Capítulo IV - Embevecer

 

Acordei no meio da tarde com meu corpo todo sensível, apesar de ter dormido bastante e conseguido descansar, eu ainda estava dolorida devido à luxúria da noite passada, uma das mais incríveis que vivenciei. Demorei a levantar, tomei um banho e logo voltei a deitar. Dormi mais um pouco e acordei faminta. Pedi comida, me alimentei e fiquei largada na cama assistindo filme. Já tive ressaca por conta de ter bebido muito, misturado bebidas alcoólicas e chapado; mas não tem comparação com ressaca pós-sex* intenso. Quando ocorrem porres alcoólicos, o comum é falarmos que não vamos mais beber, que ficaremos muito tempo sem chegar perto da maldita bebida e em alguns casos, até juramos que aquela fora a última vez. Já na ressaca pós-sex* intenso, ficamos pensando se vamos ter a oportunidade de passar por tudo aquilo novamente, a satisfação que tive compensava estar com meu corpo dolorido, além de estar toda ardida. Luna e Ruan, que casal maravilhoso. Adormeci recordando sobre a noite passada.

No dia seguinte eu já estava recuperada, porém com muita preguiça, passei o dia lendo e assistindo televisão. Alimentei-me no restaurante do hotel mesmo. Enviei e-mail para a minha irmã, avisando que no dia seguinte já estaria voltando para o Brasil, combinamos que eu ficaria na casa dela, até o natal. Ajustei questões para o meu retorno e comecei a fazer as malas. Para o próximo dia eu já tinha duas atividades agendadas: comprar presentes para os familiares e a noite à viagem de regresso.

No avião enfrentamos algumas turbulências, nada que atrapalhasse muito a viagem.

Cheguei em São Paulo, quinze dias antes do natal, especificamente em dez de dezembro e estava morrendo de saudades da minha terra natal. Optei por ficar no apartamento da Tata, primeiro porque eu estava com saudades da minha irmã, segundo por saber que ela esta passando por uma fase diferente e inusitada. Acredito que em breve ela tome a decisão de seguir o coração, contudo ela ainda esta indecisa e um pouco insegura, precisando de companhia e principalmente de um ombro amigo. Nós duas temos uma relação maravilhosa, somos irmãs, amigas e cúmplices. Eu fiz de tudo para alegra-la, porém ela só quer saber da Edwiges. Durante o dia, com muito esforço eu até conseguia tirar a Tabata de casa, já no período da noite, tentei até chantagem emocional, mas tudo em vão.

 

- Tata, deixa de ser chata e vamos sair para mexer o esqueleto.

 

- Irmã, eu prefiro ficar em casa.

 

- Para com isso, deixa de ser velha.

 

- Não estou com vontade mesmo.

 

- Por favor!

 

- Tati, me deixa e eu já disse que não. Você é muito agitada menina.

 

- Ok! Eu vou sozinha, boa noite! (reclamei, enquanto ela fingia que nem ouvia e eu acabei saindo sozinha).

 

Plena sexta-feira e eu decidi curtir uma balada paulista, com uma saia curta jeans, deixando as pernocas de fora, optei também por uma blusinha vermelha, com um decote que valorizou meus seios. Escolhi uma balada alternativa na Augusta, aguardei alguns minutos na fila, logo entrei e fui direto para o bar, por lá permaneci um bom tempo bebendo. Quando fui para a pista de dança, me acabei, dancei freneticamente. Já de madrugada precisei utilizar o banheiro, antes de sair notei que uma mulher loira estava sentada em um canto toda cabisbaixa. Não sei por qual motivo, mas decidi me aproximar.

 

 

- Ei moça, você esta bem? Precisa de ajuda?

 

- Acho que as luzes fortes atacaram a minha labirintite.

 

- E você veio sozinha?

 

- Não, mas me perdi do meu amigo.

 

- Bebeu muito?

 

- Nem uma gota, eu não bebo.

 

- Quer que eu procure seu amigo?

 

- Acho que vai ser difícil encontra-lo. Você pode me ajudar a levantar? Quero sair daqui.

 

- Claro! (afirmei a auxiliando).

 

Ela levantou um pouco cambaleante e se apoiou nos meus braços.

 

 

- Qual o seu nome?

 

- Yasmin Kyzzy e o seu?

 

- Tatiana Fyonjy.

 

- Prazer e obrigada pela ajuda, podemos ir até o bar? Quero tomar um pouco de água.

 

- Vamos!

 

Compramos a água, ela sentou e começou a tomar. Enquanto eu a observava atentamente. Os meus olhos claros, que apresentam um tom diferente de azul, são sem graça perto dos dela. Yasmin têm olhos verdes, extremamente sedutores. Uma voz segura e ao mesmo tempo doce. Cabelos longos e loiros naturais. Pele branquinha e um sorriso harmonioso.

 

 

- Tatiana vou chamar um Uber, quero ir embora, tomar um remédio e descansar.

 

- Eu estou sem carro e bebi bastante, caso contrário te levaria.

 

- Também não vim de carro, meu amigo me deu carona, mas ele desapareceu.

 

- Faz assim, chame o Uber e eu vou contigo.

 

- Não precisa. Você estava toda animada e dançando bastante. Vá se divertir!

 

- Você já tinha me visto?

 

- Sim e você dança muito bem.

 

- Obrigada! Eu não tinha te visto.

 

- Bom vou pagar a comanda e já vou indo. Muito obrigada!

 

- Deixa eu te acompanhar.

 

- Não precisa.

 

- Yasmin ficarei mais tranquila sabendo que você chegou bem.

 

- Anote seu número e eu te aviso assim que eu chegar (falou me entregando o celular).

 

Digitei, salvei e devolvi o celular. Fui com ela até o caixa e também paguei a minha comanda.

 

 

- É aquele carro ali (ela falou apontando logo que saímos).

 

- Eu vou contigo, faço questão!

 

- Atrapalhei você (lamentou).

 

- Não atrapalhou em nada e também quero ir embora. Você esta melhor?

 

- Um pouco.

 

Entramos no carro, ela confirmou o endereço e não era muito longe dali.

 

 

- Yasmin, quer apoiar no meu ombro?

 

- Quero sim. Labirintite me deixa um pouco zonza.

 

Ela encostou-se no meu ombro e eu também fiquei zonza, devido ao aroma delicioso que exalava dela. Nada dissemos, ela precisava repousar. Infelizmente chegamos rapidamente.

 

 

- Tatiana, mais uma vez obrigada!

 

- Disponha!

 

Nos despedimos com um abraço, ela desceu do carro e entrou em um edifício. Informei o endereço da minha irmã e dentro de alguns minutos cheguei. Tomei banho e adormeci pensando naquela bela loira.

No sábado acordei querendo saber se a Yasmin tinha melhorado, porém eu não tinha o número dela. Será que ela entraria em contato? Queria tanto reencontra-la!

Por volta do meio-dia, fiquei muito feliz quando peguei meu celular e tinha uma mensagem. Contudo era apenas da operadora, fiquei frustrada, mas na sequência o aparelho começou a vibrar e eu não reconheci aquele número. Atendi rapidamente.

 

 

- Alô!

 

- Tatiana?

 

- Sim!

 

- É a Yasmin.

 

- Oi, tudo bem? Você melhorou?

 

- Sim, melhorei. Tomei remédio antes de dormir e acordei recuperada.

 

- Que bom!

 

- Eu liguei para te agradecer, você nem me conhecia e me ajudou. Obrigada por tudo.

 

- Não precisa agradecer e fico feliz por saber que você melhorou. Acordei querendo saber notícias suas. Posso salvar seu número?

 

- Claro. Pode sim.

 

- Yasmin, você tem compromisso hoje?

 

- Não.

 

- Podemos nos encontrar?

 

- Adoraria, mas estou fugindo de agito e aquelas luzes fortes ontem não me ajudaram em nada.

 

- Não precisa ser balada e nem nada agitado.

 

- Não sei.

 

- Que tal sairmos para comer algo e papearmos um pouco. Você pode escolher o local.

 

- Será que você vai gostar da minha escolha? Sou vegana, não como nada de origem animal.

 

- Já gostei! Eu sou vegetariana.

 

- Que legal. Então vou escolher um local bacana e te mando o endereço por mensagem. Pode ser?

 

- Sim, vou aguardar. Até mais tarde!

 

- Até! Beijo.

 

- Beijos!

 

Desliguei o telefone, torcendo para que as horas passassem rápido. Tabata já tinha preparado o almoço, comemos juntas e depois organizamos tudo.

 

 

- Irmã, os dias estão passando rápido, já esta faltando menos de uma semana para o natal.

 

- Final de ano é assim mesmo, voa. Vou visitar nossos pais, quero contar sobre o meu namoro.

 

- Tata, conta sim, eles vão apoiar, nossos pais são uns amores.

 

- Concordo irmã, vai dar tudo certo, você vem comigo?

 

- Não, vou só na véspera do natal mesmo. Hoje eu tenho um encontro com a loira mais linda do planeta (contei feliz).

 

- E pelo visto você esta bem animada.

 

- Muitíssimo e me deseje sorte!

 

- Boa sorte!

 

- Obrigada e você nem vai precisar, vai dar tudo certo.

 

Conforme o previsto a reação dos nossos pais foi de fato positiva, agiram com naturalidade, desejaram felicidades para a Tata e demonstraram total apoio. Ela me contou por mensagem, enquanto eu estava no salão, cuidando das madeixas.

Troquei mensagens com a Yasmin, decidimos o local e marcamos para as sete da noite. Escolhi para usar naquela noite um macaquinho branco curto e colado, com uma rasteirinha prata e cabelos soltos. Cheguei ao restaurante em Pinheiros, uns quinze minutos antes do horário combinado, fiquei aguardando e ela não atrasou. Yasmin usava um vestido verde que combinava com seus olhos e os cabelos loiros estavam presos em um rabo de cavalo. Nos cumprimentamos com beijos nos rostos.

 

 

- Boa noite! Você esta bem?

 

- Boa noite! Sim, muito bem e você?

 

- Também. Yasmin, você é muito bonita e esta tão linda.

 

- Agradeço o elogio e digo o mesmo.

 

Nós duas jantamos, escolhemos uma sobremesa e ficamos papeando.

 

- Tatiana, você é daqui de sampa mesmo?

 

- Sou sim e você?

 

- Nasci no interior, me mudei para a capital para fazer faculdade e não quis mais saber de voltar.

 

- Qual curso você fez?

 

- Odontologia e você?

 

- Turismo.

 

- Trabalha na área?

 

- Sim, sou guia de turismo e viajo bastante. E você já esta atuando?

 

- Estou sim, consegui abrir meu consultório.

 

- Que bacana! Me conta mais sobre você.

 

- Bom, eu tenho 24 anos, nasci em Águas de São Pedro, não conheci meu pai e perdi minha mãe ainda criança, ela teve câncer. Fui criada por meus avós maternos, sempre que possível vou até a minha cidade para visita-los. Me formei na USP, sou dentista, gosto muito de ler, ouvir música e brincar com a minha cachorra, uma yorkshire, chamada Nina. Agora é a sua vez!

 

- Adorei conhecer um pouco de ti.

 

- Tatiana, me fale sobre a sua pessoa.

 

- Eu tenho 23 anos. Fiz tecnólogo aqui no Brasil, cursei um semestre em São Paulo, outro no Rio de Janeiro, também fiz intercâmbios e vivo viajando. Gosto de conviver com diversas pessoas e não tenho parada, acho que me enjoo fácil dos locais sabe, sou irrequieta por natureza. Atualmente estou de férias, hospedada na casa da minha irmã e vou passar o natal com a minha família.

 

- Eu também vou, no dia 23, volto para a minha cidade. Natal é tradição reunir a família. Então você é aventureira e nômade?

 

- Sim!

 

- Eu não iria conseguir, sou tão pacata. Gosto de viajar, mas adoro voltar para o meu cantinho. Somos bem diferentes.

 

- Você namora?

 

- Não.

 

- É solteira?

 

- Sou sim, você também?

 

- Sim.

 

- Tatiana, você já viajou para quantos locais?

 

- Moça já perdi as contas.

 

- Com esta sua rotina, nem consegue ter relacionamentos né

 

- Nunca namorei e você?

 

- Só uma vez, durou dois anos e terminamos quando ela mudou para Minas Gerais.

 

- Ela?

 

- Sim, sou lésbica.

 

- Acabou tem quanto tempo?

 

- Sete meses.

 

- Sofreu muito com o término?

 

- Sofri sim, foi minha primeira namorada. Eu sou aquele tipo de pessoa que se apega muito rápido. Ela até propôs relacionamento à distância, mas eu não consigo, gosto de estar perto e aqui em São Paulo, não tenho nenhum familiar, somente amigos e são poucos. Eu sou toda sonhadora, quero constituir uma família e gosto da cidade, não concordei em deixar tudo aqui e seguir para Minas com ela. Além disso, não compartilhávamos as mesmas querências.

 

- Como assim?

 

- Então o nome dela é Shirley, ela não pretende casar, nem morar junto, sempre falou que era apenas namoro e sem perspectivas para o futuro. Filhos nem pensar, ela não gosta de crianças, nem mesmo dos sobrinhos, é mais fechada e fria. Sou o oposto.

 

- Entendi.

 

- Mas e você durante as suas viagens já se apaixonou?

 

- Yasmin, vou ser sincera contigo, já me apaixonei várias vezes. Mas costumo dizer que a paixão é passageira, da mesma forma que ela surge, ela também acaba como num piscar de olhos. Já o amor, eu ainda não encontrei não.

 

- Gostei da sinceridade. Você é heterossexual? (perguntou desconfiada).

 

- Não. Tem época que eu me relaciono mais com mulheres, já em outros períodos curto homens também. Já até revelei para a minha irmã, que eu nem me entendo muito bem, mas atualmente eu me sinto bem com a minha bissexualidade.

 

- Isso que é importante se sentir bem e ser feliz.

 

- Minha irmã fala a mesma coisa e ela também é bem resolvida igual você.

 

- Qual o nome dela?

 

- Tabata.

 

- Que legal, Tatiana e Tabata. Eu sou filha única, deve ser muito bom ter uma irmã.

 

- É maravilhoso e somos muito próximas.

 

- Mesmo com a quantidade de viagens que você faz?

 

- Sim. Quando nos encontramos é só festa.

 

- Você tem sobrinhos?

 

- Não. Minha irmã não pode ter filhos.

 

- E você pensa em ter filhos?

 

- Penso sim, tenho vontade, mas num futuro não tão próximo.

 

- O papo esta ótimo, mas já esta ficando tarde. Você veio de carro?

 

- Não.

 

- Então hoje eu que vou te acompanhar. Aceita uma carona?

 

- Se não for te atrapalhar, aceito sim.

 

- Quem te atrapalhou ontem fui eu.

 

- Que nada, bobagem sua.

 

- Coloca o endereço no GPS, por favor.

 

Rapidamente coloquei o endereço e ela começou a dirigir.

 

- Noite quente hoje, bem verão mesmo.

 

- Verdade. No começo do mês eu estava na Inglaterra e por lá fez muito frio.

 

- Trabalhou bastante por lá?

 

- Sim!

 

- E também se divertiu?

 

- Muito.

 

- Você aproveita a vida intensamente né

 

- Em demasiado, pois a única certeza que nós temos é que quando menos esperamos a morte chega, por isso aproveito todos os instantes e não perco nenhuma oportunidade.

 

- Uau! Que mulher intensa. Pena que você não é lésbica? (falou em tom de brincadeira).

 

- Por quê?

 

- Seria ainda mais interessante e eu iria adorar (respondeu sorrindo e olhando atentamente para o trajeto que fazíamos).

 

- Você se assumiu com quantos anos?

 

- Aos 18.

 

- Sofreu preconceito familiar?

 

- Não. Meus avós são meus amigos e priorizam a minha felicidade.

 

- Que bom!

 

- Você esta entregue, sã e salva.

 

- Obrigada e você dirige muito bem!

 

- Grata!

 

- Quando vamos nos ver novamente?

 

- Não sei.

 

- Vamos pedalar amanhã no Ibirapuera?

 

- Nossa faz muito tempo que não ando de bike por lá e é tão bom. Gosto de pedalar pela Paulista também. Você acorda tarde aos domingos?

 

- Somente quando vou dormir muito tarde. Mas geralmente no máximo às nove horas estou acordada, sou adepta dos exercícios físicos matinais.

 

- Eu também prefiro fazer exercícios pela manhã. Posso vir te buscar amanhã às nove horas?

 

- Claro. Estarei a sua espera.

 

 

Nos despedimos com a promessa de um novo encontro. Pensei muito em tudo que conversamos. Yasmin é uma mulher maravilhosa e cativante. Dormi pensando nela, lembrando-me daquele olhar fascinante e sedutor; louca para sentir novamente aquele aroma delicioso que somente ela tem e só de estar na companhia dela eu já me sentia muito bem e ainda mais feliz.

 

 

 

Fim do capítulo