Na mansão, Daniela não conseguia concentrar em seus afazeres. Chegou cedo, aliás, mal dormiu a noite. Levou algumas roupas que foram escolhidas a dedo e algumas coisas pessoais como escova de dente, sabonete íntimo, escova de cabelo, etc.

 

Juliana saiu cedo, apressada e atrasada para suas aulas de segunda. Ficaria o dia todo fora e nem almoçaria em casa. Mário acordou às cinco da manhã para pegar o avião para Curitiba e a esposa o levou até o aeroporto. Passou o dia toda ansiosa e um pouco sem paciência com os alunos. Havia um grupinho de adolescentes praticando bullying com uma garota negra, o que a deixou muito irritada, colocando a maioria deles para fora. Isso rendeu uma pequena reunião com o diretor no final do expediente.

 

Daniela havia preparado o prato mais especial que pôde fazer com os ingredientes que encontrou na casa. Queria que Juliana tivesse certeza de seus dons culinários, mas principalmente, que ela apreciasse um ótimo jantar como não fazia há alguns dias. De algum modo estranho, Dani se preocupava com o bem estar de Juliana mais do que o “normal”.

 

Ao chegar em casa, ainda no carro, Juliana olhou-se no espelho e prendeu alguns fios de cabelos que se soltaram do coque feito ainda pela manhã. Queria estar apresentável e não tão acabada. Sabia que Daniela estaria em casa e provavelmente a esperando. Passou pela sua cabeça o fato dela ter aceitado o convite apenas por educação ou por medo de perder o emprego se falasse não. Mas não fazia muito sentido, já que sentia sinceridade em cada palavra que saia daqueles belos lábios.  

 

Ju colocou seu material na mesinha de centro da sala e sentou-se na beirada do sofá para retirar o scarpin que estava moendo seus dedos.

 

Daniela a ouviu chegar e sorriu automaticamente. Não fazia ideia do horário que Juliana chegaria, então deixou a comida pronta desde as cinco da tarde. Costumava ser perfeccionista com as comidas que preparava, mas na vida tentava relaxar um pouco.

 

Ouviu os passos da patroa se aproximando e abaixou o fogo das panelas.

 

- Boa noite!

 

Juliana falou sorrindo e se debruçou sobre o balcãoque se alongava por boa parte da cozinha, no estilo americano.

 

- Lá da sala eu já fiquei sabendo que tem algo gostoso de janta...

 

Seus cabelos ruivos presos deixavam seu rosto mais fino e cordial. Daniela parecia se prender àquele sorriso e esquecia o que ia dizer em seguida.

 

- O cheiro está tão bom assim??? – Dani mexia em uma das panelas

 

- Nossa, demais! – respondeu sorrindo

 

Ju apoiou o corpo nos cotovelos e a cabeça nas mãos.

 

- Você já tomou banho?

 

- Eu? – Dani virou-se para a patroa

 

- É, você. – a encarou

 

Ju achava muito fofo o jeito calmo de Daniela. Era como se nada no mundo a preocupasse.

 

- Na verdade estou morrendo de preguiça. – falou enquanto levantava-se do balcão - Vou pegar uma toalha pra você, ta bom? – caminhou para fora da cozinha

 

Ju desceu as escadas com uma toalha grande, branca e bordada com fios dourados.

 

Daniela caminhou até ela.

 

- Vou tomar banho rapidinho tá? Não demoro. Pode tomar banho lá em cima também! Se quiser entra no banheiro comigo, a gente fica conversando!

 

- Não precisa, eu tomo aqui embaixo mesmo.

 

Alguma coisa fez com que ela sentisse os pelos do seu braço se arrepiarem.

 

- Por que? Claro que não. Você é minha convidada VIP!

 

Riram juntas e foram tomar banho, mas Daniela esperou no quarto enquanto a patroa terminava.  Ju, como o prometido, não demorou. Lavou o cabelo e desceu com ele molhado mesmo. Daniela achou incrível um chuveiro ter quatro torneiras. Também foi rápida.

 

Jantaram juntas na mesa principal da casa, na sala de jantar. Juliana contou como tinha sido difícil seu dia com os alunos e que ainda tomou bronca do diretor por não

aguenta-los dentro de sua sala. Dani comentou como era complicado o ensino nos dias atuais e afirmou que era uma boa aluna, apesar de odiar exatas.

 

 Descobriram muitas coisas em comum, assim como algumas diferenças: Ju adorava filmes românticos que misturavam ação e aventura, já Daniela preferia um terrorzinho de vez em quando; mas adoravam de paixão o mesmo gênero musical e também tinham, as duas,  paixão pela leitura.

 

A propósito, o assunto chegou na estória que Juliana escrevia e que havia emprestado para Daniela, a qual havia trazido de volta depois de terminar de ler.

 

Daniela vestia uma calça jeans preta, sapatinho fechado e uma camisa branca com botões pretos. Seu cabelo estava solto com a franja presa para trás em uma “piranha”. Já Juliana colocou uma camiseta larga e uma calça de moletom de cor escura e deixou seus cabelos soltos para secar naturalmente.

 

- E o que você achou?

Juliana estava acanhada, com medo da opinião alheia. Nunca deixava ninguém ler seus devaneios. Suas mãos emaranhavam-se em alguns fios ruivos agora já secos.

 

 

- O que você acha?

 

Respondeu com um sorriso sedutor nos lábios.

 

- Não sei... Você é toda... – olhou para cima - ...misteriosa.

 

Daniela soltou uma risada longa.

 

- Misteriosa? Eu? – parou de rir – Bom... eu amei cada palavra escrita. Você sabe encaixar bem as os personagens com a história. E nossa, que história... – suspirou

 

Juliana acompanhava perplexa a opinião da outra, como se não esperasse de maneira alguma que alguém realmente gostasse do que escrevia.

 

Percebendo o silêncio, Dani continuou...

 

- Você precisa terminar! Eu tenho que saber com quem a Adele fica!

 

Agora foi a vez de Juliana rir, após sair do transe.

 

- Com quem você acha que ela deveria ficar?

 

Dani precisou pensar um pouco antes de responder. Relembrou alguns capítulos, alguns acontecimentos importantes...

 

- Eu não sei. – respondeu pensativa – Ela não parece se apegar às pessoas que conhece, mesmo tendo algo tão...profundo com elas.

 

Juliana arqueou as sobrancelhas.

 

- Por profundo você quer dizer...sex*?

 

Daniela corou as bochechas involuntariamente.

 

- É. Foi profundo, não foi? – gesticulou

 

- Foi tudo muito novo pra ela. Ela nunca imaginou que poderia estar no meio de outro casal...

 

Juliana falava enquanto mantinha seus olhos focados em Daniela, que ouvia atentamente.

 

- E foi extremamente bom e libertador. Tanto que quando ela chega em Madri, ela se envolve com duas mulheres ao mesmo tempo...

 

Depois de um silêncio cheio de reflexão, Daniela o quebrou.

- Ju, posso perguntar uma coisa?

 

A outra fez que sim com um gesto.

 

- De onde você tira tanta inspiração?

 

- Não sei... – sorriu envergonhada – Acho que sempre quis viver aventuras...

 

- Mas você me disse que sempre viaja com suas amigas.

 

- Mas é diferente, Dani.

 

Ju estava séria.

 

- Eu sou casada, não posso sair por aí me divertindo...

 

- Porque vocês não se divertem juntos?

 

Juliana ficou surpresa com a pergunta e por instantes chegou a pensar que ela estava se referindo a algo sexual, mas resolveu perguntar pra ter certeza.

 

- Em que sentido?

 

Daniela demorou um pouco para encontrar as palavras certas.

 

- Ah... – respirou – Tem casais que... – ficou sem graça – Arrumam uma acompanhante.

 

 Seus olhos passearam por toda sala antes de encontrar o tímido olhar da patroa.

 

- Nossa... Eu nunca pensei nisso. – tentou disfarçar a vergonha – Talvez um dia, quem sabe... – sorriu sem graça – Você faria algo assim?

 

Juliana mexia nos fios de cabelo em movimentos repetitivos demonstrando seu nervosismo com o assunto.

 

- Acho que sim... – respondeu demonstrando  uma leveza surpreendente – Eu costumo me render às minhas vontades.

 

Pousou seus olhos em Juliana, que a olhava com curiosidade e um misto de excitação física que ela não conseguia definir exatamente de onde vinha. Ela ficava intrigada com a mulher que estava ali em sua frente ao mesmo tempo que a achava linda, doce e surpreendente.

 

Mudaram de assunto depois de uma risada sem graça de Juliana, que não aguentou manter seu olhar fixamente em Daniela.

 

Decidiram dormir depois de tomarem um copo d’agua na cozinha.

 

Cada uma em seu devido quarto. Porém, as duas não conseguiram relaxar o suficiente para pegar no sono. Daniela estava finalmente se convencendo de que tinha uma séria queda por sua patroa e que era mais do que uma atração física. Ao mesmo tempo em que no outro quarto, em sua cama gigantesca e deitada encolhida, a ruiva divagava sobre a excitação que ainda estava presente embaixo de sua calcinha, embora mais amena. Como era possível ela estar assim só por causa de uma conversa? Lembrou de Mário, de como se conheceram e dos primeiros encontros... Jamais se sentiu com a guarda tão baixa como estava ali, em frente à Daniela.

 

Dormiram praticamente ao mesmo tempo, mas Juliana acordou primeiro sentindo uma tontura ao levantar-se, junto com uma garganta dolorida e as pernas bambas. Fez xixi e correu de volta pra cama. Sentia frio porém seu corpo estava quente e estranho.

 

Depois de escovar os dentes, Dani foi procurar Juliana em seu quarto e percebeu que ela estava quente além do normal. Desceu as escadas, buscou uma caixa com medicamentos que ficava no armário da cozinha e mediu a febre de Ju, que marcou 38,5 °C.

 

- Ju, você está com febre alta. – colocou a mão na testa da patroa, que mal abria os olhos

 

- Eu to bem... – falou com os lábios quebradiços – Tenho que ir dar aula...

 

- Aula? – sorriu – Nem ferrando que você vai dar aula desse jeito. Onde eu acho o número da escola? Tem no seu celular? – procurou no criado-mudo

 

- Não posso faltar... – Ju sentia seus pés como se estivessem congelados

 

- Pode sim. E vai.

 

Daniela fez duas ligações e conversou com o superior de Juliana. Informou que ela não se sentia bem e que não poderia comparecer a escola por alguns dias. O homem não gostou, encheu um pouco o saco, entretanto Daniela foi firme em dizer que ela não tinha condição alguma de estar lá.

 

- Pronto, já falei com alguém que se chama Rubens. – sentou-se na cama

 

- O coordenador... – respondeu com os olhos cerrados

 

- Isso. – sorriu achando lindo o jeito vulnerável da ruiva – Agora toma esse remédio, você vai ficar bem.

 

- Dani... – segurou a mão da morena – Será que devo ir ao médico? – engoliu o remédio com água

 

- Não precisa, é só um resfriado. – acariciou a mão – Eu vou cuidar de você.

Fim do capítulo