Capítulo 4
Ao desembarcar em Manchester, uma sensação familiar de nostalgia melancolia se instalou em meu peito ao contemplar o céu cinzento que pairava sobre a cidade. Era como se o clima cinzento fosse um reflexo dos meus próprios sentimentos naquele momento. "Este país é o cenário ideal para os deprimidos...", pensei, deixando escapar um suspiro resignado enquanto saía do avião. Enquanto caminhava pelo aeroporto, misturando-me à multidão de viajantes, procurei ansiosamente pelo rosto familiar da minha avó. Embora já fizesse algum tempo desde a última vez que estive aqui, sabia que ela estaria lá, esperando por mim com um sorriso acolhedor.
Apesar de não visitar Manchester há algum tempo, as memórias de infância e as histórias contadas por esta inundaram a minha mente, trazendo uma sensação reconfortante de familiaridade. Mesmo ausente por tanto tempo, ela fazia questão de manter viva a conexão familiar, visitando-nos todos os anos e mantendo a chama da tradição acesa.
- Beatriz! – Ao ouvir o meu nome ser chamado por uma voz masculina, virei-me curiosa para ver quem era. Deparei-me com um rapaz alto e esguio, de cabelos loiros e olhos castanhos, este sorria abertamente para mim. – Sou o teu primo Phil. – Disse esticando a sua mão, cumprimentando-me de seguida. – Vim te buscar com a avó. - O seu sotaque britânico e o inglês fluente rapidamente me deixaram um pouco nervosa, mas o seu sorriso amigável conseguiu dissipar parte da minha ansiedade. Phil apontou na direção da minha avó, que se encontrava sentada e nos acenava, esperando pacientemente pela nossa chegada.
- Obrigada. – Agradeci enquanto ele me ajudava com as malas.
A minha avó era uma senhora baixa, de olhos azuis amáveis e cabelo loiro quase branco. Quando me aproximei dela, esticou os braços e eu abracei-a, sentindo uma vontade súbita de chorar ao sentir o calor reconfortante daquele abraço. No entanto, esforcei-me por manter a compostura. Fiquei ali, abraçada a ela por um instante, deixando-me envolver pela ternura e pelo calor daquele gesto de amor familiar.
- Oh, minha menina, estás tão crescida! - Exclamou minha avó, enquanto me observava com um sorriso amoroso.
- Como está, avó? Tem passado bem? - Indaguei, ansiosa por saber sobre ela.
- Muito bem, ainda mais agora que te terei por perto. - Ela respondeu, seus olhos brilhando de felicidade.
- Desculpa o meu inglês, está um pouco enferrujado... - Murmurei timidamente, sentindo-me um pouco insegura.
- Nada disso, fico espantada com a tua pronúncia. É normal que no início custe, pois estás acostumada com outra língua, mas daqui a pouco ficará melhor. - Minha avó respondeu com orgulho evidente em sua voz, o que me fez sorrir.
- Vocês já se apresentaram? - Esta perguntou, olhando entre mim e Phil. - Phil é teu primo, se a minha memória não me falha, acho que esta não é a primeira vez que se encontram...
- A última vez que vi a Beatriz, ela era bem novinha. - Respondeu Phil, com um sorriso gentil.
- Desculpa, eu não me lembro... - Murmurei timidamente, tentando encontrar uma memória que parecia distante. A última vez que estive aqui, eu tinha apenas cinco anos.
- Não tem problema, filha. A partir de agora, o Phil irá ajudar-te a adaptares-te, então terão muito tempo para se conhecerem melhor. Eu sei que é uma mudança difícil na tua idade, contudo iremos fazer o possível para que aproveites o teu tempo. - Minha avó disse, envolvendo-me num abraço reconfortante.
À medida que nos dirigíamos ao carro de Phil, o nervosismo que inicialmente senti começou a dissipar-se lentamente. A presença da minha avó e do meu primo trouxe uma sensação de conforto que eu não esperava encontrar tão rapidamente. Enquanto caminhávamos, a conversa fluía de forma natural, e eu começava a perceber que essa mudança, apesar de assustadora no início, poderia trazer novas oportunidades e experiências.
A casa da minha avó ficava localizada em Chorlton, nos subúrbios de Manchester. A viagem até lá duraria cerca de 20 minutos. Assim que entrei no carro, notei que o volante estava do lado direito, o que me deixou desconfortável. Tinha-me esquecido de que aqui no Reino Unido eles conduziam do lado esquerdo da estrada. Apesar do inicial pânico que senti, não disse nada e tentei disfarçar o meu desconforto. Quando finalmente chegamos, senti um alívio imediato. A casa era uma típica moradia britânica, com um pequeno jardim na frente e espaço para estacionar o carro. Entrei pela porta principal carregando uma das malas, enquanto Phil me ajudava com o restante da bagagem. Ao entrar na casa, fui recebida pelo aconchego familiar que há muito tempo não experimentava. O interior era acolhedor, com móveis de madeira desgastada pelo tempo e fotografias de família adornando as paredes. O chão de tábuas de madeira rangia ligeiramente sob nossos pés, evocando memórias nostálgicas de infância.
- Tens fome, querida? Queres que preparem o pequeno-almoço para ti? - A voz gentil da minha avó encheu a sala, preocupada com o meu bem-estar.
- Obrigada, mas estou bem. - Respondi, tentando não a incomodar com a minha falta de apetite.
- Não podes ficar sem comer, vou pedir que te preparem algo. Aposto que não comeste nada desde cedo.
A insistência calorosa da minha avó trouxe um sorriso aos meus lábios, mesmo que minha falta de apetite persistisse. Assenti em silêncio, reconhecendo que ela tinha razão em preocupar-se com meu bem-estar. Enquanto esta se dirigia à cozinha para fazer o pedido, eu me acomodei no sofá da sala de estar, contemplando as fotografias de família que decoravam as paredes. Cada imagem era uma janela para o passado, repleta de memórias e histórias que moldaram minha infância. A sensação de nostalgia era reconfortante, mas também me lembrava das mudanças iminentes que aguardavam no horizonte.
Os empregados da minha avó, sempre amáveis e solícitos, mostraram-se ansiosos por me receber e não perderam tempo em preparar um pequeno-almoço tipicamente inglês. Quando olhei para o prato à minha frente, franzi o cenho e lancei um olhar à minha avó, que sorria serenamente.
- Como conseguem comer isto tudo de manhã? - Perguntei a Phil, com um olhar incrédulo para o prato cheio de itens típicos do pequeno-almoço britânico.
- Ah, é uma arte que dominamos desde pequenos. - Respondeu Phil, sorrindo enquanto se deliciava com uma torrada. - É a nossa forma de garantir que começamos o dia com muita energia!
Observei o prato à minha frente, contendo uma mistura peculiar de bacon frito, ovo frito, salsichas, cogumelos, uma torrada e feijão, perguntei-me como alguém poderia ingerir tudo aquilo logo pela manhã. Habitualmente, eu me contentava com uma simples tigela de cereais ou uma torrada acompanhada de café. No entanto, logo aprendi que aqui, na Inglaterra, eles levavam o pequeno-almoço a sério, preparando uma refeição substancial para enfrentar o dia. Pensando bem isso fazia sentido, pois ao almoço optavam por algo mais leve, como uma salada ou uma sanduíche.
- Bem, parece que vou precisar de toda essa energia para conseguir comer metade disto! - Brinquei, pegando timidamente no garfo iniciando o desafio de comer um verdadeiro "banquete" matinal.
- Beatriz, Phil encarregou-se de te comprar um novo chip para o telemóvel.
- Aqui, prima, esta rede tem a melhor tarifa. Podes enviar mensagens grátis e tens alguns minutos também. Quanto à internet, tens 15GB. - Disse-me Phil enquanto me entregava o meu novo número.
- Obrigada.
A semana foi passando, e a dor que sentia só parecia aumentar, levando-me a chorar todas as noites. No entanto, estava determinada a superar esse sentimento avassalador. Decidi mudar o chip do telemóvel, deixando o meu número antigo desligado. Naquele momento, optei por utilizar apenas o email como forma de comunicação. Claire tentou entrar em contacto comigo através dessa via, cada mensagem recebida provocava uma pontada no peito, seguida por uma mistura de saudade e tristeza que quase me derrubava. Mas, apesar disso, resistia à tentação de as abrir, apagando-as sem hesitação. A única pessoa com quem mantinha contacto era Mari, conseguindo evitar o assunto "Claire" a todo o custo.
Num sereno sábado à tarde, decidi acompanhar a minha avó até à casa de chá, onde esta habitualmente se reunia com as suas amigas. Sendo eu uma apreciadora de café, tinha a intenção de pedir um. No entanto, ao ser servido o tradicional English Breakfast, que consistia em chá preto, contido num bule de porcelana, optei por não fazer qualquer comentário, servindo-me da bebida. Observando em redor, notei que algumas senhoras apreciavam o chá puro, enquanto outras, seguindo o exemplo da minha mãe, preferiam adicionar leite. Eu sabia que não apreciava o sabor do chá puro, e misturá-lo com leite ou açúcar não o tornaria agradável ao meu paladar.
- Beatriz, a única regra que existe para beber English Breakfast é: Não há regras. O importante é beberes o chá independentemente das misturas que faças. - Disse a minha avó, piscando-me o olho.
Olhei para a bebida diante de mim, sentindo uma pontinha de hesitação. Eu nunca fora uma grande fã de chá, especialmente se fosse servido puro. Mas, diante da tradição e do ambiente, decidi dar uma chance. Peguei a xícara com cuidado, sentindo o calor reconfortante emanando dela. Com um suspiro resignado, levei a bebida aos lábios e dei um gole. O sabor amargo invadiu minha boca, fazendo-me franzir o cenho involuntariamente. Não era exatamente o que eu esperava, mas também não era tão ruim assim. Decidi tentar mais um gole, talvez me acostumasse ao sabor com o tempo. No entanto, por mais que tentasse, não conseguia encontrar o gosto que me agradasse. Novamente, observei ao redor, sentindo-me o centro de atenção ao acrescentar leite e açúcar ao meu chá. Os olhares reprovadores das senhoras pareciam perfurar-me como facas, como se eu tivesse violado um código sagrado de etiqueta britânica. Decidi ignorar as suas críticas silenciosas e, em vez disso, concentrei-me em saborear o meu chá acompanhado de um delicioso muffin.
Como acordado, duas semanas depois, juntei-me aos meus pais para passar parte das férias em Nova Iorque. Enquanto passeávamos pelas ruas movimentadas da cidade, algo me chamou a atenção. Aproximei-me de uma loja e observei as estrelas projetadas numa parede escura. "Em Inglaterra é raro conseguir ver as estrelas...", pensei, deixando-me levar pelas lembranças que inundaram a minha mente naquele momento.
“Claire sempre teve uma paixão pelas estrelas e pela lua. Nas noites em que partilhávamos o quarto, tornou-se um hábito contemplarmos o céu estrelado antes de dormir, absorvidas pela sua beleza e mistério.
- Bih, se pudesses ir para qualquer lugar no mundo ou até mesmo da galáxia, para onde irias? - Perguntou-me Claire, enquanto nossos olhares se perdiam no infinito do céu noturno.
A atmosfera estava impregnada de uma energia quase mágica, como se estivéssemos prestes a desvendar segredos antigos e mergulhar em aventuras sem fim. Enquanto contemplava o rosto de Claire, iluminado pela fascinação e pela expectativa da pergunta, percebi o quão profundamente estávamos conectadas naquele momento de contemplação cósmica. As estrelas cintilavam acima de nós, como pontos de luz em um vasto e infinito céu escuro. Nossa conversa, antes limitada pelos detalhes mundanos do dia a dia, agora se expandia para abraçar os mistérios do universo. A pergunta de Claire ecoava em meus ouvidos, desafiando-me a sonhar alto e a vislumbrar horizontes desconhecidos.
- Paris, Veneza, Barcelona, Atenas... - Murmurei, deixando escapar uma série de destinos que sempre haviam povoado meus sonhos de viagem. Num impulso, aproximei-me dela, sentindo a proximidade entre nós aumentar enquanto compartilhávamos nossos desejos mais profundos.
Antes que eu pudesse formular a pergunta em voz alta, Claire respondeu com um brilho nos olhos. - Eu iria até à lua. - disse ela, seu entusiasmo ressoando em cada palavra.
- Independentemente do tempo que demorasse, eu seguir-te-ia para qualquer lugar...- Deixei escapar num murmúrio, sentindo o calor pulsar por todo o meu corpo.
- Quando viajares e sentires a minha falta, olha para a lua e lembra-te destes momentos em que olhamos o céu juntas, lembra-te que a lua que observas é única e que nesse momento eu poderei estar a fazer o mesmo. Assim, mesmo afastadas estaremos juntas!
As suas palavras tocaram-me profundamente, como uma suave brisa que acariciava a minha alma. Levantei a cabeça para encará-la com ternura. Mordi o lábio inferior, tentando conter a vontade avassaladora de beijá-la naquele momento, e voltei minha atenção mais uma vez para o céu, onde a lua reinava majestosa.
- Eu não esquecerei estes momentos contigo... – Sussurrei com sinceridade, deixando transbordar meus sentimentos mais profundos. Voltando-me para ela, mergulhei nos seus olhos, me perdendo no oceano de emoções que estes transmitiam.”
Com um nó na garganta e os olhos marejados de emoção, contive as lágrimas que ameaçavam transbordar, lutando para manter a compostura diante da intensidade das lembranças. Respirando fundo, meus olhos pousaram em uma caixa delicada exibindo um projetor, sem hesitar, dirigi-me ao balcão para o comprar.
- Como têm sido as coisas na casa da tua avó? Tens-te adaptado bem? - Indagou minha mãe enquanto compartilhávamos uma refeição no hotel.
- Não tenho feito muito, tenho saído algumas vezes com a avó... e o Phil tem passado algum tempo comigo... - Respondi, buscando transmitir uma sensação de normalidade.
- Ah, que bom saber que o Phil está presente na tua adaptação. - Ela sorriu, parecendo satisfeita.
- Ele é simpático. - Comentei, tentando disfarçar a tensão que começava a surgir.
- E quanto às tuas amigas, tens falado com elas? - Sua pergunta fez meu estômago se contrair, e baixei a cabeça, evitando seu olhar enquanto mexia timidamente no prato.
- Sim, de vez em quando. - Murmurei, sentindo um peso no peito ao mencionar as minhas amizades, fazendo ressurgir a lembrança da distância que me separava de Claire.
- Tens a certeza? A mãe de Claire veio falar comigo. - Engoli em seco, sentindo um nó se formar na garganta. - Beatriz, devias ter avisado a Claire sobre a tua viagem. Que história é essa de não lhe responderes às mensagens?
- Podemos não tocar nesse assunto? - Pedi, desconfortável, lutando para manter minhas emoções sob controle. A ideia de confrontar a situação só aumentava minha ansiedade.
- Nós temos de falar. Eu sei que algo aconteceu. Tenho andado desconfiada desde o momento em que decidiste mudar de país e exigiste que ninguém soubesse. A mãe dela contou-me que ela mal sai do quarto e mal toca na comida. - Apertei os talheres com toda a força, tentando manter a calma diante da gravidade da situação. - Um dia, mais tarde, irás perceber que as verdadeiras amizades são raras, e uma amizade como a vossa tem que ser preservada.
A expressão preocupada nos olhos da minha mãe refletia a seriedade do assunto. Era evidente que ela estava verdadeiramente preocupada com a situação entre mim e Claire. Enquanto ela falava, senti um nó se formar na minha garganta, uma mistura de culpa e angústia por estar causando dor a alguém que significava tanto para mim. Encarei minha mãe, permitindo que esta visse o turbilhão de sentimentos que se refletiam nos meus olhos marejados. A raiva e a tristeza se misturavam dentro de mim, uma batalha interna que me deixava frágil e vulnerável.
- É isso que eu estou a tentar fazer... - Minha voz saiu num sussurro frágil, mal audível sobre o ruído da sala. Levantei-me, deixando os talheres caírem com um som abafado sobre a mesa. - Preservar a nossa amizade. - Concluí em um sussurro entrecortado, afastando-me da mesa em passos pesados.
Apesar da minha mãe não retomar o assunto, o peso de suas palavras ecoou dentro de mim, alimentando a inquietação que tomara conta do meu ser. A dor e a incerteza dançavam no meu peito, enquanto eu tentava, em vão, encontrar algum consolo durante o resto da viagem.
De volta a Manchester, o silêncio da noite envolvia-me enquanto eu permanecia diante do computador, perdida em pensamentos turbulentos. Era como se as sombras da incerteza e da angústia se projetassem sobre mim, obscurecendo qualquer claridade que eu pudesse vislumbrar.
- Eu deveria ter previsto isto... - Murmurei para mim mesma, o eco da autocrítica ressoou na quietude do meu quarto. - Era óbvio que a mãe da Claire iria falar com a minha. Eu fora ingénua ao acreditar no contrário. Suspeitava que Claire ficaria magoada, mas não imaginara que isso chegaria ao ponto de envolver os pais… - Suspirei, deixando-me cair na cadeira e enterrando o rosto entre as mãos.
Um conflito interno começou a travar-se dentro de mim, uma batalha entre o desejo de me comunicar com Claire e o medo das consequências desse ato impulsivo. Sabia que, se enviasse a primeira mensagem, não haveria retorno. Estaria selando o destino de uma possível reconciliação e, ao mesmo tempo, comprometendo a minha determinação de não voltar até que conseguisse resolver as turbulências dentro de mim. Mas a verdade era que eu não estava preparada para voltar. Não enquanto a presença de Claire continuasse a ecoar dentro da minha mente, como uma melodia envolvente.
Depois de muito ponderar, optei por um caminho mais indireto, enviando um email a Mari pedindo para que esta ficasse do lado de Claire e cuidasse dela. Depois de clicar no botão "Enviar", permaneci sentada por mais algum tempo, tentando controlar a fúria que me consumia.
Ao perceber que algo me incomodava, Phil não hesitou em tentar animar-me, dedicando-se a mostrar-me os encantos da cidade. Foi durante um desses passeios que nos deparamos com um dojo de Karaté. Desde os meus seis anos, praticava essa arte marcial, e ao ver o dojo, uma faísca de interesse acendeu dentro de mim. Assim, comprometi-me a iniciar os treinos aos sábados, utilizando esta oportunidade como uma válvula de escape para as minhas emoções.
Faltava apenas uma semana para o início das aulas, e a ausência das mensagens de Claire deixava um vazio cada vez maior em mim. Em teoria, isso deveria ser algo positivo, no entanto, a dor persistente no meu peito contradizia essa ideia. Sentada na varanda da casa, entreguei-me ao vazio, deixando-me envolver pela atmosfera serena. Quando a chuva começou a cair, olhei para o céu com um sorriso nostálgico. Caminhei para o meio do jardim e ergui os braços, recebendo a água gelada que caía do céu. Debaixo da chuva, deixei-me levar pelas emoções, permitindo que as lágrimas se misturassem com as gotas da chuva, como se o céu chorasse comigo. Porém, essa tempestade interior também despertou outras lembranças, memórias dolorosas que eu tentava manter trancadas no fundo do meu coração.
Faltava apenas 1 semana para as aulas começarem, Claire tinha parado de me mandar mensagens e isso fez com que sofresse ainda mais deveria ter sido uma coisa boa, contudo a dor que sentia constantemente no peito dizia o contrário.
" – Bih, vamos correr na chuva? - Perguntou Claire com naturalidade, seu olhar cheio de entusiasmo.
Olhei para ela com uma expressão de incredulidade, como se esta tivesse enlouquecido.
- Estás louca? Vamos ficar doentes. – Respondi, preocupada com a ideia de nos molharmos.
- Não, não vamos. Por favor eu gosto de sentir a chuva... - Falou timidamente, seu pedido ecoando com uma sinceridade cativante.
Suspirei, sentindo-me dividida entre a minha preocupação e o desejo de não a desapontar.
- Claire, nós temos 14 anos já não somos crianças... – Argumentei, tentando racionalizar.
Ela apenas sorriu, ignorando minhas preocupações.
- Se não quiseres vir eu vou. – Finalizou, saindo pela porta aos pulinhos.
Assim que sentiu a água na sua pele, um sorriso radiante iluminou o seu rosto, como se ela estivesse recebendo um presente dos céus. O meu coração pulsou naquele instante. Com um sorriso largo e olhos brilhantes, esta esticou a mão na minha direção, num convite silencioso.
- Anda Bih.
- Não - Respondi firmemente, cruzando os braços, tentando resistir à sua insistência
- Bih, por favor. Eu quero que aproveites este momento comigo... quero ter estas memorias contigo para que, mesmo num dia cinzento como este, eu me lembre de ti... eu me lembre de nós nos divertindo na chuva.
Essa capacidade única de Claire de encontrar a beleza nos momentos simples sempre me encantou. Enquanto a observava ali, parada diante de mim, uma sensação de calor e conforto se espalhou pelo meu peito. Era incrível como esta conseguia transformar até mesmo um dia cinzento em algo especial, apenas com o seu entusiasmo e determinação em criar memórias. Seu rosto, antes ligeiramente frustrado, agora exibia um biquinho adorável nos lábios, o que me fez soltar uma risada involuntária. Era impossível resistir ao charme contagiante de Claire e à sua capacidade de tornar cada momento único e memorável.
- Se eu ficar doente vais ter que cuidar de mim. - Disse encaminhando-me na sua direção.
- Eu irei cuidar de ti mesmo que não fiques doente. - Sussurrou suavemente. Ao sentir a sua mão segurando a minha, meu coração acelerou fazendo surgir um calor reconfortante por todo o meu corpo.”
Fiquei ali debaixo da chuva, imersa nos meus pensamentos, perdida naquele momento de introspeção, até que a voz preocupada da minha avó me chamou de volta à realidade. Não tinha noção de quanto tempo havia passado naquele transe. No dia seguinte, ao acordar, percebi que estava de cama, os sintomas da constipação começaram a aparecer durante a noite.
- O que te deu priminha, para ficares debaixo da chuva por tanto tempo? - Perguntou Phil, olhando-me com um misto de preocupação e confusão.
- Oh, nada de especial. Apenas tive uma súbita vontade de tomar um banho natural, sabes como é. A chuva inglesa tem os seus encantos! – Respondi, tentando disfarçar o meu estado lamentável.
Phil ignorou as minhas palavras por um momento.
- Tenho tentado respeitar o facto de tu não quereres tocar no assunto, mas eu não consigo deixar de me preocupar... Eu sei que algo se passa contigo. Eu não irei insistir, só quero que saibas que podes contar comigo. Não precisas de guardar tudo dentro de ti, isso não faz bem. - Concluiu, examinando-me com uma mistura de compaixão e firmeza.
Pensei um pouco nas suas palavras, sentindo a gravidade da situação pesar sobre os meus ombros. Então, suspirei.
- Eu não vim para cá por causa dos estudos. Vim porque me apaixonei pela minha melhor amiga. - Disse firmemente, mantendo o olhar fixo na frente, evitando encarar os olhos preocupados do meu primo.
- Ela não te correspondeu? Ela foi preconceituosa?
- Ela não sabe... – Murmurei, sentindo-me desconfortável com a conversa.
Encarei os seus olhos, esperando encontrar algum indício de julgamento, porém em vez disso, deparei-me apenas com um olhar angustiado, cheio de empatia e compreensão, fazendo-me relaxar.
- Por que não lhe contaste? Assim nunca irás saber se ela sentia o mesmo ou não. – Perguntou, a sua voz carregada de ponderação.
- Ela não sentia.
- Como podes ter tanta certeza? - Phil questionou, com uma expressão séria.
- Ela nunca demonstrou interesse dessa forma. - Respondi, desviando o olhar para evitar um confronto direto. - Phil, ela vivia insinuando que eu deveria arranjar um namorado... no meu aniversário, ela contou-me que iria sair com um rapaz... Eu simplesmente não conseguia suportar isso.
- Eu entendo que deve ter sido difícil, mas acho que deverias ter contado... por vezes é melhor confiarmos e nos arrependermos do que duvidarmos e nos arrependermos. - Falou com seriedade, suas palavras ressoando no silêncio do quarto. Olhei para ele, ponderando aquelas palavras.
- Ouviste isso em alguma série? - Perguntei, tentando descontrair o clima tenso com um sorriso fraco.
- Pode dizer-se que sim... - Ele respondeu, sorrindo de volta.
- Eu fiz o que achei melhor. Não iria conseguir aguentar aquilo sozinha por muito mais tempo. A amizade dela é muito importante para mim, então decidi tentar preservar isso. - Concluí, com uma mistura de determinação e resignação.
- Se tens certeza que é isso que queres, tudo bem, mas quero que te lembres que cá não estás sozinha. Eu irei ouvir-te caso precises e mesmo quando voltares nós iremos manter contato. - Phil assegurou com gentileza, seu olhar transmitindo apoio sincero.
- Obrigada, Phil. - Agradeci, envolvendo-o num abraço.
- Va, agora chega para la não quero ficar doente – Disse fingindo me enxotar de perto dele.
- Oh, claro! Agora estás com medo de ficar doente só porque me abraçaste? - Retorqui, fingindo ofensa enquanto soltava Phil. - Não te preocupes, Phil acho que os abraços de amizade têm superpoderes!
O início das aulas trouxe consigo uma ansiedade que eu nunca tinha experimentado antes. Era como se o colégio fosse a desculpa perfeita para ignorar tudo o que sentia, sendo assim iniciei o ano letivo com determinação, concentrando-me totalmente nos estudos e nas atividades desportivas.
Sempre fui apaixonada por desporto, então, mesmo depois de começar os treinos de Karaté, decidi complementar a minha semana ao juntar-me à equipa de ténis do colégio. Apesar de nunca ter jogado ténis antes, adaptei-me rapidamente, surpreendendo todos à minha volta. Descobri que o ténis não só era uma ótima forma de libertar as minhas frustrações, mas também facilitava a criação de novas amizades. No que diz respeito aos estudos, embora fosse uma aluna excelente, nos primeiros meses encontrei algumas dificuldades. O sistema de ensino era mais rigoroso e, apesar de falar fluentemente o idioma, havia sempre algo específico que eu não compreendia totalmente. Como minha mãe havia mencionado, o colégio era muito bom em orientar os alunos, disponibilizando os professores e implementando aulas de apoio sempre que necessário.
No dia do aniversário de Claire, tomei a decisão de enviar-lhe um simples e-mail desejando-lhe um feliz aniversário e que tudo estivesse bem com ela. Recebi uma resposta no dia seguinte, mas decidi ignorá-la. Apesar de estar ocupada com as aulas e os treinos, todas as noites, antes de dormir, encontrava-me envolvida por ela. Ao deitar, observava com atenção cada detalhe da nossa foto, acabando por adormecer com ela ao meu lado e presente nos meus pensamentos.
À medida que progredia no ténis, tornava-se cada vez mais evidente que a minha presença nos campos de jogo não passava despercebida. Os olhares prolongados e os sorrisos tímidos dos rapazes eram claros indícios desse interesse crescente. Inicialmente, eu tentava ignorar esses sinais, focando-me apenas no desporto e nos estudos, mas com o tempo tornou-se difícil não perceber a mudança no comportamento à minha volta. As conversas sussurradas entre as minhas colegas de turma e os olhares furtivos dos rapazes durante os intervalos eram sinais evidentes de que algo estava acontecendo.
- Bia, olha para o teu lado esquerdo disfarçadamente. - Meg sussurrou enquanto saíamos dos balneários no final de mais um treino.
- Disfarçadamente porquê? - Questionei, virando a cabeça sem muita discrição. Um rapaz alto e atlético, de cabelo castanho claro, estava parado ali, observando-me atentamente. No momento em que nossos olhares se cruzaram, ele sorriu, mas eu mantive minha expressão séria e voltei a olhar para a frente enquanto caminhava. - Não estou interessada.
- Por que razão quando eu te digo "disfarçadamente" tu fazes completamente o contrário? – Perguntou com um tom de irritação na voz. - Além disso, respondes sempre o mesmo. – Concluiu secamente.
- Desculpa, sou péssima nisso de disfarçar. Deveria ter feito uma aula extra com o James Bond antes de vir para cá. E quanto ao "dizer sempre o mesmo", é porque sou uma pessoa de hábitos muito... previsíveis! Não tenho culpa se a minha falta de interesse é tão consistente! - Respondi, com um sorriso travesso, tentando trazer um pouco de humor para a situação.
Meg revirou os olhos, ignorando o meu comentário.
- Bia, tu tens 16 anos, nunca namoraste, os rapazes caem aos teus pés e tu nada... nem sorris para eles. Começo a desconfiar que deixaste alguém em Portugal e não queres dizer. - Disse Meg, olhando na minha direção, esperando por uma resposta que não saiu. - É isso, não é? Sabes que podes confiar em mim. Diz-me como ele era? Aconteceu alguma coisa entre vocês?
- Eu não tenho ninguém. - Respondi firmemente, mantendo o semblante sério.
- Beatriz... Tu és lésbica? - Perguntou reticente, com uma expressão de surpresa e confusão estampada no rosto. Parei de caminhar, suspirei e encarei-a.
- Meg, eu estou cá apenas para estudar e nada mais do que isso. Daqui a um ano e alguns meses, irei voltar para o meu país, e nada nem ninguém irá fazer-me duvidar disso. - Respondi, tentando manter um tom firme, mas também compreensivo, para dissipar qualquer mal-entendido.
- Eu sei que os estudos são importantes, mas tens que aproveitar a juventude especialmente sem os teus pais por perto. O James está interessado em ti, sempre que termina os treinos de futebol vem para cá acompanhar os nossos treinos e depois espera por ti. Acho que deverias ao menos ter alguma consideração...
- O que lhe adianta de ficar ali encostado à minha espera se ele não vem falar comigo? - Questionei contendo a frustração que aquela conversa me provocava.
- Ele queria convidar-te para sair, mas tu intimidas os rapazes... ele não se sente seguro para falar contigo... - Murmurou, enquanto eu passava as mãos no cabelo nervosamente.
- Foi ele que te pediu para falares comigo? - Perguntei, buscando esclarecimento.
- N-não... - Gaguejou Meg, visivelmente desconfortável. Baixei o olhar, observando o chão enquanto processava suas palavras.
- Eu vou pensar. - Respondi, decidindo deixar a conversa para trás. Virei-lhe as costas e saí apressadamente.
Fim do capítulo
Mais um capitulo gente, desta vez foi postado mais rapido do que eu previ.
Uma das leitoras fez uma pergunta interessante, ela perguntou se eu irei escrever um capitulo no ponto de vista da Claire. Eu já tinha pensado nisso, mas não tinha chegado a nenhuma conclusão e tambem caso eu decidisse avançar com a ideia não iria implementa-lo já mas sim numa ocasião um pouco mais apropriada.
Então como eu estou aberta a sugestões eu gostava de saber se mais alguem gostaria desse capitulo da Claire
Aproveito mais uma vez para agradecer os comentários. É muito bom saber que as pessoas estão gostando da historia.
beijos **
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thays_
Em: 17/03/2025
Não sei como ela conseguiu encontrar forças para manter essa distância de Claire, ir embora sem avisar, não ler os e-mails, não atender telefonemas. Acho que talvez a dor da rejeição e de saber que talvez a amiga não goste dela da mesma forma (embora eu tenha suspeitas que Claire também esteja confusa com seus sentimentos), seja maior do que simplesmente desaparecer.
Veremos o que os próximos capítulos dirão!
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Bfr_Laura
Em: 19/03/2017
tenho certeza que a Clarie gosta da beatriz também, foi so um mal entendido com aquele encontro dela. afinal, a beatriz nem quis saber o que aconteu depois, uma pena tudo isso. fico bem ansiosa esperando a chance delas terem um momento romantico das duas juntas, grande beijo autora
Resposta do autor:
Obrigada por acompanhares :)
Uma coisa é certa nós já sabemos que a Claire sofreu quando a Bia foi embora.
Beijo **
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vivi19
Em: 19/03/2017
Que sofrimento, acho que a Beatriz não precisava fazer tudo isso. To feliz por saber que a opinião das suas leitoras tem importancia, e eu faço parte das que apoiam capitulos por a clarie. Só fiquei bem triste com esse cap, espero que consiga voltar rapido com mais cap.
Resposta do autor:
Obrigada pelo comentario!!
Sim para mim a opinião é sempre importante e agradeço tambem a tua opinião
Quando ao proximo capitulo eu irei tentar postar amanhã!!!
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Elaine Henry
Em: 18/03/2017
Eu gostaria muito de ter capítulos narrados pelo ponto de vista da Clarie ! Tenho a impressão que Clarie sente o mesmo , que não é unilateral. Tenho a impressão também que Beatriz irá ter casos fugazes apenas pra "despistar" as pessoas a sua volta com perguntas do tipo " Por que não namoras?" affe ! Prevejo sofrimento nível cachorro, ai não aguento U.u
P.S Desde já ansiando por próximos capítulos ! Obrigada ?
Resposta do autor:
Obrigada pela tua opinião :)
A Beatriz fica bastante frustrada quando as "amigas" falam em namoro eu acho que isso acontece muito, as pessoas acham estranham quando alguem diz que nunca namorou ou ficou com alguem e isso pode pressionar um pouco a pessoa em questão.
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Japa
Em: 18/03/2017
Ow não me faz ficar com raiva da beatriz, prfv!! Não precisava ela ter feito tudo isso, ignorado totalmente da Clarie. Nossa, fiquei com vontade de chorar vendo as lembranças dela, tadinha de ambas. Eu também ia querer saber o que a Clarie sente por a Beatriz, seria muito bom ter capitulos dela. Mas assim, seguindo sempre com a historia. Porque tem autoras que fazem sempre mesmo capitulo narrados pelo casal principal, meio que repete tudo o que foi narrado em um. Eu aconselho sempre seguir com a historia, entendeu ne? To amando elas, pena que estão separadas e ainda não rolou nada, mas fico na torcida aqui .... Volta logo
Resposta do autor:
Hum... suspeito que vás ficar com um pouquinho de raiva da Beatriz no proximo capitulo ou então não... xD
A menina fez o que achou certo, Bia estava com medo, qualquer coisa dita pela Claire faria ela voltar atrás.
Quando ao capitulo da Claire eu u pensei em faze-lo narrando um pouco os 2 anos que a Bia ficou afastada
Proximo capitulo será postado durante a semana obrigada por continuares acompanhar a historia e fico feliz que estejas a gostar :)
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Fernandaaa
Em: 18/03/2017
Aeeee, voltou rapido.
Eu super apoio ter capitulos narrados por Clarie, principalmente em momentos importantes. E um deles é o mais aguardado por mim e creio que por todas, pra saber o que ela sente por a Bih. A gente torce muito para que o sentimentos sejam reciproco.
Bjos, bom fds;
Resposta do autor:
Agradeço muito a tua opinião :)
beijo e um bom domingo para ti
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asuna Em: 17/03/2025 Autora da história
De fato, o afastamento da Beatriz foi radical, e a dor da rejeição, aliada ao medo de perder a Claire, teve um peso enorme na sua decisão. Ela achou que ignorar os próprios sentimentos seria mais fácil do que lidar com a incerteza.
Obrigada por teres começado a acompanhar esta história!