O doce da vida.
POR VITÓRIA
Acordei logo cedo, tomei um banho rápido no meu quarto e coloquei um pijama para falar para a babá, ou melhor, para a outra mãe de minha filha que ela poderia ir enquanto ela dava banho na minha pequena, peguei uma escova de dentes nova e uma toalha de banho limpa para levar pro quarto, mas Eliza pediu para levá-la para casa pois hoje seria a festa do filho dela e eu poderia buscar ela durante a tarde. Arrumei a bolsa da Laurinha com tudo o que seria necessário e depois saí recolhendo as roupas da noite anterior pela sala, sentindo de novo na pele o calor de cada toque e suspirando.
A Laura estava animada para ir e não parava de me cantar "parabéns pra você". Eu estava com um livro infantil nas mãos enquanto minha filha curiosamente lia toda a história para mim, devagar e sem pular palavras, como ela poderia ter decorado aquilo? Deixei ela brincando com o livro, peguei a toalha e a escova e fui perguntar para minha fiel escudeira, Eliza, se ela tinha reparado algo diferente quando a Laurinha começava brincar com os livros e foi quando tive uma surpresa:
- Ela está lendo, Vic! Ela ainda vai fazer quatro anos e parece que nasceu sabendo de tudo. Achei que estava vendo coisas mas sua confirmação me fez perceber que é uma certeza: a nossa menina cresceu!
- Eliza, a nossa menina está nos enchendo de orgulho desde cedo, né?- eu comentei encostando num dos sofás da sala- Lembra do primeiro dia de escola, quando ela nos deu tchau e falou "aquelas são as minhas mães"? Desde então o orgulho dela só cresce.
- Foi divertido explicar aos professores porquê ela tem duas mães e foi ainda mais divertido quando levei ela à aula com meu marido.
- Já passamos por poucas e boas nesses quatro anos, desde minha gestação até hoje, né?
Ela concordou e nós rimos, continuamos contando casos quando a Laura perguntou se não estava na hora delas irem, que queria ver logo o "irmão" dela. Dei um abraço em minha amiga e minha filha quase não me deu tchau de tanta ansiedade.
Passei pela cozinha e peguei dois copos de água, voltei para o quarto e como Gabriela ainda estava dormindo, eu arrumei o copo, a toalha e a escova no criado mudo dela e deslizei pra trás da orelha alguns fios do meu cabelo que insistiam em cair nos meus olhos. Observei ela por alguns instantes e deitei ao seu lado novamente, acabei pegando no sono e aproveitei que era sábado e cedo.
Fui acordada novamente quando senti toques leves por baixo da minha camiseta e recebi um "bom dia" com cheiro de hortelã próximo da orelha. Me virei devagar e ela estava de sutiã e calcinha ao meu lado, Gabi, como ela prefere ser chamada, estava tão linda quanto nunca, com cheiro de banho tomado e a careca úmida na qual dei cafuné fazendo ela fechar os olhos para sentir o carinho.
Ela se aninhou em meu corpo e logo ouvimos um grunhido vindo do pé da cama, quase um latido, mas baixinho. Era Astuto, meu cachorro, o tenho há muito tempo, foi meu companheiro durante anos e hoje é companheiro da Laurinha. O tamanho do São Bernardo não intimidou a minha companhia, que logo o agarrou no chão mesmo, fazendo ele deixar a preguiça da idade de lado e a derrubar no chão, deixando lambidas molhadas no rosto dela. Nós duas ríamos daquela cena e ela o chamava de Bethoven, como o cão do filme, o que me fez rir ainda mais.
Astuto logo se cansou da brincadeira e saiu depois de me dar uma olhada como quem diz "estou de olho". a Gabi tentou me agarrar com alguns pelos pelo corpo e saliva de cachorro no rosto, braços, ombro, cabelo, eu fiz que ia fugir e fiquei de pé na cama, escapando de suas investidas, morrendo de rir.
- Não me abrace assim!!! Vá tomar outro banho- eu falava alto rindo- vou pegar um conjunto novo de sutiã e calcinha para você trocar, mas não me abrace assim- eu estava tentando escapar dela estendendo um travesseiro ameaçando jogá-lo.
- Então vem comigo! Senão terei que te abraçar assim, toda cheia de amor de cachorro.
- Vá se lavando de toda essa baba que eu penso nisso.
Ela saiu em direção ao banheiro, mas não sem antes virar e tirar o sutiã me encarando, depois soltando ele no chão. Me virei para pegar o conjunto novo para ela e tive ótimas percepções do corpo dela molhado e excelentes gemidos presentes no box daquele banheiro.
- Terei que buscar minha filha agora, vem comigo?
- Só se eu ganhar sorvete depois.
- Vamos!
Conversamos o caminho todo até a casa da Eliza, ela me perguntava mil coisas sobre minha decoração de casa quando soltou uma pergunta a queima-roupa:
- Sua filha é adotada? Nas fotos que tem pela casa, ela não parece com você.
- Não, eu gerei ela. Foi uma inseminação com óvulo fecundado de outra pessoa.
- E você pensa em ter mais filhos?
- Claro! Só vou esperá-la crescer um pouco mais.
- E adotar?
- É uma possibilidade excelente- pousei a mão sobre a perna dela, que encarou o toque e sorriu.
- Eu sou adotada pela minha mãe, ela me adotou quando eu tinha a idade da sua filha, aliás, qual o nome dela?
- Adotar é um ato lindo! Nos meus planos de adoção eu pretendo adotar uma criança mais velha, por isso quero que Laura cresça, para que sejam companheiras além de irmãs. Laura é a minha filha.
Ela sorriu e me acalmou com a compreensão que tinha naqueles olhos, eu sempre gostei de gente que sorri com os olhos e essa moça me faz sentir adolescente que fica ruborizado com tudo o que venha da outra pessoa. É como se eu a conhecesse há mais de 1 dia, como se fosse fácil entender o que ela sente ou quer. Aproveitei o semáforo vermelho e a beijei delicadamente, sua mão direita pousou em meu rosto fazendo carinho com o dedão no meu maxilar.
A Laura pulou em mim quando me viu, os cabelos enrolados dela logo se encontraram com meu rosto, o cheiro dela eu reconheceria de olhos fechados e lutaria contra qualquer coisa que o quisesse levar embora. Ficamos ali naquele abraço até que ela olhou para Gabriela no carro perguntando quem era ela. Se aproximou da porta em que Gabriela fingia estar dormindo e ficou olhando, segurando minha mão, mas a salsa dorminhoca logo abriu os olhos e assustou a pequena, que caiu na gargalhada segurando a barriga, fazendo todos que estavam próximos rir junto.
- Qual seu nome, senhorita? -a Gabi falou estendendo a mão para Laura.
Laura a encarou a abriu os braços sorrindo, ela abaixou e abraçou a menina, que deu um cheirinho em sua careca e falou:
- Tem cheiro de chiclete seu cabelo.
- É que na verdade eu sou toda feita de chiclete, mas esse é nosso segredo, tudo bem?
De uma forma agradável a gente voltou pra casa, a cadeirinha da Laura voltou pro banco de trás e nós seguimos conversando até uma sorveteria que ficava próxima dali.
POR GABRIELA
A filha da Vitória é uma criança incrível! Não parece que ainda fará 4 anos, é uma tagarela, fala sobre tudo o que vê.
Na sorveteria ela provou do sorvete de todo mundo e fez uma grande sujeira de criança na mesa e na própria roupa, mas tudo foi resolvido quando chegamos na casa delas. A Laura estava animada para brincar com o Astuto- não acredito que deram esse nome ao Bethoven- e depois que tomou um belo banho para se livrar do sorvete, foi pra sala brincar com ele de bonecas e no fim ele virou travesseiro dela. A Vitória me deixou tomando conta do almoço- ainda não tínhamos feito nada para comer e nem comido nada além do sorvete, eu fiquei feliz porque tinha sorvete diet lá e estava uma delícia- enquanto foi colocar a pequena na cama.
Eu estava esperando ela chegar encostada na Janela olhando a rua lá fora e ouvindo o silêncio quando ela voltou e perguntou o que eu gostaria de comer, mas já sugerindo que fosse o seu arroz a grega com hambúrguer de soja, ervilha e shitake, purê de abóbora e a sobremesa seria por minha conta. Eu fiquei com fome só de saber do cardápio, mas fiquei sem jeito de falar que eu não saberia qual sobremesa preparar para nós porque sou diabética.
- Vic- eu falei abraçando ela por trás- quais frutas você tem aqui? Eu não sei se você tem algum ingrediente diet aqui, sou diabética e você me deixou com a pior parte do preparo.
- Eu sei que é diabética- ela virou para mim e me abraçou pela cintura, eu acomodei minhas mãos nos seus ombros- eu vi as marcas da aplicação de insulina na sua barriga, mas a Laura também é, descobrimos cedo, ela tinha 1 ano e um pouquinho, quase nada aqui tem açúcar, é complicado para ela e foi para nós lidar com as aplicações numa bebê tão pequena. E você comentou feliz porque tinha sorvete diet de todos os sabores na sorveteria, sempre levo a Laurinha ali, é o lugar favorito dela.
- Uau! Temos uma mulher muito observadora aqui- eu segurei seus cabelos e nuca com a mão direita e fiz uma leve pressão com a cabeça dela para trás, beijando seu pescoço- então me deixa observar você mais de perto.
No instante seguinte ela estava dominando nosso beijo e parou, se afastou e disse que tínhamos um almoço a fazer.
Eu estava muito feliz fazendo nossa sobremesa, cortei frutas e montei elas num copo com muito doce de leite, que levaria sorvete de baunilha por cima na hora de servir e coloquei tudo coberto na geladeira disposta a ajudar a Vic com o almoço.
Eu só consegui ajudá-la a colocar o hambúrguer no forno, porque ela já tinha preparado todo o resto, foi quando começamos conversar sobre a vida e contar como chegamos até ali, como nos tornamos quem somos e onde pretendíamos chegar depois de tudo isso.
- Eu pego a sobremesa! - Falei num pulo antes dela levantar, tirei os pratos e coloquei na pia, peguei duas colheres e servi o sorvete sobre as frutas e o doce de leite- Vic, espero que goste.
- Estou na sala, Gabi. -eu chegava com os copos e ela me encarava como se fosse me devorar sem nem mesmo tirar meu vestido- uau! Só de olhar me enche os olhos. - Ela disse olhando pro copo que eu coloquei na mesa de centro me exibindo necessariamente sob seus olhos.
- Deixa eu sentar aqui.
Me sentei de lado no colo dela na poltrona larga. Ela pegou seu copo e fechou os olhos pra sentir o sabor do kiwi com o sorvete e o doce de leite que vieram na primeira colherada.
- Isso aqui está muito bom! A Laurinha vai pirar se provar isso, ela adora frutas e sorvete.
- Eu acho legal que não priva ela dos sabores da vida. Ela entende bem essa limitação da dieta?
- Ela ainda pergunta porquê não pode comer o que ganha nas caixinhas surpresa dos aniversários na escola, mas ela não come nenhum dos doces- ela disse comendo mais da sobremesa-, um dia fui chamada porque ela comeu o bolo de um coleguinha na escola, deitou e dormiu a tarde inteira, sem acordar. Eu corri pra escola, que fica próxima da sua casa, aliás, e quando cheguei lá já tinha até ambulância pra levar ela, mas a professora era nova e ninguém avisou a ela que a Laura não poderia comer doce, medi a glicose dela e estava alta como nunca esteve, ela estava quente e mole no meu colo, mas eu não tinha como me desesperar mais do que já estava, apliquei a insulina e aos poucos a temperatura do corpo dela diminuiu, fomos para o hospital onde ela ficou de observação e a professora ficou todo esse tempo conosco, perguntando sobre como a Laura lidava e como eu lidava com aquilo, viramos amigas depois e ela é a parceira da Laura hoje. Pensei que ia perder minha filha naquela hora, isso não faz 1 ano ainda, mas eu pensei que perderia a Laurinha ali.
- Nossa! Eu imagino que tenha ficado maluca com tudo isso. Minha mãe sofreu para se adaptar a tudo, os remédios e a insulina era muito caros, até que conseguimos auxílio do governo algum tempo depois e eu tive uma vida normal depois disso, sempre tinha medicação e acompanhamento.
- Não entendo como alguém tão doce é diabético.
- Ai que piada boba, Vitória- eu caí na risada dando um tapinha no ombro dela- essa vai para lista de uma das piores que já recebi, mas se eu for tão gostosa quanto esse doce aqui- eu provei do sorvete e disse depois dele dissolver na minha boca- eu perdoo e aceito o elogio.
- É ainda mais- ela disse bem baixo, quase não pude ouvi-la.
- O que disse?
- Que você é ainda mais gostosa que esse doce- ela tirou o olho do copo, agora vazio, e encontrou meu olhar com os olhos ardendo de desejo, como quem não conseguiria e nem gostaria de se privar daquela sensação interna.
Eu me levantei e tirei o copo da mão dela...
[continua.]
Fim do capítulo
Notas finais:
Esse capítulo ficou um pouco mais longo que os outros- eu sei- e acho que prefiro fazer capítulos assim.
É só isso mesmo.
É só isso mesmo.
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