Eu estava olhando pra tela do computador, com meu e-mail aberto, mas o pensamento estava longe, distante, não sabia que estava tão distraída até escutar duas batidas na porta da minha sala e dar um leve pulo na cadeira, retirei os óculos e olhei pra porta por onde o Tiago já entrava com alguns papéis em mãos.

- Bom dia, mal educada! Não foi nem falar comigo! – falou estendendo os papéis pra mim

- Desculpa, Ti! Eu estou meio desligada hoje! – peguei os papéis e os coloquei à minha frente na mesa, quando ia começar a ler, fui interrompida.

- Aconteceu alguma coisa, Mari? – perguntou sentando na cadeira de frente pra minha mesa. O olhei e sua testa estava franzida em preocupação. Desviei os olhos para os papéis novamente, antes que ele conseguisse ler alguma coisa no meu olhar.

- Não! Eu só não dormi direito, tive insônia, estou meio...

- Mari? – chamou e esperou, tive que olhar para ele de volta

- Sim. – respondi e ergui uma sobrancelha tentando fazer uma cara de entediada pra ver se disfarçava

- O que você não está me contando? Desde quando tem segredos comigo, Mariana?

- Não estou escondendo nada, eu só... – parei de falar quando vi em seu rosto que não conseguiria convencê-lo. – Ok, Tiago! Se ajeita na cadeira porque lá vem bomba!

- Aí, adoro! – respondeu animado e passou a mão no cabelo. O olhei séria demonstrando que não era um assunto do qual eu estava gostando. Ele entendeu, levantou as mãos em sinal de rendição e completou. – Desculpa, me empolguei. Me fala logo o que aconteceu!

- Você lembra que ontem eu estive no jornal porque meu pai pediu pra ajudar a Bárbara, não lembra? – ele concordou com a cabeça

- Como não desconfiei que essa cara de marido traído tinha a ver com essa mulher?

- Você vai me deixar falar ou não? Eu tenho coisas pra fazer! – falei apontando para o computador

- Desde quando você ficou tão dramática? Continua, não vou mais interromper! – ignorei o comentário e continuei

- Eu fui lá e meio que me desentendi com a Bárbara. – ele ficou doido pra fazer um comentário, mas cumpriu o que disse de não interromper mais. – Só que eu precisava ver com ela sobre o trabalho da Beatriz no qual eu sou responsável pelo grupo dela, enfim, a chamei pra ir lá em casa pra gente conversar e eu mostrar o material que eu tinha. – eu ia continuar, mas a cara que ele fez não me deixou prosseguir. Ele deu um sorriso de lado e ergueu uma sobrancelha, uma tentativa de fazer uma cara maliciosa. – Que foi?

- Mari, Mari... talvez você tenha enganado a Bárbara com esse papo de trabalho de faculdade, mas eu sei muito bem que material você quer mostrar pra ela! – disse balançando a cabeça negativamente e sorrindo

- Nada a ver, Tiago! Eu já tinha falado pra ela que precisávamos ver esse trabalho, senão a Beatriz ia começar a pegar no pé dela.

- E desde quando você se importa com isso? Com Beatriz? Com Bárbara? Aliás, esse trabalho poderia ter sido feito em outro lugar, não de noite na sua casa! Você não presta Mariana, isso é um fato! Mas agora estou curioso pra saber o desfecho!

- O desfecho é o pior de tudo! – falei me jogando pra trás e encostando as costas na minha cadeira

- Ficou no zero a zero! Mas era óbvio que isso ia acontecer! Amiga, com todo respeito, você é uma gata, toda misteriosa, com esse olhar marcante, essa pose de dona do mundo, você sabe que é um mulherão, mas Bárbara é hé-te-ro! E tem namorado, desencana, Mariana!

- Terminou de discursar? Posso falar ou você vai continuar falando merd*? – pedi impaciente

- Continua, né?

- Eu estava com a Bárbara conversando sobre trabalho e afins – acham que eu dizer que tinha conversado sobre minha vida pessoal com ela? Jamais! Eu teria que aguentar muita pergunta do Tiago. – Quando a Natália abriu a porta do meu apartamento e fez o maior escândalo! – falei ficando com raiva dela só de lembrar o que ela fez.

- Oi? Natália? Mariana, como você tá viva? O que aconteceu? – perguntou levando a mão a boca num gesto dramático, por um momento eu quase ri.

- Ela pensou besteira, óbvio. Começou a falar um monte de coisa pra Bárbara, falou pra mim que depois que ela se divertir comigo vai me dar pé na bunda! Olha, maior loucura, fiquei tão puta, tão puta, que peguei ela pelo braço e coloquei pra fora do apartamento. Ela conseguiu se superar, detesto escândalo, Tiago!

- E eu não sei?! Como ela entrou no seu apartamento? Ela tem chave? – perguntou estranhando, já que nunca dei esse tipo de intimidade pra Natália.

- Mas é claro que não! O porteiro me ligou assim que elas foram embora pra dizer que a Natália tinha jogado uma sacola que parecia ser de presente nele, saiu falando besteira, que ele nem quis repetir. Me perguntou se era pra me entregar, eu disse que não e perguntei como ela tinha conseguido a chave. E sabe o que ele disse? Que ele deu! O porteiro simplesmente deu a minha chave reserva pra ela! Eu pirei, nunca fui tão grossa com alguém na minha vida como fui com ele ontem, ele disse que como já a conhecia e ela disse que queria fazer surpresa, achou que não teria problema!

- Pediu morte!

- Com certeza, eu só não falei com o síndico porque fiquei com pena no fim das contas, ele não tem culpa, a Natália ia ver a Bárbara de qualquer jeito, ela ia dar um jeito de entrar no apartamento, achei melhor não prejudicar ele. Mas meu porteiro ouviu tanto, tanto, que a orelha deve tá vermelha!

- Tá, mas e a Bárbara? Não deve ter entendido nada! – falou curioso, adora uma fofoca.

- Não entendeu! Ficou com cara de assustada, acho que pensou que a Natália fosse bater nela! – ele começou a gargalhar

- Até eu pensaria! Conhecendo a Natália e sabendo como é ciumenta, deve ter entrado que nem o Hulk! – disse ainda rindo

- Pelo menos alguém conseguiu ver graça na minha noite conturbada! – revirei os olhos

- Desculpa, Mari. Eu estou imaginando a sua cara, Natália acabou com teus planos!

- Eu não tinha planos! – bufei

- Mariana, somos quase irmãos! Eu te conheço como ninguém! – parou de rir ao se tocar de uma coisa. – Mas calma, a Bárbara sabe que você é lésbica?

- Agora sabe! Depois do escândalo que a Natália fez, mais fácil perguntar no prédio quem é que não sabe! Ela me perguntou se a Natália é minha namorada, e por fim me perguntou se eu era lésbica.

- E aí? Como ela reagiu?

- Ah, disse que não tem problema com isso, que eu não tenho jeito de lésbica, que não tá acostumada com esses assuntos.  – achei melhor resumir pra não me comprometer

- Então é por isso que você está chateada!

- Não estou chateada! Estou irritada com a atitude infantil da Natália!

- Tudo bem, você pode até estar irritada, mas também está chateada, eu consigo perceber. Ela não teve a reação que você esperava! Você sentiu que ela tratou você mal? – perguntou preocupado

- Não, mal não. Mas eu senti que a postura dela mudou, ficou sem graça, desconfortável, parecia não saber como falar comigo!

- Calma, Mari, ela realmente pode não estar acostumada, dê um tempo pra ela processar. Mas amiga, posso te dar um conselho? – me perguntei internamente se queria ouvir, pois sabia que escutaria algo que não queria, mas os amigos precisam nos dizer a verdade, não é? Principalmente aquela que não conseguimos aceitar. Concordei com a cabeça em sinal para ele prosseguir. – Deixa essa história pra lá! Tanta mulher bonita por aí, você é inteligente, tem bom papo, é linda, pode conseguir quem quiser. Não entra num lugar onde você sabe que vai sair machucada! Logo você que é tão fechada, não se apaixona, não quero que sua primeira experiência com o amor não seja correspondida, senão aí mesmo que você vai se fechar pra qualquer oportunidade boa que pode aparecer.

- Amor? Apaixonada? De novo esse assunto, Tiago? Eu não estou apaixonada! – cheguei pra frente de novo e o encarei nos olhos pra tentar dar ênfase ao que eu dizia. Ele suspirou em desistência.

- Tudo bem! Eu só quero o seu bem, Mariana, você sabe. Eu só peço pra ter cuidado, evita de encontrar com ela, deixa seu ego esquecer isso, porque você tem um problema muito grande de precisar afirmar pra você mesma que consegue tudo, inclusive quando se trata de mulher. Eu no fundo, por mais que fale de amor com você, sei que isso se trata do seu ego, de saber que não pode ficar com a Bárbara, aí fica com a vontade aguçada. Só me deixou pensativo você estar tão chateada com a situação, você não costuma ligar pra opinião dos outros, por que ligou agora pra da Bárbara?

- Não me importo com a opinião dela! Não tenho vergonha de quem eu sou, uma hora ela ia saber! – dei de ombros

- Ok, Mari! Sabe o que você tá precisando?

- Não sei se quero saber! – revirei os olhos

- Sair, beber, dançar e por último: ficar com alguém! Vai ficar boa rapidinho! – disse animado

- Tá bom, Tiago! – coloquei meus óculos de novo e ia pegar os papéis na minha frente, quando ele colocou a mão em cima deles, me fazendo olhar por cima dos óculos pra ele com cara de impaciente.

- E quem melhor do que eu pra ajudar nisso? Sábado vamos sair, vou falar com o Vitor, coloca um vestido bem sexy e vamos pra pista! Nós vamos te buscar, porque eu quero que você se jogue, beba, se desligue de trabalho, Natália, Bárbara! Quero ver aquele ar de “pego quem eu quiser porque sou gostosa mesmo” que só você tem. Nem adianta abrir a boca, porque já está decido! Agora lê essa matéria que eu escrevi que a gente precisa lançar no site até amanhã! – piscou sorridente e saiu pela porta. Tirei os óculos novamente, passei as mãos no rosto e respirei fundo, por fim estava decidida a esquecer essa história de verdade. Foda-se Bárbara, foda-se Natália! Nunca fui de me importar com isso, não ia ser diferente agora.

Depois que a Bárbara foi embora ontem, fiquei me perguntando o que estava acontecendo comigo, eu estava me abrindo para uma completa estranha, falando de coisas que eu não conversava com ninguém há muito tempo, apenas poucas pessoas sabem do que aconteceu entre mim e minha mãe, nem a Natália sabe de nada, sempre cortei qualquer tentativa de conversa sobre esse tema. Me deixa intrigada a forma como eu consegui me abrir tão facilmente, outra coisa, eu nunca tinha pedido desculpas tantas vezes como pedi pra Bárbara, sempre detestei admitir que estava errada, e só ontem devo ter pedido desculpa umas três vezes, eu realmente não estou no meu estado normal. A Bárbara estava mexendo comigo, ver ela entrando no meu apartamento, tímida, mas ao mesmo tempo segura de si, os cabelos jogados de lado, os olhos azuis tentando entender cada gesto meu, deixando o cheiro por onde passava, a forma como ela lia o meu artigo, tudo de certa forma parecia me levar à uma atração inevitável.

Balancei a cabeça pra espantar esses pensamentos de mim e ter uma certeza: essa história tem que acabar. 

Fim do capítulo