Capítulo 4
"Respiro aqui como a primeira vez
Me aqueço assim, disfarçando
Explosão depois..."
(Milton Guedes)
Passei o Natal em casa com meus pais, sem muita empolgação, e esperei ansiosa para ir para a praia. A gente ia passar o réveillon em Camboriú e depois iríamos para um hotel em Itapema. Quando soube que teríamos piscina no hotel, já sabia que não iria mais querer sair de lá. Tinha um pouco de vergonha do meu corpo e não gostava de ficar de bíquini na frente de um monte de gente. Ia pra piscina durante o dia, mas era quando anoitecia que me sentia à vontade. Podia ficar até as 10 horas da noite sem ninguém olhar pra mim. Em uma manhã de janeiro, quando subi para o último andar do prédio, onde ficava a piscina, dei de cara com uma menina linda sentada à beira da piscina, sozinha. Ela era esguia, com os cabelos loiros caindo sobre os ombros e olhos verdes que pareciam sorrir junto com seus lábios. Senti o tempo desacelerar naquele momento. Devo ter ficado apenas uma fração de segundos observando-a e logo meus pensamentos foram interrompidos pelo grito da Bia:
- Bruna! - e correu na direção dela.
Quem era ela? Como a Bia a conhecia? Qual era a probabilidade de encontrar um conhecido no mesmo hotel da praia? Eu não conseguia parar de olhar pra ela e mal consegui dar oi quando a Bia nos apresentou.
Bruna era uma amiga de infância da Bia. Seus pais eram amigos e sempre marcavam de se encontrar na praia. Ela tinha 15 anos e era a menina mais linda que já tinha visto em toda a minha vida. Queria ficar ali, parada, olhando pra ela e, então, me dei conta que aquilo que estava sentindo era o que chamavam de "paixão à primeira vista". Baixei a cabeça, tentei disfarçar a minha confusão e entrei na piscina com ela. A Bia fazia todo papel de distraí-la para que não percebesse a minha cara de boba, enquanto eu sorria e acenava com a cabeça como se prestasse atenção no que elas conversavam.
Na hora do almoço, não consegui segurar minha emoção e falei para Bia o quanto havia gostado de sua amiga e não conseguia falar sobre outra coisa, a não ser "Bruna". A Bia não gostou, é claro e brigamos naquela tarde. No dia seguinte, ainda brava comigo, a Bia não quis ir no trekking programado pelo guia do hotel e fui sozinha com a Bruna. Era minha chance de conhecê-la melhor. Passei o resto da viagem pensando nela e arrumando desculpas para tê-la por perto. Ia pra piscina, jogava sinuca, pebolim, aprendi a jogar baralho. Óbvio que ignorei, mais uma vez o que a Bia estava sentindo, e fiquei curtindo minha primeira grande paixão nos dias que se passaram. A Bia logo arrumou um menino que trabalhava no hotel para passar o tempo e eu fiquei perdida em meus devaneios.
Voltei da praia completamente apaixonada e não queria saber mais nada.
Mas é claro que voltar para casa foi um tapa, afinal, tive que sair do meu paraíso em Itapema e encarar a realidade.
"Eu estava apaixonada por uma mulher!"
O que isso significava? Não era só uma fase, como a Cá havia me dito alguns meses antes? Isso significava que eu era lés... Não! Eu não podia usar essa palavra. Era nojento pensar nela. Lembrava da minha avó dizendo "lésbica" com tanto nojo que não podia existir outro adjetivo que pudesse descrever o que as pessoas sentiam ao saber que alguém era assim.
Ninguém falava sobre essas pessoas e eu não tinha coragem de perguntar. Não conhecia ninguém que tivesse esse mesmo problema e precisava fugir de tudo isso. Com tanta gente no mundo, porque justo eu tinha que ser assim. Não podia ser! Resolvi que seria diferente.
Passei o resto das férias tentando me convencer que aquilo não era verdade, embora não conseguisse tirar a Bruna da minha cabeça. Durante o tempo que estive fora, a Carla não tinha viajado e tinha começado a ir para Igreja com sua família. Quando nos encontramos de novo, eu queria só deitar em seus braços e fazer tudo aquilo passar. Mas agora ela era de Deus e não podia mais ficar perto de mim. Tinha se arrependido de todos os pecados, inclusive os que cometeu comigo, e resolveu levar uma vida digna de uma filha de Deus. A Bia ainda não estava muito feliz comigo por ter me apaixonado por sua melhor amiga e, assim, fiquei sozinha até as aulas começarem. À essa altura já não conseguia nem me encarar no espelho. Estava com nojo pelo quê havia me transformado. Eu fiz 15 anos naquele mês de janeiro e foi o ano mais difícil da minha vida.
Fim do capítulo
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