Capítulo 2
Passei o resto da manhã organizando meu quarto que mais parecia um ninho de rato, para receber a Malú. Meu pai preparou o almoço, eu só engoli a comida, lavei a louça correndo e voltei pro quarto, fugindo de qualquer pergunta que ele quisesse fazer sobre o assunto porque eu definitivamente não estava pronta para falar sobre algo que nem eu mesma conseguia lidar ainda.
Estava deitada escutando música quando ouvi o interfone tocar. Olhei as horas e ainda eram 13:40h, mas eu sabia que era a Malú – ela estava SEMPRE adiantada, pra qualquer coisa. Quando me levantei e abri a porta do quarto, já escutei a voz da Malú conversando e rindo com meu pai. Era incrível como ele tratava qualquer um dos meus amigos.
Cheguei na cozinha e me deparei com a Malú com uma mochila quase maior que ela nas costas. Preciso ressaltar o quanto ela estava linda mesmo usando só um short jeans, camiseta preta e chinelo. Acho que essa foi a primeira vez que eu olhei pra ela e me permiti ser sincera comigo mesma em relação ao que sentia.
Antes de contar como foi o nosso sábado, deixa eu descrever a Malú pra vocês terem uma noção de como eu estou sendo sincera quando digo que ela é linda. Maria Luísa tem quase 1,70m, um corpo bem definido, cabelos loiros e ondulados que vão até a metade das costas. Ela tem a pele clara, mas é apaixonada pelo sol e vive bronzeada, olhos verdes e grandes e a boca carnuda está sempre vermelha. Agora sim, vamos aos acontecimentos de sábado.
Malú me viu, abriu um sorriso enorme e veio me abraçar. Ela tinha um milhão de qualidades, mas o cheiro e o abraço apertado estavam entre as melhores. Peguei a mochila das costas dela e arrastei até meu quarto, de tão pesada que estava, e ela me seguiu. Maria Luísa já era frequentadora assídua da minha casa, então já se sentia bem à vontade por lá. Mal entrou e já foi ligando o ventilador e capotando na minha cama. Eu não podia perder a oportunidade de fazer ela desistir de me arrastar pra balada, então comecei logo:
- Malú, a gente não pode fazer algo mais tranquilo hoje? Não tô muito animada pra festa....
- Aí, Cami, você nunca tá animada pra festa, mas sempre que vai acaba curtindo e se acaba de dançar.
- Eu sei, Malú. Mas aí amanhã passo o dia todo dormindo porque você sabe que eu não bebo, mas fico só a morte no dia seguinte sempre que a gente sai assim.
- Vamos, por favor! Prometo que a gente volta cedo...
- Então tá, mas sem reclamar quando eu disser que quero vir embora, ta? E a senhorita vai pra casa ou dorme aqui?
- Minha mãe disse que pode me buscar, mas se você quiser fazer alguma coisa amanhã, eu durmo aqui. Só preciso que seu pai ligue pra ela e diga que vai pegar a gente.
- Então fica aqui. Amanhã a gente vai a praia.
- Ok.
Passamos o resto do dia deitadas assistindo seriado e juro que eu queria continuar assim, mas logo Malú começou a se animar pela festa e acabou me contagiando. Tomei banho primeiro e enquanto secava o meu cabelo, Malú tomou o dela também. Ela voltou pro quarto enrolada na toalha, com o cabelo molhado e por mais que eu tenha tentado, não consegui não olhar pra ela assim. Me toquei antes dela perceber que eu estava encarando ela de um jeito nada discreto e saí do quarto para beber água.
Quando voltei ela já estava vestida. Usava um short jeans de cintura alta e uma camisa azul de botão e manga ¾ e estava descalça e cantarolando alguma coisa que eu não consegui identificar. Eu tinha vestido um short de pijama e uma camiseta velha, só para secar o cabelo e não fazia ideia do que ia vestir. O bom de ter a Malú por perto – além de todos os detalhes dela que me encantavam – é que ela entende tudo de roupa, sapatos e maquiagem e sempre me deixa maravilhosa quando saímos juntas.
- Ô Barbie, já que a senhora não precisa de muito esforço pra se arrumar, bem que podia me dar uma mãozinha, né?!
- Barbie é sua avó, palhaça. Cadê aquele seu short jeans que eu dei um up? Coloca ele, a camisa preta de poá e seu mocassim – simples assim, ela conhecia meu guarda-roupa melhor que eu mesma.
Vesti exatamente o que ela tinha falado e o resultado ficou legal. Malú já me empurrou pra cadeira para fazer minha maquiagem e ajeitar minha juba, que olha, eu amo mas não tenho muita paciência pra cuidar. Ah, eu esqueci de dizer antes, eu tenho o cabelo preto, que vai até pouco abaixo dos ombros, enrolado desde a raiz e com muito volume. Sou morena, tenho um corpo “normal” – nem magra, nem gorda - 1,65m e os olhos puxadinhos e totalmente pretos, como eram os da minha mãe.
Malú fez a minha maquiagem rapidamente, carregando um pouco nos olhos e deixando o resto bem leve. Só ajeitou meu cabelo, que ficou solto mesmo. Eu já estava pronta e então fui falar com meu pai enquanto ela terminava de se arrumar.
A caminho da festa, meu pai ligou pra Lúcia, mãe da Malú e avisou que ele iria nos buscar e que ela iria dormir lá em casa. Fomos conversando até chegar na Fluente e meu pai deu as mesmas instruções de sempre:
• Nada de bebidas alcoólicas
• Nada de cigarro
• Nada de sair de lá para outro lugar
• E nada de dar informações pessoais pra ninguém
Meu pai nos deixou na porta, marcou de nós buscar exatamente a 00:30h e só foi embora quando nos viu entrando na Fluente. Malú já saiu me arrastando para a pista que apesar de ainda ser cedo, já estava cheia. Eu adorava dançar, apesar de não saber dançar muito bem. Já ela adorava dançar e sabia dançar absolutamente tudo o que tocava.
A Fluente é voltada ao público LGBT e mesmo antes da Malú me contar que era gay, a gente já frequentava por ser um lugar bem legal e o mais importante, muito seguro e organizado. Depois de um bom tempo dançando e algumas idas ao bar para pegar drinks – todos sem álcool, a gente realmente não ingeria bebidas alcóolicas - precisei ir ao banheiro e não quis atrapalhar a Malú, que dançava como se não houvesse amanhã. Demorei um pouco a voltar porque o banheiro estava cheio e quando voltei, preferia não ter voltado. A Malú estava dançando com uma menina – linda, por sinal – e eu realmente não queria ver aquela cena porque sabia bem como ia acabar.
Olhei as horas e estava procurando um lugar isolado pra ir quando a Malú me viu e falou algo com a menina antes de se afastar dela e vir falar comigo.
- Onde você se meteu, Cami? Não te vi saindo de perto de mim.
- Fui ao banheiro e não quis te tirar da pista.
- Deveria ter me chamado, eu iria com você.
- Malú, o banheiro fica ali, acho que eu tinha o direito de ir sozinha, né? – a frase saiu mais ríspida do que eu gostaria e me arrependi no mesmo minuto pelo tom que usei.
- Olha, eu não sei que bicho te mordeu, mas também não vou ficar aqui pra descobrir. Já é quase 00:30h, vai com o seu pai que eu vou ligar pra minha mãe me buscar.
- Ei, não faz isso. Me desculpa.
- Isso depende. Vai me dizer o que houve pra você ficar assim?
- Não foi nada, Malú, só me estressei com o banheiro lotado – menti. Afinal, não seria uma boa ideia dizer “te vi dançando com aquela menina e fiquei azul de ciúme”, ou seria?
Ela me olhou com cara de quem não tinha engolido a minha resposta, mas acabou deixando passar. Faltava cinco minutos para 00:30 e meu pai nunca se atrasava pra me buscar, então nós fomos para a saída. Estava cogitando a ideia de perguntar sobre a menina que ela tinha dançado, quando vi meu pai chegar.
Fizemos o caminho de volta quase em silêncio, a não ser por algumas perguntas sobre a festa, feitas pelo meu pai e que nós respondemos bem vagamente. Chegamos em casa e meu pai já tinha deixado nossas camas prontas. Malú foi tomar banho e enquanto isso eu fui tirar a maquiagem, mas ela demorou tanto a sair que eu deitei pra esperar e acabei dormindo. Ouvi quando ela entrou no quarto, mas estava com tanto sono que nem abri os olhos e muito menos me dava conta de que tinha dormido com a roupa que cheguei.
- Camila, acorda. – Eu mal me mexi – Anda, Cami, acorda pra trocar ao menos essa roupa.
Senti a mão dela mexendo no meu cabelo e ela continuou insistindo, chamando baixinho, até que eu acabei acordando por completo. Abri os olhos e ela estava sentada do meu lado, me fazendo carinho e me olhando.
- Troca pelo menos essa roupa, Bela Adormecida.
Olhei pra ela com cara de quem não estava nada disposta a acordar, mas ela me olhou de volta como quem estava determinada a me fazer vestir um pijama e já me puxou da cama. Demorei mais do que o necessário para me trocar por motivos óbvios: 1- me trocar na frente da Malú me deixou desconcertada. 2- eu estava com tanto sono que meu corpo não respondia meu cérebro de imediato. Me senti uma criança de cinco anos quando me joguei na cama de novo e Malú veio me cobrir e me dar um beijo de boa noite na testa. Lembro de ver ela indo apagar a luz, mas eu apaguei até mesmo antes disso.
Acordei no domingo da pior forma possível: com a luz do sol batendo direto no meu rosto. Malú sempre acordava cedo e abria todas as cortinas possíveis e essa era uma das poucas coisas que eu odiava nela – eu nunca vou entender esse amor que ela tem por sol e calor – Abri os olhos irritada e pronta pra mandar Maria Luísa fechar as malditas cortinas e me deixar dormir em paz, mas fui surpreendida com ela de pé ao lado da cama, já pronta pra ir à praia, sorrindo e segurando uma bandeja de café da manhã. Não tinha irritação no mundo que resistiria aquela cena.
- Ih, o que você aprontou, Malú? Não ache que vai comprar meu perdão fácil assim não – eu brinquei e ela caiu na gargalhada.
- Olha que eu mudo de ideia e dou isso tudo pro cachorro da vizinha – ela falou apontando pra tonelada de comida que tinha acabado de colocar na cama.
- Ah, mas não dá mesmo! – falei puxando a bandeja pra mim e já pegando um pão de queijo.
- É incrível como seu mal humor matinal desaparece quando você ganha comida.
- Fazer o que se meu calcanhar de Aquiles fica no estômago, né? – eu dei de ombros e ela riu.
Terminamos de tomar café e eu fui tomar banho enquanto ela levava as coisas de volta pra cozinha. Aos domingos meu pai acordava bem cedo, preparava um café da manhã caprichado e saía para correr e dar um mergulho. Ouvi ele chegar e dar bom dia a Malú quando eu estava terminando de me trocar. Saí do banheiro e fui direto pra cozinha encontrar os dois.
- Bom dia, papi.
- Bom dia, Mila – ele disse indo em minha direção todo suado.
- Nem vem que eu acabei de sair do banho, viu?! – falei e fui pra trás da mesa, já traçando uma rota de fuga, caso fosse preciso.
- Finalmente né, porquinha? – Malú disse rindo, se referindo ao banho que eu não tinha tomado antes de dormir.
- Eu também acabei de sair do banho, filha, não viu como estou molhado?
- Banho de mar não conta, bonitão. E isso aí escorrendo eu tenho certeza de que é mais suor do que água do mar.
- Já vi que não vou ganhar abraço de bom dia, então vou tomar uma ducha e dar uma ida ao supermercado. O que vocês querem pro almoço?
- Na verdade, tio Marcelo, a gente vai à praia e eu pensei em comer algo por lá mesmo. Você vem com a gente?
- Ih, Malú, acabei de voltar de lá, então fica pra próxima. Mas tudo bem, vocês podem ir, só tomem cuidado, viu?
- Ta bom, pai. Vamos fica aqui perto mesmo, qualquer coisa você liga, ok?
- Ok, Mila. Não esquece o protetor solar.
- Ta, pai. Até mais tarde.
A caminho da praia nós ligamos pra Gabi e ela acabou indo se encontrar com a gente. O dia foi bem agradável e quando resolvemos ir pra casa já eram quase 15:00h.
- Gabi, vamos lá pra casa também? – perguntei, já que ela sabia que a Malú estava ficando lá.
- Hoje não, Cami. Combinei de levar a Júlia ao cinema mais tarde – Júlia era a irmã mais nova da Gabi, a criança mais maravilhosa que eu já conheci na vida.
- Ah, então fica pra próxima, né?! Dê um beijo na Julinha por mim e diga que qualquer dia desses eu vou lá ver ela.
- E eu vou junto, porque se depender de você, dona Gabriela, a gente não vê a Júlia nunca – a Malú disse dando bronca.
- Prometo que no nosso próximo dia juntas, a pirralha vem comigo, ok?
- Ok! Até amanhã então – eu disse dando um abraço nela.
Passei o resto do dia em casa com a Malú. Nós não fizemos nada de diferente, mas ter ela por perto era tão bom. Quando estava anoitecendo ela falou em ligar pra mãe dela ir buscá-la, mas acabei fazendo ela desistir da ideia e convencemos meu pai a ligar pra Lúcia de novo e dizer que Malú ficaria lá em casa mais uma noite. No dia seguinte a gente passaria lá cedinho pra ela colocar o uniforme e pegar a mochila da escola.
Eu, que comecei o fim de semana planejando não pensar nela, acabei passando o fim de semana todo com ela e ainda insistindo pra que ela não fosse embora. Geralmente eu odeio quando meus planos dão errado, mas dessa vez o erro tinha um sorriso tão lindo que eu só agradeci ao universo quando ela se deitou no meu ombro e começou a procurar alguma coisa pra gente assistir na Netflix.
Fim do capítulo
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