Calmaria?

 

Alice abordou ontem à noite sobre um assunto que eu havia empurrado para o fundo das minhas memórias. Durante toda a minha infância, senti falta da figura que as palavras ‘avó’ e ‘avô’ representavam. Perguntei-me durante anos o motivo de jamais ter tido a oportunidade de tê-los próximos, mas meus questionamentos jamais se exteriorizaram. Minha mãe me disse que eles a mandaram embora e eu apenas aceitei aquele pequeno diálogo.

“Talvez fosse melhor assim”. Era o que dizia a mim mesma.

- Aly... Acorda. – Alice dormia tão serena que estava sendo uma pena acorda-la. – Amor, levanta...

- Preguiça... – ela resmungou e eu sorri, passando meus dedos pelos fios negros.

- Vou fazer o café da manhã e te espero na cozinha. – beijei seus lábios.

- Uhrum... – foi o som que saiu de sua boca.

Beijei demoradamente a sua testa, entrei no banheiro e tomei um banho rápido. Passei no quarto de Camila e a pequena ainda dormia. Estava terminando de fazer o café, quando a campainha tocou. Peguei um guardanapo na gaveta e fui atender a porta.

- Bom dia... – Cacau estava parada na porta. Segurava uma sacola.

- Bom dia... Entra! Acabei de terminar o café. Pontual! – comentei e fechei a porta. – Vem...

Entramos na cozinha e Cacau sentou na cadeira, retirando alguns pães doces da sacola. Sorri para a garota que retribui. Passei a arrumar a mesa, enquanto esperava Alice. Logo vi uma pequena loirinha entrar na cozinha.

- Bom dia... – ela coçava os olhos.

- Bom dia Camila. Essa é a Cacau. Ela vai ficar com você na parte da manhã. – a pequena mirou Claudia de cima a baixo.

- Oi Mila... Tudo bem? – Camila parecia desconfiada.

- Oi... – a garota me olhou. – Cadê a tia Aly?

- Tô aqui loirinha... – Alice pegou a pequena no colo. Olhou para Cacau. – Bom dia... – eu conhecia aquele tom. Era o mesmo que ela usava comigo.

- Bom dia... – Cacau sorriu. Aly sentou com Camila em seu colo.

- Vamos tomar café... – beijei o rosto de Alice e tentei ignorar os olhos um tanto desconfiados dela. Pelo que parece aquelas duas me dariam trabalho.

Dentro do carro, um silêncio estranho se instalou. Alice parecia distante e eu decidi não tentar puxar algum assunto. Paramos diante da faculdade e ela finalmente me olhou. Segurei suas mãos e as trouxe para meus lábios.

- Vai ficar tudo bem? – seus olhos me analisaram. Uma de suas mãos soltou a minha e me puxou pela nuca, afundando sua boca na minha. Um beijo faminto, que aqueceu todo o meu corpo imediatamente. Tentei puxar Alice para o meu colo, mas duas batidas na janela ao meu lado nos impediram. Aly passou as mãos pelos fios e eu apenas bufei. Olhei para o lado e a amiga dela estava lá.

- Volto com a Marilia. Toma cuidado. – me deu um selinho rápido. – Terminamos mais tarde... – ela sorriu maliciosa.

- Tudo bem... Te vejo mais tarde. – Aly beijou meu rosto e saiu do carro. – Boa aula amor... – ela me encarou por alguns segundos, sorrindo.

- Obrigada amor... – entrou no carro novamente e me deu um longo selinho, me fazendo suspirar. – Bom trabalho... – estava débil.

Esperei que ela entrasse na faculdade para dar partida. Cheguei ao escritório, mas tive o desprazer de dividir o elevador com Giovane. O cara estava com um sorrisinho que me deixou arrepiada, mas não de uma forma boa. Muito longe disso. O ignorei até chegamos ao nosso andar. Entrei em minha sala e me dispus a trabalhar. Recebi uma ligação de Lorena, que estava nos Estados Unidos com Helena. Acabamos criando um laço e recebia com cada vez mais frequência aquelas ligações.

Por volta das cinco e quarenta da tarde, o telefone sobre a minha mesa toca. A recepcionista acaba de anunciar um nome que me deu embrulho no estomago. Tentei dizer que aquela pessoa não era bem-vinda, mas ela prometeu fazer escanda-lo. Permiti sua entrada com nenhuma vontade de fazê-lo.

- O que faz aqui? – massageei a têmpora.

- Eu preciso falar com você! – ela me olhou com súplica. Fiz um gesto para que ela sentasse na cadeira à frente.

- Novamente isso? – aquilo já estava cansativo.

- O que você viu naquele dia, bem... – levantei a mão, pedindo que parasse.

- Jessica, sério, me poupe. – respirei fundo. – Eu não quero saber de nada. Estou muito feliz e agradeceria se você me deixasse em paz.

- Não diga isso Nanda. Me dá uma segunda chance e eu prometo que não vou pisar na bola. – sua voz era desespero puro. Essa cena estava me deixando com pena da mulher a minha frente.

- Ser traída por você, Jessica, me trouxe algo que eu não esperava. Alice é uma mulher incrível e eu estou feliz de abrir meus olhos e poder enxergar isso. – ela levantou.

- Essa garota está te usando, Nanda. Quando enjoar da brincadeira, vai te deixar. – balancei a cabeça em negativo.

- Essa ‘garota’ foi capaz de fazer o que você jamais chegou perto. Você não tem noção... – sorri. – Vai embora... Isso já tá ficando ridículo.

- Eu não vou sair daqui até nos acertarmos! – nesse momento a porta se abriu. Alice lançou um olhar fulminante para Jessica. – Era só o que faltava.

- O que essa garota faz aqui? – Alice se colocou ao meu lado.

- Saindo, eu espero... – dei de ombros.

- Já disse que não vou sair daqui. – ela cruzou os braços.

- Garota, ainda não entendeu que a Nanda não quer nada com você? Sai daqui e não volta mais. Fernanda é minha e se ainda sonha que ela vai voltar pra você, está muito equivocada. – minha mão foi apertada. Olhei encantada para a mulher ao meu lado. – Vai por bem ou eu vou ter que chamar os seguranças?  – Jessica estava com a face vermelha.

- Você vai me pagar sua piranha... – Alice gargalhou.

- Piranha é a senhora sua vó e passe bem... – minha ex-namorada saiu pisando duro. A porta da minha sala foi fechada com brutalidade. – Garota insistente... – ri.

- Mulher bravinha... – a puxei pela cintura e mordi seu lábio inferior. – Tô te desejando muito agora... – sussurrei em seu ouvido e tive o resultado desejado.

- Estamos na sua sala... – ela me mordeu o pescoço, me deixando arrepiada. – Melhor não provocar. – sorri.

- Cadê a Camila? – me afastei um pouco para olha-la.

- No estacionamento com a Marilia e a Alex... – franzi o cenho. – Elas apareceram no seu apartamento. E falar nele...

- O que tem o meu apartamento? – ergui a sobrancelha. Aly fez uma careta. – Alice...

- Vamos jantar e depois você dá uma olhada... – sorriu. – Vem...

Peguei as minhas coisas e saímos da minha sala. Alguns funcionários que ainda estavam ali e que viram o que aconteceu na festa de Arnaldo, nos olharam e cochicharam. Alice segurou a minha mão e distribuiu olhares fulminantes.

“Quando essa mulher estiver trabalhando aqui... Vish! Tenho pena desses caras”. Ri com meu pensamento.

- Essa garotinha é muito linda... – Alex não parava de tocar em Camila.

- Ela é tão quieta... – Marilia sorriu.

- O que aconteceu em meu apartamento? – as três se olharam.

- O fiz de piscina... – olhei para Camila.

- O que? Como é essa história? – algumas pessoas no restaurante me olharam.  – O que fizeram ao meu apartamento? – falei mais baixo. Fulminei as quatro na mesa.

- Nanda, calma... Demos um jeito. – Alex sorriu torto.

- Ai meu Deus! – passei a mãos em meus cabelos. – Meu apartamento...

- Amor, a gente limpou tudo. – olhei para Camila.

- Você... – apontei para ela. – Ah...

- Deu um baita trabalho... – olhamos para Marilia. – Quer dizer... Nem tanto.

- Então, contratou uma babá? – Alex mudou de assunto.

- Sim... Somente até depois das férias de julho. – respondi, contrariada.

- Não gostei dela! – olhei para Aly.

- Eu também não... – a loirinha se manifestou.

“Tô ferrada mesmo!”.

- Por que a implicância? – Marilia perguntou e eu também queria a resposta.

- Não é implicância... – Alice me olhou. – Só não gostei dela...

- Agora fiquei curiosa para conhecer essa garota... – Alex sorriu e recebeu um olhar nada contente de Alice e Camila. Aquela pequena mostrava ter uma personalidade forte.

“Vou ficar de cabelos brancos antes do tempo”. Massageei as têmporas. “Meu apartamento...”.

Alex levou Marilia para casa. Alice, Camila e eu fomos para o meu apartamento. Estava angustiada, querendo ver o que fizeram com meu lar. Camila dormia na cadeira que Alice havia comprado, enquanto escutávamos uma música na rádio.

- Deixa que eu levo ela... – peguei a pequena no colo. – Como ela dorme...

- Ela gastou bastante energia... – Aly sorriu.

- Eu imagino... – ergui a sobrancelha. – Gastou bastante energia alagando meu apartamento. – Aly abafou a gargalhada.

Seguimos para o elevador e antes de fecha-lo, Cacau entrou, acompanhada de um rapaz. Nos cumprimentou  e retribuímos. Marcelo, o rapaz que estava com Claudia, olhou de um jeito estranho para Alice, que segurava a minha mão. Aquilo me incomodou bastante.

- Ela é uma ótima menina. – Cacau comentou.

- Não deu trabalho? – perguntei desconfiada.

- Nenhum. Se comportou muito bem... – chegamos ao nosso andar. – Até amanhã, meninas...

- Até... – saímos do elevador.

- Não gosto dela... – ri.

- Amor, para...

Entramos em meu apartamento e pude perceber que meus móveis foram trocados de lugar. Procurei por algum estragado, mas não tinha. Levei a pequena para o quarto e a coloquei na cama. Tirei seus sapatos e a cobri. Camila dormia tão tranquilamente e sorri com a fofura. Aquela pequena iria me dar trabalho e eu tinha a mais absoluta certeza disso. Talvez fosse bom, eu não sei, mas não iria reclamar.

- Vamos tomar banho? – levei a mão ao peito com o susto. Alice estava parada na porta, com os braços cruzados e com um sorriso. – Ficando encantada com a loirinha? – sorri.

- Culpada... – fui até ela. – Sobre o banho... Podemos namorar um pouco?

- Preciso mesmo responder? – me puxou pela mão.

A boca quente de Alice escorregava por todo meu colo, queimando a minha pele, enquanto seus dedos me invadiam em um vai e vem enlouquecedor. Gemidos roucos rasgavam minha garganta, enquanto o prazer me consumia. Fui calada por um beijo voraz, molhado e delicioso. Ela conhecia cada parte do meu corpo, pois me conduzia com maestria. Fui abraçada com força, enquanto me desmanchava em seus dedos. Eu queria mais e não esperei nada para isso. Devorei o sex* de Alice com toda a fome que eu tinha dessa mulher. Meus cabelos estavam presos em seus dedos, enquanto o quadril se remexia em um ritmo frenético e gostoso. Minha boca foi inundada com o prazer da minha mulher.

“Somente minha!”.

***

Sábado, 09 de abril de 2016.

Alice teve de voltar para a mansão na quarta, então não dormimos juntas durante esses dias que se seguiram. Acho que estava muito mal acostumada, pois senti uma saudade esmagadora do calor de seu corpo, das conversas antes de dormir e da companhia aos assaltos a geladeira durante a madrugada. Carmen não estava falando com Aly, a deixando um pouco cabisbaixa. Precisava conversar com aquela velha. Alice triste me deixava no chão, com uma sensação de impotência.

Essa noite eu iria pedi-la em namoro. Alexandra viria mais tarde para me ajudar com o jantar. Levantei da minha cama com muita preguiça. Tomei um banho rápido e fui ao quarto de Camila, que ainda não gostava de mim. Tentava puxar conversa, mas a loirinha não dava o menor espaço. Ela não estava no quarto e eu estranhei. Ouvi o barulho da tv na sala e encontrei a pequena assistindo desenhos. Decidi não incomoda-la e fui fazer o nosso café.

- Virou uma mãe dedicada. Muito bem!

- Merda... Alex... – a xicara caiu no chão. Olhei para a futura defunta que estava com Camila no colo. Essa garota se dava bem com todo mundo, mas mal trocava uma palavra comigo.

“Incrível!”.

- Vir buscar a pequena aqui pra passear... – sentou com Camila em seu colo. Abaixei para recolher os cacos e jogar na lixeira.

- Tia Alex vai me levar ao shopping... – tia? Sério?

- Tudo bem. Você tomou banho sozinha? – franzi o cenho.

- Mamãe me ensinou. – revirou os olhos. Resolvi me calar. Já havia levado patadas por uma vida inteira em poucos dias.

- Toma café e depois vou te arrumar para irmos... – Alex ganhou um sorriso.

“O que há de errado comigo?”.

- Comprou alguma coisa pra Alice? – sentei de frente para as duas.

- Um par de anéis e um colar...  Não resisti. Achei a cara dela... – levei a xicara a boca, escondendo o sorriso bobo.  – Vou fazer uma massa. O que acha?

- Acho uma boa... – me analisou. – Você ama essa garota, não é? – sorri. – Já disse isso a ela?

- Não... Não sei se é o momento. – Alex sorriu.

- Essa garota tá te fazendo muito bem. – olhei para a xicara.

- É muito mais que isso. Sinto que posso parar de respirar sem ela, Alex... – sorri. – Eu amo essa mulher e a quero em minha vida.

- Serei madrinha do primeiro filho. – rimos.

- Acho que terá de disputar com a Marilia. – observei a minha amiga.

- Com ela eu me entendo. – arqueei a sobrancelha.

- Alex... – a vadia gargalhou.

- Não tá rolando nada, Fernanda... – tomei o restante de meu café.

- Não disse nada. – levantei.

- Vou arrumar a Mila... – gargalhei.

- Vou limpar aqui...

Lavei a louça, limpei a mesa e deixei a cozinha para abrir a porta. Meu apartamento estava muito movimentado ultimamente. Fiquei surpresa com a pessoa a minha frente.

- Entra... – dei passagem.

- Cadê a Mila? – Cacau olhou pela sala.

- Aqui... Pronta para ir ao shopping... – Alex chegou a sala de mãos dadas com a loirinha. – Oi, sou Alex...

- Cacau... Babá da Camila... – as duas se cumprimentaram com um aperto de mão.

- Ah, sim... – Alex me olhou. Dava medo quando me olhava daquela forma. – Estamos indo e voltamos  às quatro. Compra tudo e me espera...

- Tudo bem... Cuida da pequena. – Alex sorriu.

- Cuidarei. Foi um prazer Cacau.

- Digo o mesmo... – Alex saiu com a loirinha que nem me olhou.

- Por que ela não gosta de você? – me joguei no sofá. Claudia sentou ao meu lado.

- Não faço ideia... – franzi o cenho. – Me pergunto isso diariamente.

- Ela é tua filha? Parece jovem demais pra ser mãe... – de repente eu senti um aperto no peito.

- É uma longa história. – talvez nem tanto.

- Adoraria ouvir.

Passei a narrar a forma que Camila chegou a minha vida. Cacau me encheu de perguntas sobre Alice e eu. Respondi, pois Alice era o meu assunto favorito. Falamos sobre a faculdade e descobri que Claudia cursava artes e veio de Belém. O apartamento, segundo ela, foi presente dos pais.

- Bom... – ela olhou para o celular. – Acho que já te tomei tempo demais...

- Te levo até a porta... – levantamos.

Ao abri a porta, fui puxada, para logo ser surpreendida com os lábios de Claudia. Eu não consegui ter reação alguma e somente a empurrei, quando um belo estrago estava feito. Alice estava parada na soleira, com os olhos marejados e fixos em mim. Um desespero enorme tomou conta do meu peito.

- Alice, não... – tentei me aproximar.

- Não... Você não, Fernanda... – meus olhos passaram a lagrimar. Aquilo não estava acontecendo. Não podia ser sério.

- Alice, pelo amor de Deus... – segurei suas mãos, mas fui repelida imediatamente.

- Não encosta em mim... Eu... – um tapa queimou a minha face. – Eu te odeio...

- Alice... – ela saiu correndo e eu fui atrás, sentindo meus olhos queimarem. – Alice!

- Me esquece... Nunca mais chega perto de mim... – ela parou há alguns metros. Seu olhar era puro ódio. Meu peito estava sendo massacrado. – Nunca mais...

- Alice, por favor... – minha voz saiu estrangulada. Coloquei a mão sobre o peito em uma falha tentativa de fazer parar de doer.

“Não era real... Não era...”.

Dessa vez não tive forças para correr. Vi a mulher que amo sair correndo sem olhar para trás, me deixando em pedaços. Sentei no chão, sentindo as lágrimas quentes em meu rosto. Aquilo não podia estar acontecendo, simplesmente não podia. Levantei, disposta a ir a mansão e fazer Alice me ouvir.

- Fernanda... – Cacau tentou me parar.

- Não chega perto de mim, garota... – a minha respiração estava forte. – Fica longe da Camila e da minha casa...

 

Entrei, a procura das minhas chaves. Troquei de roupa rapidamente, saindo logo em seguida. 

Fim do capítulo