Me recuperei totalmente da minha alergia alguns dias depois e os dias foram se passando com certa tranqüilidade. Meu namoro com Camila estava a meu ver cada vez melhor. Já estávamos juntas a dois meses e ela me parecia a cada dia mais aberta a toda essa questão de homossexualidade. Tinha esperança de convencê-la muito em breve de que isso era algo totalmente natural e que não é possível escolher quem amamos. Acontece e pronto, não tem como fugir. 
 
Saíamos sempre juntas e todas as vezes eram incríveis. Sempre fazíamos programas mais leves como cinema, barzinho, almoço e passeio no shopping.
Cada vez nos conhecíamos melhor e claro que só descobria ainda mais motivos para estar apaixonada. Não tem jeito mesmo, o amor é absolutamente cego, pois não conseguia visualizar nenhum defeito nela. Pra mim, ela era a perfeição em forma de ser humano. Logicamente sei que ninguém é perfeito, mas me diz, quem consegue ser racional quando está completamente enamorado?

Estava mais feliz que nunca e me importava menos ainda com os envios de Murphy e com o mau humor do meu chefe. Ninguém conseguia me destituir da minha bolha de contentamento. O mundo estava mais colorido, as pessoas sempre eram simpáticas e sorridentes, não me lembro mesmo de ter ficado nesse estado tão profundo de paz com o mundo ao redor antes. Geralmente era muito crítica com toda a insanidade que existe na nossa época, mas a paixão nos cega completamente para todas as outras coisas.
 
Combinamos de realizar um passeio num parque no domingo, fazer um piquenique e tal. E como queríamos passar despercebidas, como se fossemos turistas ou algo assim, resolvemos ir de ônibus a uma cidade vizinha. O que não sabia era que pagaria tantos micos aquele dia. Se soubesse provavelmente não teria ido. Mentira, teria ido sim, para estar com minha namorada, passaria por qualquer constrangimento e desgraça.

Tudo começou já no caminho, mais especificamente no ônibus que estava nos conduzindo. Comecei a me sentir estranha, meu estômago passou a se revirar. Acho até que estava fazendo uns barulhos meio suspeitos. Comecei a falar igual a uma vitrola com Camila para tentar disfarçar um pouco toda minha crítica situação.

Não estava entendendo porque estava daquele jeito, mas aí me lembrei de toda a TPM que tinha me atacado fortemente no dia anterior e para tentar acalmar meus nervos tive que comer umas quatro barras de chocolate. Exagerei mesmo, mas já estava com medo de cometer um assassinato, e devo dizer que mesmo assim não consegui muitos avanços em relação a minha irritabilidade crônica, que era característica e sempre aflorava nessa época do mês. E acho que toda aquela comilança estava cobrando seu preço nesse momento. Mas me diz, precisava ser justamente agora e ainda mais nesse local? Eis Murphy em minha vida!

Estava mesmo mal e para meu desespero não chegávamos logo ao nosso destino. Quando paramos em uma rodoviária para embarcar mais passageiros, não me aguentei e tive que ir ao banheiro do ônibus mesmo. Nunca havia entrado em um, mas não teve jeito, acho que estava com uma espécie de diarréia por causa de todo aquele chocolate que havia ingerido.

Foi meio traumatizante a situação toda, pois além de ser um cubículo minúsculo, estava mesmo preocupada com a possibilidade de incendiar o ônibus com o cheiro característico. Mas me senti aliviada depois que me livrei do “problema”, porém ainda iria piorar um pouco mais. É que com todo o meu desespero não havia percebido que logicamente não havia papel naquele lugar.

Entrei em um desespero total, mas ainda bem que Murphy resolveu me dar uma ajudinha dessa vez e encontrei uma caixa de lenços umedecidos em minha bolsa. Fiquei completamente aliviada por isso e pelo menos também havia água para lavar as mãos. Mas, quando me levantei para realizar a tarefa, o ônibus deu uma arrancada, virando bruscamente, fazendo com que primeiro batesse a cabeça na janela e depois me jogando contra a porta, o que fez esta se abrir estrondosamente, me lançando contra alguém que estava no banco em frente. 

Foi mesmo uma cena totalmente maluca essa. Todos pararam para ver. Camila ria demais da minha cara. O bom é que pelo menos já estava vestida, seria trágico demais se estivesse com as calças arriadas ainda por cima. Veja bem, sempre temos motivos para agradecer apesar de tudo. Mas, como se não bastasse, ainda tive que aguentar piadinhas do engraçadinho, que impactou minha queda quando caí em seu colo.

-- Nossa! Deus me mandou um anjo. Não, pensando melhor, deve ser um envio de baixo, devido esses cabelos vermelhos. Mas não me importo moça, até prefiro, as santinhas são chatas demais. – disse na maior cara de pau.

Nem me dei ao trabalho de responder suas gracinhas e me recompondo, voltei para lavar as mãos, não conseguiria jamais não o fazer. Tenho pavor de pensar que existam pessoas que agem assim. Sem comentários a respeito do cheiro, tá? Tinha cheiro de rosas, viu?

Depois de inúmeras piadas de Camila a respeito do meu vôo rasante para fora do banheiro, finalmente chegamos ao tal parque. O local era lindo, muito verde, todo florido, cheio de árvores enormes e bancos para descansar, laguinho com peixes, fonte de água, era mesmo perfeito. Levamos uma cesta de quitutes para saborearmos, toalha xadrez, todas as coisas típicas de piquenique, e tudo estava incrível apesar de toda a minha desgraça anterior.

Mas claro que Murphy não desistiria tão fácil assim da minha pessoa. Vocês me conhecem, né? Simplesmente senti algo fazendo cócegas no meu pé, que estava descoberto, e quase tive um ataque cardíaco quando me deparei com aquele bicho peludo asqueroso. Dei um grito homérico e sai correndo, desesperada em me livrar da maldita aranha que havia subido em mim.

Porém, mesmo assim Murphy não se deu por satisfeito e como se não fosse o bastante todo o trauma por causa daquele aracnídeo, na fuga ainda afundei o pé num ninho de formigas. Foi um Deus nos acuda. Camila não sabia se me ajudava ou ria de toda a minha desgraça. Acabou fazendo as duas coisas, rindo mais, diga-se de passagem. Mas, não a culpo, se não fosse comigo acho até que acabaria mijando nas calças de tanto dar risada.

E, com essa história toda, meu sapato ficou destruído e atolado no formigueiro. Pois é, ainda fiquei descalça. Não conseguia visualizar o que de pior poderia me acontecer, mas é porque eu não tenho imaginação mesmo. Murphy tem muita criatividade e ainda não estava satisfeito com tudo o que estava me acontecendo.

Resolvemos passear um pouco pela cidade para conhecer mais o local. Acabei comprando uma rasteirinha para não ficar andando por aí com um sapato só, parecendo um andarilho. No caminho, encontramos um lago bonito no local. Tinha até pedalinhos para andarmos e como Camila insistiu, tive que acompanhá-la, apesar de estar receosa com todos esses envios de Murphy.

Tudo estava indo bem, estava muito divertido e era bem romântico nós duas passeando por aquele lugar tão lindo. Mas o maldito cisne, sim o pedalinho tinha forma de cisne, não estava nada preparado para navegações. Simplesmente começou a entrar água dentro dele. Pois é, para melhorar nossa situação toda, o troço estava furado.

Dessa vez quem entrou em completo desespero foi Camila, que começou a gritar desesperadamente:

-- Meu Deus, Soph! Vamos morrer, eu não sei nadar! – ela estava num estado de pânico de dar medo.

-- Calma Cam, vai dar tudo certo – disse tentando acalmá-la e me acalmar também, mas por dentro estava mesmo me borrando de medo também, pois tudo que sei sobre natação se resume aquele nado de cachorrinho desengonçado, que aprendi aos sete anos de idade e há muito tempo não praticava.

A coisa foi piorando de uma forma trágica, o negócio começou a querer afundar e com lágrimas nos olhos, Camila puxa meu rosto em direção ao seu e diz:

-- Soph, antes de morrer, preciso te dizer uma coisa muito importante. Sei que faz pouco tempo que estamos juntas, mas foram os momentos mais felizes de toda a minha existência. Você e esse seu jeito completamente atrapalhado me encantaram desde a primeira vez. Quero e necessito te falar algo que jamais disse a outra pessoa. – Respirou fundo e disparou a bomba – estou completamente apaixonada por você, acho mesmo que eu te amo.
 
Senti um baque profundo com aquelas palavras, meu coração nunca bateu tão forte quanto naquele instante. Queria também dizer que a amava, pois era mesmo a verdade, mas as palavras ficaram presas na minha garganta naquele momento. Parecia estar engasgada pela sua declaração totalmente inesperada. Então tomei uma decisão. Já que não conseguia me expressar adequadamente por meio da fala, iria demonstrar através dos meus atos.

Levantei-me de onde estava, dei um beijo arrebatador na minha namorada, com cheiro e gosto de despedida, olhei fundo em seus lindos olhos esverdeados, tentando dizer o que não conseguia, que eu a amava profundamente e que ela era a pessoa mais importante da minha vida. Mas, mesmo não dizendo, queria demonstrar e, com essa resolução, pulei naquela água antes que o pedalinho afundasse de vez, disposta a puxá-lo rumo a margem, nem que pra isso precisasse pagar com minha própria vida.

Fim do capítulo