Capítulo 3
A semana estava passando rápido e eu só tinha encontrado a Malú na escola. Na sexta eu e Gabi chamamos ela para ir ao cinema, mas ela disse que tinha compromisso. Acontece que Maria Luísa não era do tipo que dizia apenas que “tinha compromisso” e então eu soube que ela estava escondendo alguma coisa. Esperei acabar a aula e fui falar com ela:
- Ei, Malú. Não vai mesmo ao cinema com a gente hoje a noite?
- Cami, hoje não vai dar... Eu já tinha outra coisa marcada, desculpa.
- O que tu vai aprontar? – perguntei tentando não demonstrar que estava chateada por ela preferir fazer sei lá o que e sei lá com quem, do que sair comigo.
- Eu vou dar um pulo na casa da Poli, ela me ligou e disse que precisa falar comigo.
- Ah, sim. Tchau então. – eu disse e dei as costas o mais rápido que pude, com os olhos rasos. Ela iria pra casa da Poli. Poli, a ex-namorada. Eu tinha algum direito de ficar com raiva? Não. De sentir ciúmes? Não. Isso me impedia de estar com raiva e com ciúmes? Absolutamente não. Eu fui pra casa chorando e no caminho mesmo já mandei uma mensagem pra Gabi cancelando o cinema da noite, eu não estava no clima para fazer mais nada.
Cheguei em casa e meu pai estava terminando de servir o almoço, só dei um oi de longe e fui pro quarto, sem deixar ele ver que eu estava chorando. Troquei de roupa, lavei o rosto e me forcei a me recompor antes de ir me sentar com ele para almoçar. Meu pai sabia que tinha algo me chateando e ele nunca deixava isso passar, então eu já estava me preparando mentalmente para o interrogatório, que não demorou nem dois minutos para começar:
- Como foi a aula, Mila?
- Eu sobrevivi, pai. E levando em conta que na sexta eu só tenho aula de matemática, química e física, ter sobrevivido já é uma coisa incrível – eu disse e ele riu, não era segredo pra ninguém que exatas não era a minha praia.
- E por que ta com essa cara triste?
- Nada demais, papi, eu vou ficar bem.
- Vai sim. Mas enquanto não fica, pode ir me contando o que te deixou assim – ele disse sorrindo, mas em um tom sério que eu achei melhor obedecer.
- Queria ir ao cinema hoje com as meninas, mas a Malú furou e aí não vai mais rolar.
- E vocês não podem ir sem a Malú?
- Poder nós podemos, mas não seria tão legal.
- Engraçado, você sempre saía só com a Gabi antes.
- Ai, pai, as vezes é um saco você me conhecer tão bem – falei bufando. Eu não queria falar nada pro meu pai, mas se não falasse, ele ia me fazer uma pergunta atrás da outra o fim de semana inteiro.
- Posso deixar de ser seu amigo pra ser um desses que só sabem mandar, gritar e botar de castigo. Prefere assim?
- Credo, pai. Claro que não. É só que as vezes você saca as coisas muito rápido e eu ainda não estou pronta pra falar sobre o assunto.
- Tudo bem, já entendi. Quando se sentir pronta sabe que eu estou aqui. – ele disse e sorriu pra mim. Cara, eu tinha uma sorte enorme por ser filha dele.
Terminamos de almoçar e eu fui para o meu quarto. Acabei dormindo por umas duas horas e só acordei porque estava fazendo um calor absurdo. Levantei, liguei o ventilador, peguei o controle da TV e meu celular e voltei pra cama, decidida a aproveitar a bad pra maratonar alguma das muitas séries que eu acompanho. Tinha acabado de assistir alguns episódios de Orphan Black e meu celular vibrou. Ignorei e continuei assistindo. Vibrou de novo. E de novo. E de novo. Alguém estava morrendo, só podia ser. Desbloqueei a tela e eram mensagens da Malú.
“Ei”
“Cami, ta aí?”
“Se tiver responde, pfvr”
“Eu preciso muito falar com você”
“De verdade mesmo”
“Você nunca larga o celular”
“Jura que logo hoje que eu preciso de você, você vai sumir?”
“Cami, aparece”
“POR FAVOR”
Fiquei tão preocupada quando vi as mensagens que no lugar de responder, eu preferi ligar pra ela. Chamou uma, duas, três vezes e nada dela atender. Desliguei e tentei de novo. Dessa vez ela atendeu no segundo toque.
- Ei, Cami – ela disse com voz de choro.
- Malú? Você tá chorando? O que houve? – meu coração já estava quase saindo pela boca.
- Calma, ta tudo bem – ela disse entre soluços e isso só aumentou meu desespero.
- Por que você tá chorando assim? Onde você tá, Malú?
- Eu tô em casa. Meu pai apareceu aqui bêbado, gritando e quebrando as coisas, brigando com a minha mãe. Eu fui pedir pra ele parar e ele me agrediu. Minha mãe conseguiu chamar a polícia, mas ele fugiu antes deles chegarem. – eu não conseguia acreditar no que tinha ouvido. O pai da Malú era um completo idiota. Fazia anos que ele não morava com ela e a mãe dela e – felizmente – elas quase nunca tinham notícias dele. Eu odiava aquele homem!
- Como assim ele te agrediu, Malú? Você tá machucada? E a sua mãe? – a essa altura eu já estava chorando com ela.
- Eu tô bem, só um pouco dolorida e assustada. Minha mãe está em estado de choque, a polícia está lá dentro falando com ela.
- Eu tô indo aí, ok? Se acalma que vai ficar tudo bem, eu prometo.
Encerrei a ligação e já gritei meu pai. Peguei minha mochila, joguei umas roupas e minha nécessaire dentro e meu pai apareceu na porta perguntando o que estava acontecendo. Resumi pra ele o que a Malú tinha me contado e em menos de cinco minutos ele já estava me levando pra casa dela. O caminho pareceu uma eternidade e assim que entramos no condomínio e paramos em frente ao prédio dela, eu a vi.
Mal esperei meu pai estacionar e já desci correndo pra ir até ela. Malú é uma das pessoas mais fortes que eu conheço e eu nunca tinha visto ela tão fragilizada. Puxei ela para um abraço e deixei-a chorar tudo o que estava entalado. Quando o choro cessou, ela se soltou dos meus braços e segurou a minha mão. Eu não sabia o que dizer para acalmá-la naquele momento, só queria que ela soubesse que não estava sozinha.
Meu pai se aproximou da gente e deu um abraço na Malú. Disse que esperaria a polícia ir embora para conversar com a Lúcia e ver se ela precisava de alguma coisa. Os policiais não demoraram muito a ir embora e nós três decidimos entrar.
No apartamento, olhei para a Malú e meus olhos ficaram rasos outra vez. Do lado de fora estava escuro e não dava pra ver como ela estava machucada. Havia marca de mãos nos dois braços e nos pulsos dela e abaixo de um dos olhos, estava inchado e começando a ficar roxo. Dava pra ler no olhar dela o quanto ela estava apavorada. Meu pai foi até a cozinha ver como a Lúcia estava.
Malú se sentou no sofá e fez sinal pra que eu me sentasse ao seu lado. Fiz o que ela pediu e segurei a mão dela, fazendo carinho. Ela deitou no meu ombro e ficou em silêncio até acabar dormindo. Meu pai voltou da cozinha com a Lúcia, que tinha se acalmado um pouco. Ao ver que Maria Luísa tinha dormindo, a Lúcia forçou um sorriso e disse quase num sussurro:
- Obrigada por cuidar dela, Cami. Foi uma situação bem difícil, principalmente pra ela.
- Não precisa agradecer, tia Lúcia. Malú é minha melhor amiga, eu sempre estarei por perto se vocês precisarem.
- Lúcia, eu vou embora, mas qualquer coisa que vocês precisarem, é só me ligar, ok? Você tem o meu número. – meu pai disse, se despedindo dela e então se virou pra mim – Você vai ficar, Mila?
- Se a tia Lúcia deixar, eu vou sim, pai. Quero estar aqui quando a Malú acordar.
- Claro que você pode ficar, Cami. É sempre bem vinda aqui.
Meu pai me ajudou a deitar a Malú no sofá e foi embora. Eu disse pra tia Lúcia não se preocupar que eu mesma arrumava minha cama e então ela deu um beijo na Maria Luísa e sussurrou um pedido de desculpas a ela antes de ir se deitar. Peguei um colchão do quarto de visitas, coloquei ao lado do sofá e me deitei, mas demorei a conseguir dormir.
Quase de manhã acordei assustada com a Malú chorando e ela disse que tinha tido um pesadelo. Levantei e me sentei no sofá, fazendo ela deitar no meu colo. Acabamos cochilando assim e só acordei de novo quando o sol bateu no meu rosto.
Passei o dia inteiro ao lado da Malú, mas a gente quase não conversava. Ela parecia não querer falar nada sobre o que tinha acontecido ainda e eu estava disposta a respeitar o tempo dela. À noite liguei para o meu pai e avisei que ficaria lá até domingo.
No dia seguinte, almoçamos e eu consegui convencer a Malú a ir tomar sorvete comigo. Queria tentar fazer ela se distrair, esquecer o que tinha acontecido pelo menos por alguns minutos. Fizemos nossos pedidos e então ela resolveu falar:
- Obrigada por ter ficado comigo, Cami.
- Não precisa agradecer, Malú. Eu jamais te deixaria sozinha – eu disse com toda a sinceridade do mundo.
- Eu não quero falar sobre o que houve, tá? Talvez isso mude daqui a um tempo, mas por enquanto eu não quero tocar nesse assunto.
- Tudo bem, quando se sentir confortável, eu estou aqui.
Malú me olhou e sorriu. Era a primeira vez que ela sorria de verdade o fim de semana inteiro. Terminamos nossos sorvetes e na volta pra casa, passamos pelo jardim de um prédio e ela me deu uma florzinha branca. Não preciso dizer que só isso me deixou com cara de boba o resto do dia, né?
À noite meu pai foi me buscar e acabou entrando um pouco, para ver como estavam a Malú e a tia Lúcia. Aproveitei que ele estava conversando com as duas na sala e fui pro quarto da Malú com o pretexto de arrumar as minhas coisas para ir embora. Peguei um papel e uma caneta que estavam na mesa e escrevi uma pequena carta pra Maria Luísa:
“Barbiezinha,
Você foi a melhor coisa que me aconteceu esse ano. Hoje você me agradeceu por ter ficado com você, mas na verdade eu é que agradeço por você me permitir ficar.
Espero que fique bem e caso não fique, lembre-se que eu sempre estou no máximo a uma chamada de distância. Você me faz um bem enorme e eu quero retribuir isso de todas as formas possíveis.
Obrigada por existir na minha vida. Obrigada por me deixar existir na sua.
Meu coração fez morada em ti.
Com amor,
Cami.”
Quando eu terminei de escrever, li e achei horrível. Estava prestes a rasgar e jogar fora quando a Malú entrou no quarto. Tentei esconder o papel, mas foi em vão. Ela me encarava como quem esperava uma explicação.
- É só uma matéria que copiei do seu caderno.
- Matéria? Me deixa ver. – ela disse um tanto desconfiada.
- Amanhã eu te mostro, ok? Meu pai está me esperando.
- Não mesmo. Ou me entrega o papel ou não te deixo sair, senhorita Camila.
Nesse mesmo instante eu ouvi meu pai me chamar e como não tinha tempo para discutir com a Malú, deixei o papel na mesa e dei um abraço apertado de despedida nela, saindo do quarto antes dela ter a chance de ler o que estava escrito nele. Eu e meu pai nos despedimos da tia Lúcia e fomos embora.
Quando cheguei em casa, tomei um banho e fui me deitar. Estava me sentindo idiota pela carta e fiquei pensando em como a Malú teria interpretado as minhas palavras. Senti o celular vibrar e era uma mensagem dela:
“Eu fui a melhor coisa do seu ano, você é a melhor coisa da minha vida. Nós nos conhecemos há poucos meses, mas coração não tem calendário, né?
Sei que você está a uma ligação de distância, mas a verdade é que eu te queria ao alcance dos meus olhos.
Amo ser sua morada. Amo tudo que vem de você.
Durma bem e até amanhã, Bela Adormecida.”
Eu li uma, duas, três vezes. “Amo ser sua morada. Amo tudo que vem de você.” Eu só poderia estar sonhando e se estivesse, eu não queria acordar nunca. “AMO TUDO QUE VEM DE VOCÊ”. Eu não sabia bem o que ela queria dizer com aquilo e poderia ser só uma mensagem de amizade, mas eu estava apaixonada e coração apaixonado vocês sabem como é... Me lembro de ter lido tantas outras vezes, que por fim eu já sabia a mensagem inteira de cór e fiquei repassando na cabeça com um sorriso bobo estampado no rosto até cair no sono.
ELA ME AMAVA?
Fim do capítulo
E agora, será que a Cami está só se iludindo ou realmente tinha algo a mais naquela mensagem da Malú? #aguentaCami
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