Depois de parcialmente recomposta daquele estranho momento pelo qual passei, sai da cabine ainda meio desacreditada. Jamais havia trocado os nomes em outra ocasião. E o que me deixava intrigada era por que havia chamado por Camila. Ainda se fosse Amanda seria mais compreensível, pois tivemos um relacionamento longo e prazeroso.

Comecei a matutar e percebi que devia mesmo estar sentindo algo por Camila, pois muitas noites sonhava com ela. Não eram sonhos carnais, mas adorava estar em sua companhia e tocá-la sempre que possível. Como sou meio distraída mesmo, não havia percebido antes esse meu encantamento, mas pensando racionalmente agora, vi claramente que havia me apaixonado por ela. Marcela era mais uma situação mal resolvida da adolescência e não algo para um romance nesse momento. Jamais me perdoaria se embarcasse nessa furada de ser cobaia de alguém, que provavelmente nunca mais ficaria com uma mulher. Mas será que Camila também não agiria da mesma forma se acontecesse alguma coisa entre nós?

Minha cabeça estava dando voltas e mais voltas, tentando decidir o que fazer realmente a partir de então. Pude perceber que tive muitas chances de ter tentado algo com minha melhor amiga ao longo dos anos, mas sempre fui covarde demais para isso. Sempre com medo de tomar um fora e pensando que não gostaria de estragar nosso relacionamento. Mas Camila e eu ainda não éramos tão ligadas pelo sentimento de amizade, se comparado comigo e Marcela.

Assim, decidi naquele momento que faria diferente dessa vez, não deixaria que acontecesse o mesmo que no passado e lutaria para conquistá-la, pois se a Marcela, que a meu ver, era a pessoa mais hétero do mundo, estava tendo aquele momento de extrema loucura e interessada mesmo que momentaneamente em mulheres, eu definitivamente não poderia ficar parada de braços cruzados. Tentaria convertei Camila para o outro lado da força e começaria essa noite ainda.

Iria com tudo pra tentar mudar essa minha condição de amiga, que definitivamente não me agradava nadinha. Tentaria algo mais com a Camila naquela noite e, caso desse errado, culparia a bebida no fim das contas. Plano perfeito! Decidida, sai do banheiro disposta a lutar pela primeira hétero na minha vida. É verdade, jamais havia me envolvido com uma mulher dessa condição, pois não gosto mesmo de ficar com garotas indecisas e que ficarão me sufocando junto no seu armário apertado.

A meu ver isso se deve mais a preguiça mesmo que a um preconceito da minha parte, pois é muito mais trabalhoso conquistar alguém que nem ao menos considerou racionalmente se envolver com mulheres, e sempre pensei que é muito mais prático estar com uma pessoa que sabe o que quer e não se importa com a opinião alheia. Mas dessa vez faria diferente. Estava mesmo decidida e sei que quando isso ocorre, não costumo esmorecer antes de tentar de todas as formas possíveis alcançar o que quero.

Porém toda essa minha resolução teria que ser adiada, pois quando passei pelo meio da pista de dança, tentando alcançar a mesa em que estávamos antes da minha ida ao bar e ao banheiro, vi Marcela com uma morena. E não era qualquer mulher não, era simplesmente a garota mais odiosa do mundo na minha visão, a ex-namorada da Amanda. Ela também me odiava de morte, porque minha ex a traiu comigo quando ainda namoravam. Eu não sabia, pô! Não esperam nem eu molhar o bico e já ficam me julgando. Que coisa!

Senti o sangue ferver por dentro ao ver Marcela e Adriana, esse era seu nome, dançando coladinhas de maneira muitíssimo sensual. As pessoas a sua volta estavam literalmente babando, afinal eram mesmo duas mulheres espetaculares. Sem pensar duas vezes parti pra cima delas, empurrando violentamente a garota de cabelos castanhos escuros com mechas claras, que como não esperava, caiu vergonhosamente em cima de outras pessoas que estavam dançando ao redor.

Me senti como se tivesse feito um strike, pois pareceu mesmo quase um boliche humano de tantas pessoas que caíram em cima umas das outras. Não consegui mesmo me segurar, tive que gargalhar daquele pensamento mórbido. Senti-me também vingada por todos os micos que já paguei na vida.

Mas, dessa vez não só me pareceu que tinha me metido numa enrascada, tive total certeza quando olhei em volta e vi muitas pessoas desconhecidas além de Adriana, lógico, me olhando ferozmente. Consegui visualizar em alguns rostos as imagens de Hitler, Mussolini, Franco e Stalin e definitivamente me desesperei completamente. Essas pessoas todas fariam picadinho de Sophia e se lambuzariam com meus destroços.

Uma garota bofinho veio pra cima de mim e tentou me acertar, mas fui mais rápida dessa vez e dei um soco na boca do seu estômago que a fez arquear imediatamente, me fazendo ganhar tempo. Mas, de repente outras pessoas que também fizeram parte do montinho começaram a vir em minha direção e quando pensei que não poderia nem mesmo me despedir dos meus amigos e nem ao menos realizar um último desejo antes de partir dessa vida, eis que aparece minha mulher maravilha para me salvar do provável massacre.

Era Camila, que apareceu providencialmente e, com seu jeito normalmente calmo e tranqüilo e sua melhor cara de gato de botas persuasivo, conseguiu amenizar a situação e fazê-los perceber que não tive a intenção e que seria uma luta muito injusta e desigual. Respirando mais aliviada por ter me safado dessa terrível encrenca, só acordei quando me senti sendo puxada para fora da boate.

Retomei a consciência quando olhei pra trás e vi Adriana com um risinho vitorioso nos lábios, que me fez rapidamente me desvencilhar de Camila e voltar pra lá para tirar Marcela daquela enrascada. A tal garota não tinha coração e escrúpulos e certamente estava fazendo isso unicamente para se vingar de mim, pois ela sabia que a loira era minha melhor amiga.

Precisava alertar Marcela dos perigos em que ela se encontrava, por isso a puxei em uma canto para uma conversa esclarecedora.

-- Marcela, desculpe o mau jeito, mas é que essa doida que você estava dançando me odeia. Você não pode ficar com ela. Ela está fazendo isso por despeito, por eu ter roubado a namorada dela a séculos atrás e agora deve estar tentando se vingar de mim. Ela sabe muito bem que somos amigas de longa data e quer...

Marcela, meio alta por causa da bebida me interrompeu drasticamente:

-- Soph, suas intenções me parecem boas, mas da minha vida cuido eu. Se quiser ficar com ela é meu e somente meu problema, você não tem nada a ver com isso. – disparou impiedosamente, parecendo brava comigo. Por que ela estava irritada daquele jeito?

Aquelas palavras atingiram em cheio meu coração, foi como se um objeto mortal tivesse invadido meu peito naquele instante. Decepcionada com Marcela e resignada com a situação apenas disse melancolicamente:

-- Bom, você tem razão, a vida é sua mesmo e deve fazer o que desejar, mas só avisei para o seu próprio bem, se não quer acreditar na sua melhor amiga, estou lavando minhas mãos.

Sai sem me despedir e sem dar tempo para Marcela falar absolutamente nada, não queria me magoar ainda mais com palavras duras. Encontrei Camila na porta da boate e como ela sabia que estava sem condução, se prontificou a me dar uma carona pra casa. Aceitei, pois não queria mesmo pegar taxi naquela hora.

Já instaladas em seu carro, tive a comprovação de que aquela não havia sido mesmo uma boa noite quando Camila sem nenhum aviso, disparou:

-- Estou decepcionada com você Sophia! – arregalei os olhos surpresa com tal declaração, e ela continuou – porque mesmo com suas naturais desgraças, você sempre me pareceu o tipo equilibrada e só essa noite brigou mais vezes que o Van Dame naqueles filmes de luta. 

Embora fosse meio cômica sua declaração, o semblante sério dela me impediu de fazer alguma piadinha ou proferir qualquer palavra. Ela ligou o carro, o som e partiu. Parecia não querer manter uma conversa. Até tentei começar algum assunto diversas vezes, mas minha garganta estava estranhamente amarga e como não sabia o que dizer, fomos o restante do caminho em silêncio.

Iria descer direto, devido o ambiente pouco amigável, mas não queria que se formasse um empecilho tão grande entre nós, justamente naquele momento em que sabia estar apaixonada por ela. Então, antes de descer do carro fiz minha melhor cara de gato de botas arrependido, dizendo:

-- Obrigada pela sua ajuda mais cedo. Sem você teria virado comida de tubarão.

Tentei fazer uma gracinha para descontrair o ambiente meio pesado e parece que deu certo, pois Camila soltou um daqueles risinhos de canto de boca encantadores. Percebendo o clima mais aberto, resolvi tentar me explicar:

-- Olha! Não sou tão briguenta assim. Aquela mulher iria te obrigar a beijá-la a força, por isso parti pra cima dela, não acho isso certo. E, da outra vez, foi porque a garota que estava com a Marcela me odeia e certamente queria se vingar a usando contra mim e não podia deixar isso acontecer com minha melhor amiga. Então... Me desculpa?

Ela pareceu ponderar minhas razões e pensando por uns instantes, me disse:

-- Embora odeie brigas e confusões, acho que você tem mesmo certa razão, portanto te desculpo sim, mesmo parecendo sem sentido essa minha atitude, pois você realmente me salvou daquela descarada.

Rimos momentaneamente, concordando, pois a mulher era mesmo muito cara de pau e impulsionada por uma força meio estranha me vi a convidando para entrar em meu apartamento aquela hora da madrugada. Camila ficou pensativa e quando já estava certa de sua recusa, ela surpreendentemente aceitou meu convite, dizendo que precisava mesmo usar o banheiro, pois não tem coragem de usar em locais públicos.

Fui invadida por um sentimento de felicidade súbita, afinal era a minha melhor chance de tentar algo mais que amizade com a garota e decidi que definitivamente iria fazer o meu melhor para conseguir conquistá-la.

Fim do capítulo