Júlia deixou a casa de Alex decidida a terminar com Gustavo e contar tudo para seus pais. Ela sabia que a reação deles não seria das melhores, mas precisava aproveitar o surto de coragem e fazer aquilo.

Ainda com Paçoca nos braços, tocou a campainha da casa do namorado.

– Precisamos conversar – Gustavo disse antes que a garota pudesse abrir a boca. – Onde você arrumou esse cachorro?

– Adotei – Júlia respondeu sem soltar o filhote. Sentiu um clima de tensão no ar.

– Seus pais acabaram de sair daqui, eles estão preocupados com você – Gustavo conduziu a menina para dentro da casa. – Vem, vamos entrar. Deixa o cachorro aqui de fora para não fazer xixi lá dentro.

– O que você quer dizer com preocupados? Eu avisei que estaria em casa assim que terminasse de resolver algumas coisas.

– Não é isso – Gustavo coçou a cabeça sem jeito. – Eles estão preocupados com sua amizade com a Alex.

– O que? – Júlia perguntou sentindo suas pernas tremerem e sentou-se no sofá.

– Eles ouviram algumas coisas sobre ela na igreja, você sabe como são as pessoas, elas falam demais.

– O que eles ouviram?

– Deixa pra lá, eu não quero te chatear. Eu sei que ela é sua amiga e talvez isso nem seja verdade, eu só queria te alertar.

– Gustavo, o que meus pais ouviram? O que as pessoas estão dizendo sobre a Alex? – Júlia perguntou, mas no fundo já sabia o que era. Durante um debate na sala de aula, Alex assumira para turma que era lésbica. E a maioria dos alunos da escola frequentava a igreja dos seus pais. Era fácil ligar os pontos.

– Estão dizendo que ela é lésbica. Seus pais estão preocupados porque sabem que vocês têm passado muito tempo juntas e vieram me perguntar se estava tudo bem entre a gente.

Júlia suspirou sem acreditar que aquilo estava acontecendo.

– O que você disse a eles?

– A verdade. Que estamos bem e que não precisavam se preocupar. Eu entendo a preocupação deles, mas eles não têm motivos para duvidarem de você. Você é minha namorada.

– Sou – Júlia respondeu sentindo o peso daquela afirmação. Sentia-se atordoada, não poderia terminar com Gustavo naquele momento.

– Vamos aproveitar que você está aqui e namorar um pouco. A viagem foi tão corrida, não tivemos tempo para fazer nada – Gustavo sentou-se ao lado da menina e a puxou para si.

– Desculpa Gustavo, não estou no clima – Júlia o afastou. – Eu preciso ir levar o Paçoca para casa. A gente se vê no treino.

Júlia passou a semana seguinte sem coragem de olhar para Alex. Evitava-a na escola e corria para o treino quando as aulas acabavam. Já era sexta-feira quando Alex conseguiu encurralá-la no banheiro.

– Júlia, o que está acontecendo? – Alex perguntou abrindo as portas das cabines para se certificar de que estavam sozinhas.

– Nada, preciso ir para o treino – Júlia disse e sentiu a sua voz morrer na garganta. Nunca tivera medo de nada, sempre usara seu temperamento tempestuoso para conseguir o que queria. Então por que não conseguia se assumir de uma vez e acabar logo com essa agonia que era não poder estar perto de Alex?

– Eu fiz alguma coisa que você não gostou? – Alex perguntou sem se aproximar da menina. Queria entender o que estava acontecendo, mas não queria forçá-la.

– Não, você não fez nada – Júlia respondeu exasperada. – Eu é que fiz. Ou melhor, não fiz. Não consegui terminar com o Gustavo.

– Isso significa que você não quer mais estar comigo?

– Não! Significa que eu não posso fazer isso com você e é mais fácil para mim se eu não te ver – Júlia disse com lágrimas nos olhos. – Mas eu não consigo. Eu quero você, Alex. Quero mais do que tudo. Mas por que eu simplesmente não posso ser corajosa e contar a verdade para os meus pais?

– Calma – Alex se aproximou com carinho e passou os braços em volta dela. – Eu sei que é difícil. E você não precisa fazer isso agora enquanto ainda depende deles. Espere um pouco mais, já estamos quase no final do ano e você irá jogar em outro time, terá seu próprio lugar e as coisas serão mais fáceis.

– E como você se sente em relação a isso?

– Para ser sincera essa situação é uma merd*, eu odeio imaginar que o Gustavo está te tocando, ou que ele também tenha seus beijos. Mas eu entendo e vou te apoiar até você se sentir pronta. Eu te amo.

Alex tinha certeza do que sentia. Esperava que a primeira vez que declarasse seus sentimentos fosse de uma maneira mais romântica e não em um banheiro sujo, mas aquele momento pedia. Júlia precisava saber que estavam juntas e que Alex não desistiria dela. A menina sabia como aquela situação poderia acabar mal, sua própria mãe a havia rejeitado e fora a responsável pelas palavras mais duras que ela já ouvira. Faria de tudo para evitar que Júlia passasse por aquilo.

– Eu também te amo – Júlia disse com lágrimas nos olhos – promete que vai ficar comigo?

– Eu não vou sair do seu lado. 

Fim do capítulo