- Então foi lá que a Carolina esteve todos esses anos! Quem diria...

Félix estava atento a tudo que Ana lhe contava. Não conseguia imaginar a dor que Carolina deveria ter sentido durante todo aquele tempo. Estava mais que impressionado com o que Malvina fez durantes aqueles anos, para separar as duas. Não gostava muito de Malvina, achava a mulher fútil demais. Mas depois das coisas que Ana falou sentia um desprezo muito grande.

- Sim, Carol esteve junto comigo, nos médicos sem fronteiras... Era minha assistente favorita! – Ana sorriu lembrando como Carol levou jeito para cuidar daquelas pessoas. – Sabe o que é engraçado?

- O que? – Fitou-a curioso.

- É que as pessoas pensam que estávamos vadiando pelo mundo á fora... Quando na verdade estávamos fazendo algo de útil nele. Mas tudo bem, não ligo muito pra esse povo! – Olhou nos olhos do homem a sua frente. – Há que conclusão o Senhor engomadinho chegou?

- Bom... Miss bumbum! São muitos fatos a serem analisados... Mas tem uma coisa que me intriga! – Disse pensativo.

- O que é?

- Hum... O que Malvina tem contra elas? Por um momento cogitei a possibilidade de Malvina estar apaixonada por Carolina, mas... – Foi interrompido.

- Que coisa mais nojenta de se falar! Só você pra pensar que Carolina pegava a mãe e a filha... É um pervertido mesmo!

- Calma! Eu levantei uma possibilidade... É isso que faço, eu penso em inúmeros possíveis fatos, nem sempre erro... Mas Malvina tem alguma obsessão por Carol e precisamos saber o que é.

- Eu sei disso... Eu sempre achei que ela tinha um trunfo na manga, ou melhor, alguma mentira! Ela deve ter usado isso no momento certo... Ou usará. Mas por enquanto não podemos fazer muita coisa, pois... – Dessa vez foi Félix que interrompeu.

- Pois algumas respostas estão bem guardadas na mente de Manuela. – Olharam-se por alguns instantes. – Você acha que ela poderá recuperá-las?

- Sim... E acho que ela já deve ter se lembrado de algumas coisas... Mas é muito cabeça dura para falar. – Notou que Félix estava pensativo. – O que foi?

- Por que alguém tem sempre que perder?

- Você vai desistir sem tentar? – Não estava acreditando, Félix a estava surpreendendo cada vez mais.

- Sei quando não tenho chances em uma causa... Só iria prolongar sofrimentos desnecessários.

- E o que pretende fazer? – Perguntou curiosa.

- Nesse exato momento te levar para jantar... Pois estamos aqui há um bom tempo. Estou morrendo de fome!

- Há sim? E o que lhe faz pensar que irei jantar com você? – Disse irônica.

- Tudo bem! Tem umas lindas recepcionistas lá em baixo... Acho que algumas delas não irão negar! – Levantou-se e foi em direção à porta.

- Vai nessa! Estou revendo meu quadro de funcionários, por isso elas não poderão sair... Mas farei este sacrifício! – Falou pegando seu casaco e saindo na frente de Félix.

- Nunca vi uma mulher tão marrenta!

Félix estava na porta do apartamento de Ana. Era um cavalheiro e não a deixaria ir sozinha. Ana o convidou para entrar, para que bebessem alguma coisa. O rapaz andou até a estante enorme de Ana e viu que uma era destinada somente a DVD’s. Quem diria que a Miss Bumbum era chegada em cinema! Mas a quantidade de livros era impressionante, observou que tinha tanto de medicina – obvio pensou ele – como de arquitetura, outros de direito... Até mangás com as coleções completas.

- O que olha com tanto interesse? – Quando Félix voltou-se para Ana, viu que a mulher estava de regata e shorts, bem à vontade.

- Você já leu tudo isso? – Perguntou incrédulo.

- Li, alguns reli... E sim, já assisti tudo também. Mas porque pergunta? – Viu a cara de Félix que estava impressionado.

- Nada... São muitas coisas, você deve ter tempo.

- Na verdade não tinha muito que fazer, e quando viajava era a única coisa que me divertia... Além das noitadas.

- Claro! Nada como uma boa noitada! – Félix sentiu-se incomodado. – E os seus namorados nunca reclamaram?

- Namorados? – Ana gargalhou alto. – Nunca namorei, até onde eu saiba.

- Não? – Como uma mulher linda e com uma estante dessas nunca namorou? Pensou consigo.

- Não! Ninguém nunca me interessou por tanto tempo... Eu enjoo fácil das pessoas. Sei lá...  

Quando derem por conta estavam os dois deitados no sofá assistindo o filme “Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel”. O filme estava na última cena quando Félix olhou para o lado e viu que Ana dormia tranquila. Sorriu ao vê-la tão frágil. Pegou-a nos braços e a colocou na cama. Não poderia ir embora, afinal quem trancaria a porta? Sem contar que já era demasiadamente tarde, e o sol não demoraria á nascer. Tirou os tênis e deitou-se ao lado dela... Seria muito divertido ver a cara de Ana ao acordar pela manhã. Riu sozinho enquanto o sono chegava.

§

Carolina seguiu Manuela sem interrupções, apenas queria ver aonde tudo aquilo iria levas. Assim que chegaram até a varanda daquela delicada cabana, Carol viu Manuela parar e se virar de frente para ela. Notou como moça estava sem saber o que fazer... Perdida em seus pensamentos. Não queria que sua amada sofresse, mas como evitar aquele sentimento que também lhe dominava o coração.

- O que você quer de mim, Manuela? – A moça desviou o olha. – Não há entendo! Uma hora quer que eu seja puramente profissional... Na outra me beija como se tivesse medo de me perder... Aí depois você fica nesse estado. O que quer de mim? Eu já não sei mais o que pensar! – Desabafou sabendo que não dava mais para ficar fingindo. Tinham que tomar alguma decisão... Já estava insustentável.

- Não sei explicar... – Ainda não olhava para a sua chefe.

- Pois tente! – Carol foi firme e conseguiu o olhar da moça. Carolina sentou-se no pequeno degrau que dava acesso ao tablado de madeira da varanda. Manu sentou-se ao seu lado, as pernas se encostaram, não havia como não se encostar e ficariam assim até que uma das duas se levantasse. – Nada que você falar... Será pior que este silêncio.

- Eu... – Olhou para a lua, que ainda estava naquele esplendoroso céu. – Não sei quem eu sou quando estou perto de você! E isso me irrita... Eu faço coisas que não compreendo, sigo extintos que nem sabia possuir! Nunca fiz nada parecido com o que acabei de fazer!

- Ficou meio redundante essa última frase... – Carol sorriu e Manuela a acompanhou.

- Nem mesmo sei como falar... Você me tira do prumo, sabe? – Fitou o céu.

- Sei... Esqueceu que entendo de prumo? – Carol viu o sorriso se formar naquele lindo rosto.

- Sim, você é uma ótima arquiteta!

- Mas não quero ser uma ótima arquiteta... Quero ser uma ótima pessoa Manuela, mas não sei se estou agindo certo em relação a nós! – Manu olhou-a profundamente.

- Do que está falando?

- Félix?! – Manuela pareceu ficar pensativa. Era a primeira vez que se recordara que namorava o rapaz. – Nem ao menos pensou nele?

- Pra ser sincera... Não. Você povoa todos os meus pensamentos e desde aquele beijo... Eu... Não consigo parar de pensar em você. – Carolina viu as bochechas de Manu corarem, mesmo com a iluminação baixa daquele local, ela pode ver.

- Em que sentido Manuela? – Perguntou nervosa. Queria muito ouvir, o que há anos não escutava.

- Em todos Carolina! Eu até sonho com você... – Manu fitou os lábios de Carol que estavam convidativos demais. Carolina notou o olhar e a aproximação.

- O que está fazendo Manu...

- O que quero fazer desde que parei! – Olhou nos olhos de Carol – Voltar a te beijar...

Manuela beijou a Carol demoradamente. Sem pressa. Sem receios. Sem medo... Somente saboreando cada parte daquela boca, que a enlouquecia a cada escapada de gemidos. Carolina apenas sentiu quando seu corpo foi arremessado contra a cama. Não sabia como chegou ali, mas não se importava estava louca para ter aquela mulher em seus braços... Com aquele perfume que inebriava seus sentidos.

Mas assim que a jovem sentiu a mão de Manuela deslizar por sua cicatriz foi como se ela desperta-se de um sonho. Manu notou que o corpo da jovem ficou tenso e olhou em seus olhos. Não compreendia o que se passava com Carolina, mas a vontade de tê-la era maior que tudo. Manuela estava beijando o pescoço de sua chefe quando sentiu o toque daquela mão em seu peito, parou o que estava fazendo e a olhou.

- Desculpe Manu... Mas não posso fazer isso... – Manuela estava incrédula e o pior... Cheia de desejos.

- Como? – Sentiu Carolina respirar fundo.

- Isso não é certo... Não é somente pelo Félix, mas por nós. Por você e por mim. – Manuela estava perdendo a paciência, realmente aquela mulher a tirava dos eixos.

- Você tem algum problema Carolina, só pode! Diz que me ama, que sempre me amou... Mas na hora que pode me ter em seus braços, age desta maneira! – Dito isto saiu de cima de sua chefe. – Carolina sorriu fraco.

- Por que não quero tê-la apenas por uma noite! Nem quero ter um caso de patrão e funcionário com você! E é isso que vai acontecer se trans*rmos aqui... E agora! Como você iria se sentir no outro dia em Manuela... Como você iria agir? – Manu fechou os olhos, as palavras de Carol eram verdadeiras. – Eu a amo! Sim! Há amo tanto que não quero apenas uma trans* casual. Não quero que haja um noivo entre nós. Não quero que haja quilômetros de distancia da nossa realidade, pois aqui é um lugar lindo e encantador... Parece que estou em um sonho. E sabe qual é o problema com os sonhos? Quando acordamos a realidade dói!

Manuela olhou fundo nos olhos daquela mulher, tão fundo, que sentia sua dor. Estava agindo por impulso. Por ciúmes de Gabrielly! E tinha pleno conhecimento de que Gabrielly foi apenas um modo de fazer o que queria há muito tempo, mas que todos os seus pensamentos e suas preocupações não há deixavam.

- Me perdoe... – Foi o que conseguiu dizer, mas Carol manteve-se em silêncio. – Eu agi por ciúmes daquela mulher. Fiquei com raiva ao ver como ela estava se jogando pra cima de você... Eu não pensei em como você se sentiria... – Uma lágrima escapou dos olhos de Manu.

            - Eu sei Manu... – Carol secou sua lágrima, mas manteve distância. – Eu a conheço! Quando você veio em minha direção... Com aquele olhar... Sabia o que estava se passando.

- Você me odeia? – Seus olhos estavam tristes, por medo da resposta.

- Como eu poderia odiar você? – Sorriu carinhosamente. – Mas quero que você resolva alguns assuntos com o seu coração... Pois o meu sabe o que quer. – Beijou-lhe a face carinhosamente e sorriu. – Bom vou para o banho, pois meu corpo tá em chamas, se é que me entende...

Manuela sorriu pelo modo leve que Carolina conduzia as coisas. Viu a jovem se afastar e deitou na cama. Sua chefe tinha razão! Se tivessem se entregado a luxúria do prazer, talvez as coisas andassem por um caminhado diferente... Talvez a magoa do passado sem respostas fosse um obstáculo há mais. Havia coisas que Manuela não sabia, não lembrava, não compreendia... Mas tudo que Carolina falou a fez perceber que não poderia amar alguém se não fosse ela.

- Assim que voltarmos para o Coronado, terei uma conversa definitiva com Félix. Mas tenho certeza que a dor de cabeça se chamará Malvina...

A moça pegou no sono antes mesmo de Carolina sair do banho.

Fim do capítulo