Capítulo 13
"E num ônibus entrou no Planalto central
Ele ficou bestificado com a cidade
Saindo da rodoviária viu as luzes de natal
Meu Deus mas que cidade linda!
No Ano Novo eu começo a trabalhar"
(Legião Urbana)
Cheguei em Brasília no início da noite, era a última quinta-feira do mês de agosto. Raquel já me esperava na rodoviária com um sorriso. Eu carregava apenas uma mochila com o que tinha de mais importante: documentos, meia dúzia de peças de roupa e alguns livros para quando ficasse entediada.
Passamos pela Esplanada dos Ministérios e as luzes me deixaram encantada pela cidade. Não via muitas pessoas na rua, mas em compensação havia muitas arvores, praças e um céu que me hipnotizava. Parecia que poderia alcançar as estrelas se esticasse meus braços.
Chegamos ao seu apartamento e, na verdade, era uma sala comercial. Havia apenas uma sala e um banheiro. Uma pia adaptada ao lado da porta de entrada com um frigobar encaixado do lado esquerdo transformava o espaço em uma kitinete improvisada.
Dividiríamos uma colchão de casal no chão e o resto do espaço era composto por uma estante de livros e uma escrivaninha com um computador e uma impressora. Era meu novo lar.
Raquel era uma mulher mais velha, tinha 10 ou 12 anos a mais do que eu. Tinha os cabelos castanho cacheados em pequenas espirais, em torno de seu rosto redondo e bochechas proeminentes. Não era o tipo de mulher que me atraía, o que tornava dividir a cama uma questão super segura.
Apesar do marido, ela ainda estava enrolada com a Manu que já tentava conseguir um fim de semana para ficar com ela.
Na mesma noite, ela me chamou pra sair e conhecer um bar que ela tinha adorado. Fusão era o nome do lugar. Era um bar para meninas e só tinha mais uma ou duas mesas ocupadas quando chegamos. O bar era dirigido por um casal de mulheres, Jaqueline e Luna. Jaqueline parecia mais séria, tinha o cabelo liso, claro, na altura do queixo. Usava óculos e tinha um rosto quadrado. Era bonita, mas uma beleza diferente, um charme. Luna era plasticamente linda. Também tinha o cabelo curto, mas era castanho escuro, assim como seus olhos. A franja caía em seu rosto e com um movimento delicado tirava-a de seus olhos. Tinha um sorriso rasgado e iluminava o ambiente.
Quando me levantei para ir ao banheiro, encontrei com ela perto do balcão do bar:
- Oi! - eu disse - Adorei o bar.
- Que bom! Você não é daqui, né? - respondeu com um sorriso.
- Não. - o sotaque me entregava - Acabei de chegar na cidade. Aliás, se precisar de alguém pra trabalhar, vou precisar.
- Ai, que ótimo! - exclamou - Quer mesmo? A gente tá precisando...
Abri um sorriso.
- Claro!
- Me passa seu telefone que eu te ligo. - ela concluiu.
Passei meu número e a noite transcorreu sem grandes acontecimentos.
Na primeira semana, já me matriculei na escola que havia ali perto e assim poderia terminar as matérias que faltavam. Raquel fazia faculdade em frente a escola e eu voltava pra casa com ela.
Exatamente duas semanas após a minha chegada, Luna me ligou. Concordei em começar naquele mesmo dia.
Duas horas após a ligação eu estava no Fusão para descobrir qual seria meu trabalho. Só tinha trabalhado em uma papelaria quando estava com 16 anos e ajudado minha mãe na escolinha com crianças do maternal. Não tinha experiencia em nada, mas estava com muita vontade de aprender.
Assim que cheguei, encontrei Luna e Jaqueline que me apresentaram à Tati. Ela trabalhava no bar e era amiga antiga do casal. Tinha uma namorada que era DJ e que, às vezes, também ajudava no bar.
O trabalho era simples: eu só precisava decorar o que tinha no cardápio e servir os clientes. Ajudei a arrumar as mesas, limpar o chão, preparar o bar, arrumar as caixas de som e esperar o movimento começar.
Logo começaram a chegar os primeiros clientes e, aos poucos, fui pegando o jeito. Todas paravam o pedido para perguntar de onde eu era. Minha mistura de sotaque paulista com o de Curitiba entregavam rapidamente que eu não era dali. Em compensação, eu me divertia com o sotaque deles, uma mistura de baiano com mineiro. Adorava ouvi-los falar.
Aos poucos fui ficando conhecida e já me chamavam pelo nome. Já sabia o preço da cerveja e QUASE sempre acertava quem havia feito o pedido.
As donas do bar eram fantásticas e nos tornamos amigas rapidamente. Jaque era super engraçada, mas muito ciumenta. Depois de um mês, fizemos uma festa a fantasia e nos tornamos uma família. A fantasia de família Flintstones (eu era o Bam-Bam) se tornou real e acabei sendo adotada por elas. Luna era uma mãezona, apesar da pouca diferença de idade, já tinha um filho de 3 anos e era super carinhosa. Não precisou de muito tempo e já me sentia em casa. Trabalhava de quinta a domingo e nos outros dias ia pra escola à noite. Gastava o que recebia com comida e o resto quando saía com o pessoal do bar.
Depois de de 2 meses na cidade, Raquel precisou voltar para Curitiba para fazer uns exames de saúde. Fiquei sozinha no apartamento. Eu já conhecia bastante gente por causa do bar e adorava a cidade. Nas sextas e sábados, começava a trabalhar as 4 da tarde e terminava só depois das 4 da madrugada. Era muita mulher em um mesmo ambiente. Todas elas se conheciam de uma forma ou de outra. Namoradas, ex-namoradas, rivais. Era um verdadeiro "L Word". Drama lésbico para todos os lados e eu ali, feliz. Me sentia parte do mundo. Não era mais aquela menina perdida, acreditando ser a única no mundo com desejos "desviantes". Me sentia normal, aceita e realizada.
Fim do capítulo
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