Muita coisa se passou desde que, com muitas lágrimas nos olhos, respondi o e-mail de Bárbara. E-mail esse que nunca obtive uma resposta, uma frase se quer.

Mas cá entre nós, no fundo no fundo ela tinha os motivos dela pra não me responder. Primeiro, era um direito dela, mesmo porque eu não tinha nada a oferecer naquele momento, eu estava toda ferrada com os meus problemas conjugais. Segundo, porque ela ficou totalmente sem referencial após a perda da mãe, tinha mais com o que se preocupar. E terceiro, como ela mesmo sempre gostou de falar, ela nunca foi uma mulher de vínculos.

Esse lance de vínculos sempre foi nosso ponto principal de conflito. Eu vivia dizendo a ela o quanto era bacana ter alguém pra cuidar e se deixar cuidar, o quanto era bom fazer amor e não simplesmente sex*, mesmo com toda a complexidade e dedicação que a vida a dois exige. E ela sempre naquela onda do "pega mas não se apega", afirmando que sendo livre e leve ela sempre teria só o lado livre e leve das pessoas.

Talvez por isso o e-mail dela cheio de revelações tenha me despertado tanto interesse. Como que do nada a mulher "sou de todo mundo e não sou de ninguém" simplesmente diz que me ama, que a gente poderia dar certo junto, mas que estava indo embora? Eu queria saber muito mais sobre aquele sentimento todo novo pra ela, em relação a mim.  Mas a maluca sumiu no mundo, feliz ou infelizmente, acho que nunca vou saber. Será que ainda está nessa vida de baladas e curtição? Na época eu cheguei a imaginar, viajar nos pensamentos, que ela seria uma esposa magnífica.

Sabe, vou contar um segredo, aquele ano que passamos mais "próximas" foi um dos melhores da minha vida. Mesmo com a crise no meu casamento, era como se com a companhia da Bah eu vivesse num mundo a parte, eu viajava nas histórias dela e também nunca tive uma ouvinte tão especial. Eu me tornei uma nova mulher depois que ela cruzou o meu caminho e isso ficou tatuado em mim. Independente de onde Barbara estivesse, eu a levarei no meu coração, de certa forma pra sempre ela estará viva em mim. Como um dos encontros mais lindos, encontro de almas, sabe?

E o que eu fiz nesses 6 anos? Mergulhei no trabalho, criei meu irmão com todo amor do mundo e a um ano estou tentando administrar minha separação. Sim, passei mais 5 anos tentando salvar meu casamento. Mas ele teve seu fim quando flagrei Andressa num jantar romântico com uma amiga da academia, exatamente no restaurante em que eu a pedi em casamento.

Sofri um bocado. Não pela traição em si, afinal acredito que existem outras ações relacionadas a falta de respeito tão ruins quanto uma traição ou até piores. O sofrimento maior foi ver uma relação de 25 anos terminar.

Tem sido uma fase difícil. Todas as minhas referências estavam ligadas a Andressa, desde as coisas mais simples como as senhas do banco e do e-mail (as senhas eram relacionadas a datas importantes para nós), até as mais complexas como a tatuagem que ambas tínhamos na costela em sinal da nossa união.

É, eu realmente acreditei que fosse pra sempre e eu sinto que por muito tempo Andressa também acreditou e viveu isso ao meu lado. E, de verdade, não a culpo pelo término. Não existe vilão e mocinho quando o assunto é relação a dois.

Gente, eu estive com ela dos 15 aos meus 40 anos. Nós vivemos tanta coisa boa, tivemos tantas conquistas, passamos por tantas dificuldades. Acho absurdo alguém falar que uma relação assim deu errado. Deu foi muito certo, mas teve um fim e todo fim é triste. Ainda mais pra uma romântica incurável como eu.

Ainda não consigo conversar direito com a Andressa, eu preciso de um tempo e de um espaço pra me refazer, me reconhecer, saber como é a vida sem ela. Já adianto que não é fácil, mas acho que estou me virando bem. Ela continua com a tal moça da academia, espero que esteja feliz, ela também sempre terá um lugar muito importante no meu coração. Fez parte da minha história e devo muito do que sou a ela. Volta e meia ela surta e me manda mensagem como se ainda fossemos um casal, mesmo tratamento, mesmos convites, pergunta do Juninho. Eu ignoro, como disse, não estou pronta ainda.                       

Eu estou bem sozinha. Mentira! As vezes sinto falta de ter alguém, mas me bate uma certa preguiça de começar tudo de novo com outra pessoa. Fora que tá tão difícil achar alguém bacana, né? Então, desde o meu término eu não tenho me arriscado muito.

O jeito foi preencher o tempo e a cabeça, daí decidi mergulhar de vez na criação do Juninho, no trabalho e num monte de coisas que eu sempre quis fazer e evitava pra não bater de frente com a Andressa. Hoje faço dança e carpintaria, no fim do ano começo o curso de fotografia e o Ju já está me ensinando umas notas no violão. Ele tem só 12 anos, mas já tá tão esperto, ele é sensível, prestativo, um baita companheiro. Tem horas que é ele quem cuida de mim. Ah, ele continua me chamando de mãe e eu me nego a corrigi-lo.

Quinta-feira eu me enrolei inteira, foi aquele dia que a gente nem deveria ter saído da cama, sabe? Tinha reunião na escola do Ju, roubaram meu carro com uma arma apontada para minha cabeça, dentro dele estava o note do trabalho com a minha vida profissional toda lá, mais o celular e os documentos dentro da bolsa. Um prejuízo imenso e uma baita dor de cabeça. Foi horrível! Mas não podia me dar o luxo de tirar o dia de folga. Afinal eu era a presidente da empresa agora. Então depois de ir fazer o B.O., cheguei na empresa 3 horas mais tarde que o previsto.

O dia foi uma loucura. Minha enxaqueca quase arrebentando a minha cabeça e eu ainda tinha quase uma dezena de reuniões com fornecedores novos. Ah e pra fechar o dia uma reunião de boas-vindas com uma grande acionista da empresa que estava voltando da Europa. Odeio ter que "babar ovo" de acionista. Em sua maioria eles nem se interessam pelo o dia-a-dia da empresa e só ficam cobrando resultado. Era só o que eu precisava pra acabar com o meu dia nada feliz!

Pelo meu atraso achei até que ela já tivesse ido embora, confesso que não ia achar ruim, eu só queria um remédio e a minha cama. Cheguei na empresa e fui informada que ela ainda estava a minha espera, como estava sem meu notebook pedi para que a encaminhassem para a minha sala. Alguns minutos depois lá estava ela adentrando a sala, com passadas firmes e seguras. Eu a cumprimentei ainda olhando para o computador da empresa, queria mostrar os últimos rendimentos, mas estava apanhando feio daquele aparelho antigo já que o meu um bandido safado havia levado pela manhã.

Assim que ela me respondeu um arrepio me percorreu a espinha e levei meus olhos para o encontro dos dela do jeito mais lento que pude. Era ela mesma, eu jamais confundiria aquela voz que me embalou por tantas madrugadas, mesmo que a distância. Ela estava diferente, mais magra, uma certa tristeza no olhar, parecia cansada e visivelmente constrangida ao se ver frente a frente comigo novamente.

Evitei pensar nela nos últimos anos. Esperei por meses a resposta daquele e-mail e quando conclui que ela não viria concentrei em não guardar nenhum sentimento ruim por alguém que só me fez bem. Pelo tempo em que ela esteve distante, até que deu certo. Mas agora que ela estava ali na minha frente não tinha como não renascer uma pontada de decepção.

Por achar que me amava ela fugiu e terminou com tudo que tínhamos, inclusive com o mais precioso, que era a nossa amizade. Ela decidiu sozinha por algo que era nosso. Que nós havíamos construído. Egoísmo demais da parte dela. Eu não sabia bem como agir, minha cabeça só fazia girar. Será que aquele encontro tinha sido proposital? Será que ela estava me testando? Decidi recuar e observar até saber exatamente o que aquela mulher que me fez sorrir e chorar com a mesma facilidade, pretendia.

– Boa tarde, desculpe tê-la feito esperar tanto. Prazer, sou Clarice Munhoz – estendi a mão para cumprimentá-la olhando em seus olhos com um certo desdém.

Fim do capítulo