nos meus olhos.
Mas era inútil. Eu nunca me senti tão pequena. Tão irrelevante.
Tão esquecida.
— Eu não tive oportunidade de dizer nada... — Gemi em choque. — Mari por que não me disseste que ela estava furiosa comigo? — Esta olhou para mim inclinado a cabeça como se eu tivesse feito a pregunta mais estupida do mundo.
— Sério que estás a preguntar isso? Bia eu tentei falar contigo e tu não quiseste ouvir, alias tu não querias saber de nada que envolvesse a Claire.
— Eu...eu sabia que ela estava magoada, mas eu acreditava que contigo do lado dela... eu achei que ela iria ouvir-me quando eu chegasse. — Sussurrei limpando as lagrimas que escorriam.
— Bia tu foste embora no pior momento possível. — Confessou baixando a cabeça despertando o meu interesse.
— O que aconteceu? — Questionei intrigada puxando Mari para um canto.
— Eu não te vou contar... A Claire pediu-me para não te dizer nada.
— Tu tens de me contar! — Exigi, cerrando os dentes, minha voz carregada de urgência e desespero.
Mari soltou um suspiro pesado, passando a mão pelo cabelo, claramente relutante.
— Se eu te contar, ela mata-me... — Murmurou, hesitante. Seus olhos vagaram pelo ambiente antes de pousarem nos meus, carregados de um peso que me fez prender a respiração. — Mas uma coisa eu posso te garantir, Bia: a Claire que tu conheceste há dois anos não é a mesma que viste hoje.
Meu coração falhou uma batida.
— Eu quero saber o que aconteceu. — Minha voz saiu firme, mas por dentro eu tremia.
Mari desviou o olhar, mordendo o lábio.
— Não aqui. — Seu tom era definitivo. — Durante a semana combinamos um café, e eu conto o que puder. Agora, eu vou atrás dela.
Dito isso, virou-me as costas e desapareceu no meio da multidão.
Fiquei ali, imóvel, como se meu corpo tivesse esquecido de como se mover. Minhas pernas pareciam feitas de chumbo, e minha cabeça latej*v*, tomada por um turbilhão de emoções que eu mal conseguia processar.
Respirei fundo, tentando me recompor, olhei ao redor como se procurasse algo que me trouxesse de volta à realidade. Meus olhos pousaram no bar, e sem pensar muito, caminhei até lá.
— Uma taça de prosecco rosé, por favor.
O garçom serviu-me rapidamente, e eu voltei para o meu canto, encostando-me à parede. Segurei a taça com firmeza, mas meus dedos estavam trêmulos.
Levei o espumante aos lábios, fechando os olhos ao sentir o gosto suave e ácido deslizar pela minha garganta.
Contudo nem o álcool poderia apagar o gosto amargo daquela noite.
Quando finalmente senti a minha respiração estabilizar e a confusão dentro de mim ceder um pouco, decidi movimentar-me novamente. Meu único objetivo era chegar às escadas sem ser abordada, sem que ninguém tentasse puxar mais um pedaço da minha sanidade naquela noite.
Caminhei com passos rápidos, focada no meu destino. Mas, antes que pudesse alcançá-lo, os meus olhos captaram uma cena que fez o meu corpo congelar no lugar.
Claire e Mari estavam um pouco distantes, encostadas contra uma parede.
Parei imediatamente, o meu coração batendo contra as costelas com força.
Observei-as em silêncio, ignorando o burburinho ao meu redor. Algo na postura de Claire, na forma como sua expressão parecia carregada, me fez prender a respiração.
Havia tensão entre as duas. Não era uma conversa trivial.
Elas pareciam discutir, despertando imediatamente a minha curiosidade. Claire gesticulava com intensidade, enquanto Mari mantinha uma expressão rígida. Tentei, em vão, captar o que diziam através da leitura labial, fracassando — ambas falavam rápido demais, e tudo o que consegui foi uma frustração crescente.
Depois de alguns instantes, Claire disse algo com mais veemência, sua expressão fechou-se ainda mais. Mari bufou, claramente irritada, e sem dizer mais nada, virou-lhe as costas saindo apressadamente.
Fiquei onde estava, observando Claire com atenção. Esta permaneceu imóvel, a cabeça baixa, como se estivesse a processar algo que não queria admitir.
Então, lentamente, ergueu o rosto.
Nossos olhares se encontraram no mesmo instante.
Por um momento, tudo ao nosso redor pareceu silenciar. O barulho da festa, as vozes, a música... nada mais existia além daquela troca intensa de olhares.
Havia algo nos olhos dela que me desarmou. Um misto de angústia e algo mais, algo que eu não conseguia decifrar.
A minha respiração voltou a ficar presa na garganta. Claire entreabriu os lábios, como se fosse dizer algo, e isso foi o suficiente para que meus pés se movessem sozinhos. Dei um passo em sua direção, mas balançou a cabeça lentamente, numa negativa silenciosa.
Antes que eu pudesse reagir, esta virou-se e afastou-se, desaparecendo na multidão.
Fiquei ali, paralisada, sentindo o peso do que acabara de acontecer.
Não trocamos mais nenhuma palavra naquela noite. Fiz questão de manter distância, de me afundar no anonimato da multidão, mesmo quando tudo dentro de mim gritava por uma explicação.
Quando os últimos convidados começaram a se dispersar, subi apressadamente para o meu quarto. Fechei a porta atrás de mim, tentando isolar-me do que sentia.
Lavei o rosto na tentativa de apagar os vestígios do turbilhão de emoções que carregava. Depois, vesti um top leve e um short confortável, buscando algum tipo de alívio no toque frio do tecido contra minha pele quente.
Deitei-me na cama e peguei meu celular. Sem hesitar, coloquei os fones e fechei os olhos, deixando a melodia suave de "River Flows in You", de Yiruma, invadir a minha mente.
A música, delicada e melancólica, parecia embalar meus pensamentos, preenchendo os espaços que Claire havia deixado vazios.
Os dias passaram arrastados.
No meio da semana, os meus pais chamaram-me no escritório para saber qual seria minha decisão em relação aos estudos.
Bati na porta, tentando conter a inquietação que me acompanhava desde daquela noite.
Ao entrar, encontrei-os sentados no sofá de dois lugares, lado a lado, a postura rígida e formal.
Caminhei até eles, sentando-me no sofá à sua frente, com a mesa de centro nos separando como uma barreira invisível.
Sabia que aquela conversa não seria fácil.
— Vais querer chá, Beatriz? — perguntou a minha mãe, enquanto despejava o líquido quente na sua xícara de porcelana.
— Sim, por favor. — Respondi, tentando manter a voz neutra, apesar da tensão crescente no ambiente.
Ela serviu-me com elegância habitual, e eu acrescentei leite e açúcar, mexendo lentamente com a colher enquanto esperava que a temperatura diminuísse. Talvez, no fundo, eu estivesse apenas adiando o inevitável.
— Então, Beatriz — começou meu pai, o tom formal e direto. — Vamos falar sobre coisas importantes. Espero que já tenhas chegado a uma decisão sobre o teu futuro.
Soltei um suspiro interno, sentindo os ombros ficarem mais pesados.
— Sim, já decidi. Irei estudar gestão, mas na área desportiva. — Informei, mantendo a minha postura firme.
O rosto do meu pai fechou-se na hora. Os seus olhos estreitaram-se e a testa franziu em nítido desapontamento.
— Beatriz, filha… — Começou devagar, como se escolhesse cada palavra com cautela. — Desporto não é uma área rentável. Se não querias gestão empresarial, ao menos poderias ter optado por gestão hoteleira. Assim, ainda estaríamos a falar de algo que mantivesse os negócios da família dentro do nosso controle.
Eu já esperava aquela reação.
— Vocês sabem que eu adoro desporto. — Minha voz saiu firme, mas sem o tom de desafio que ele esperava. — No futuro, pretendo abrir a minha própria academia. Esse é o meu plano.
O meu pai soltou uma risada baixa, sem humor, e encostou-se no sofá, cruzando os braços.
— E o que será dos nossos negócios, Beatriz? — A irritação começou a infiltrar-se em sua voz. — Tu és filha única. Quem me irá suceder mais tarde?
A pergunta pairou no ar como uma faca prestes a cair sobre mim.
Apertei os lábios, sentindo o meu estômago revirar. Não era apenas sobre carreira, sobre futuro. Era sobre legado. Era sobre expectativas que nunca foram minhas, mas que sempre carreguei.
— No futuro, quem sabe, posso até considerar uma segunda licenciatura — tentei argumentar, mantendo a calma. — Mas, neste momento, o meu foco é desporto. Aliás, já analisei o plano de estudos... o curso inclui contabilidade, análise económica e cálculo financeiro.
Meu pai soltou um suspiro exasperado, apertando as têmporas como se a minha decisão fosse um peso insuportável.
— Isso não é o suficiente! — sua voz explodiu, ecoando pelo escritório.
Mantive-me firme, apesar do aperto no peito.
— Vocês esqueceram-se do nosso acordo? — perguntei, olhando diretamente para os dois. — Eu aceitei estudar fora, e vocês garantiram que não iriam pressionar-me. Também disseram que, quando eu voltasse, aceitariam a minha escolha. E a minha escolha está feita. Vou estudar gestão desportiva. Depois disso, se eu decidir que quero uma segunda licenciatura, pensarei nisso.
Cruzei os braços, mostrando que não cederia.
Meu pai me encarou por um longo momento, a tensão visível no seu olhar. Quando voltou a falar, seu tom era mais baixo, mas carregado de significado.
— Beatriz, espero que estejas ciente da terceira opção, caso decidas não me suceder.
Meu estômago afundou.
Eu sabia exatamente do que ele estava a falar.
E a simples menção daquela possibilidade fez a minha respiração vacilar.
— Nós não estamos na Idade Média. Eu não vou casar com um desconhecido. Aliás, eu não vou casar com ninguém! — declarei, cerrando os dentes, a frustração evidente na minha voz.
O meu pai manteve-se impassível, enquanto a minha mãe suspirava, já antecipando o rumo daquela conversa.
— Não seria um desconhecido. Terias a oportunidade de conhecer a pessoa e, depois, decidirias. — argumentou, como se estivesse a apresentar um plano perfeitamente razoável.
Soltei uma risada seca, sem um pingo de humor.
— Não se atrevam a fazer isto. Achei que vocês se importavam com a minha felicidade. Afinal, o que pesa mais? A empresa ou a felicidade da vossa filha?
Fixei os olhos no meu pai, sem sequer tentar esconder o desagrado que me consumia. Este estudava-me com uma expressão rígida, como se tentasse medir até onde eu iria com a minha rebeldia.
A minha mãe interveio antes que a discussão tomasse proporções maiores.
— Não vamos resolver isto agora. — declarou, a voz firme, mas com um tom apaziguador. — Beatriz vai seguir com os estudos que escolheu, e falaremos sobre isto mais tarde.
Soltei um suspiro carregado de indignação.
— Se me permitem, vou-me retirar. — murmurei, levantando-me e caminhando apressadamente em direção à porta, sem olhar para trás.
O nó na minha garganta apertava, mas a raiva impedia-me de parar.
Eu não era um peão num jogo de negócios.
E eles iam ter de perceber isso.
Eu ainda não tinha ligado o celular desde que tinha regressado. O simples pensamento de ver as mensagens de Claire, de reviver tudo o que tinha tentado deixar para trás, fazia o meu peito apertar. Não confiava em mim mesma para resistir à tentação, então tomei uma decisão drástica: comprei um novo cartão SIM e mudei de número.
Cortei a última linha de comunicação direta com passado.
No entanto, havia alguém com quem precisava desesperadamente de falar.
Enviei uma mensagem pelas redes sociais para Mari, tentando persuadi-la para que esta se encontrasse comigo. Ela resistiu no início, talvez por lealdade a Claire ou talvez por outra razão que eu desconhecia. Porém insisti. E insisti mais um pouco. Até que, finalmente, ela concordou.
No dia seguinte, encontrámo-nos numa pequena padaria perto de minha casa. O cheiro a pão acabado de sair do forno misturava-se com o aroma doce de café, mas a tensão no ar anulava qualquer sensação reconfortante. Assim que nos sentámos numa mesa livre, senti o olhar dela sobre mim, avaliando-me.
— Como estás, Bia? — perguntou, desviando o olhar para o menu.
— Estou bem… — respondi, tentando parecer convincente. Mas nós duas sabíamos que não era bem assim.
Mari suspirou, passando os dedos pelo menu, como se precisasse de um escape para não me encarar diretamente.
— Mari, vais contar-me o que se passou enquanto estive ausente? — perguntei, a voz saindo mais ansiosa do que eu queria.
Ela hesitou.
— Eu… eu não devia.
— Por favor. — implorei, tentando captar qualquer sinal de cedência no olhar de Mari.
Esta suspirou, desviando o olhar, folheando distraidamente o menu.
— Vamos pedir primeiro? Estou com fome.
Revirei os olhos, mas assenti com a cabeça. Não valia a pena insistir quando ela claramente queria ganhar tempo.
Chamei a empregada de mesa e pedi uma bebida de laranja natural. Mari, por sua vez, pediu um misto e um cappuccino. O silêncio instalou-se entre nós até que os pedidos chegaram. Assim que dei o primeiro gole, Mari ergueu os olhos na minha direção.
— Imagino que tenhas conhecido a avó da Claire. — disse, a sua voz mais séria do que eu esperava.
Franzi o cenho ligeiramente, estranhando o rumo da conversa.
— Claro que conheci. Mari, eu conheço a Claire desde os meus cinco anos.
Ela soltou um suspiro e baixou o olhar para a chávena, girando-a lentamente entre as mãos.
— Então sabes o quanto a Claire era chegada à avó.
A tristeza na sua expressão fez um nó formar-se no meu estômago.
Por um momento, o barulho da padaria ao nosso redor pareceu distante.
— Mari... o que aconteceu? — perguntei, sentindo um aperto no peito.
Ela hesitou. O seu olhar encontrou o meu por um instante, carregado de algo que eu não conseguia decifrar completamente.
A avó de Claire era uma senhora encantadora. Lembro-me bem da forma como os seus olhos brilhavam sempre que falava da neta, como se Claire fosse o seu maior tesouro.
Claire contou-me, certa vez, que quando nasceu, o seu avô simplesmente desapareceu. O abandono foi um golpe duro para a avó, mergulhando-a numa depressão profunda. Incapaz de lidar com a dor sozinha, afundou-se no silêncio, carregando o peso de uma perda que nunca foi explicada.
A mãe de Claire percebeu cedo o estado frágil da própria mãe e, apesar da relutância do marido, insistiu até que ele concordasse em acolhê-la. E assim, a avó de Claire passou a viver com eles.
Os pais de Claire sempre foram figuras distantes, ausentes demais para perceberem a necessidade de estarem presentes na vida da filha. Foi então que a avó assumiu esse papel, preenchendo o vazio deixado por eles. Criou Claire como se fosse sua, envolveu-se nos pequenos e grandes momentos, tornou-se a sua maior referência de amor e proteção. O laço entre elas tornou-se inquebrável, tão forte que Claire, ainda criança, passou a chamá-la de "mamã".
Engoli em seco ao relembrar de um dos dias mais difíceis da infância de Claire.
— Sim… aliás, eu estava lá quando os pais dela decidiram internar a avó num lar de idosos. — murmurei, sentindo o peso daquela memória voltar como um soco no peito.
Nunca tinha visto Claire tão perdida como naquele dia. Éramos apenas duas crianças de dez anos, incapazes de compreender a crueldade do mundo dos adultos. Claire implorou, chorou, mas os pais foram inflexíveis. E o pior de tudo? Ela nunca recebeu uma explicação.
Mari desviou o olhar, mordendo o lábio antes de finalmente quebrar o silêncio.
— Ela descobriu o porquê pouco depois de teres ido embora.
A minha respiração ficou presa na garganta.
Mari suspirou, como se estivesse a preparar-se para me contar algo que desejava não ter que dizer.
— Claire já estava afetada pelo teu afastamento. E então, num sábado, sem ti por perto, decidiu visitar a avó sozinha…
Fiquei imóvel, o coração acelerado.
— Porque não a acompanhaste? — perguntei, a voz saindo mais tensa do que pretendia.
Lembrei-me, com uma clareza dolorosa, da tarde em que vi Claire cair de joelhos, completamente devastada, quando os pais a obrigaram a despedir-se da avó. Naquele dia, prometi-lhe que, acontecesse o que acontecesse, eu a acompanharia todos os sábados de manhã ao lar para visitar a avó.
Mas eu não estava lá.
Mari desviou o olhar, mexendo na chávena de cappuccino como se precisasse de algo para manter as mãos ocupadas.
— Ela não quis... — respondeu baixinho. — Eu insisti, mas ela recusou. Disse que deverias ser tu a acompanhá-la, e se tu não estavas presente, então ela iria sozinha.
Uma sensação amarga subiu-me pela garganta.
— O que aconteceu? — perguntei, quase sem fôlego.
Mari hesitou por um instante, antes de soltar um longo suspiro.
— Eu não sei todos os detalhes, mas... pelo que sei, nessa manhã, quando Claire chegou ao lar, a avó não a reconheceu.
O meu coração falhou uma batida.
— O quê?
— Claire ficou em choque. Ela tentou falar com a avó, tentou fazê-la lembrar-se… mas nada. As enfermeiras tiveram de chamar a mãe dela para lá ir. Foi só mais tarde que lhe explicaram que a avó tinha Alzheimer.
Senti o ar faltar-me.
— E depois...?
Mari passou a língua pelos lábios, como se as palavras lhe pesassem demais.
— Alguns meses depois... a senhora faleceu.
O mundo ao meu redor pareceu parar.
Levei as mãos à cabeça e permaneci assim por alguns instantes, tentando assimilar tudo o que Mari acabara de me contar.
Claire passou por tudo aquilo... sozinha.
Eu devia ter estado lá.
Eu devia ter ficado.
Fechei os olhos, sentindo o peso da culpa afundar-me.
Definitivamente, eu tinha sido uma idiota.
Fim do capítulo
Espero que tenham gostado deste capitulo!
Bia está numa tremenda má sorte será que merece perdão?
Boa semana!!!
Beijo **
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Val Maria
Em: 31/03/2017
Minha querida autora obrigada por essa estória tão maravilhosa.
Agora a Bia vai sofrer com a indiferença do seu grande amor.
Espero que a Bia consiga ao menos demonstra o que sente pela Clarie.
Bjssss autora e volta logo.
Val castro
Resposta do autor:
Mais uma vez agradeço pelos elogios
Agora iremos ver como a Bia irá reagir a essa indiferença...
Beijo e bom fim de semana :)
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line7
Em: 28/03/2017
Tretaaa...a Bia está numa situação bem pesada, climão o reencontro das duas..amoooo...kkk..e parecer q têm um sentimento aí mais forte no caso também da Claire, parabéns está super envolvente a escrita^^, até logo:)
Resposta do autor:
Hum não sei... Claire está muito magoada rsrs
Obrigada ainda bem que gostas da escrita tento fazer o melhor
Beijo
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Sem cadastro
Em: 27/03/2017
Oi, boa noite!
Faz tempo q li romance com personagens tão jovens.
Amei o romance. Estou ansiosa pela continuação.
Como são as postagens?
Bjs e boa semana!
Resposta do autor:
Olá :)
Eu tenho-me esquecido de escrever nas notas finais sobre as proximas postagens, quando eu começei eu decidi fazer postagens com intrevalo de 5 dias (apesar de ter postado 2 capitulos com diferença de 3), agora o proximo prevejo que seja postado no sabado
Fico feliz que estejas a gostar
Bjo boa semana
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lay colombo
Em: 27/03/2017
Pqp agora fudeu, coitada dá Claire cara mó barra.
Resposta do autor:
Rsrs confesso que tenho pena da Bia
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Julia_Sz
Em: 27/03/2017
Caramba, que fora hein Bia, acabou sumindo no pior momento agora vai ser difícil conseguir o perdão da Claire
Mas acho que tem mais alguma coisa aí, ela não aceitou a companhia da Mari, será se rola um sentimento hahah
Beijo volta logo que a história tá ótima
Resposta do autor:
A Bia realmente não está nos seus melhores dias rs
Ainda bem que continuas acompanhar
beijo :)
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Jauregui
Em: 27/03/2017
Caramba... Agora estou curiosa para saber o que esta escrito nas mensagens da Claire. Você vai mostrar para nós sobre essas mensagens?
Amei o capitulo, parabens voce escreve super bem...
Bjoos e please nao demora a voltar rsrs
Resposta do autor:
hum não tinha pensado nisso, mas sim acho que posso incluir as mensagens num dos capitulos seguintes
:D ainda bem que gostas-te!!
beijo**
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