Continuei naquela apreensão toda a espera da reação de Camila por alguns segundos, que para mim pareceram eternos. Me sentia como aqueles jornalistas, músicos, poetas e afins que chegaram a enfrentar aquelas salas de tortura durante a Ditadura Militar.  

Acredito que a única vez que fiquei em tal estado de preocupação foi quando criei coragem e me revelei pra minha mãe aos 17 anos, quando havia passado no vestibular e sabia que moraria fora. Não sou suicida, né? Sabia que não teria clima para continuar em casa depois disso.

Mas, voltando ao presente, estava diante de uma situação muito semelhante e igualmente tensa nesse momento. E novamente não fazia ideia de como ficaria o relacionamento com a outra pessoa, depois dessa notícia. Em casa, foi definitivamente espinhoso durante meses e esperava ardentemente não ter que passar por aquela rejeição que tive na época mais uma vez.

Quando Camila resolveu se manifestar, prendi totalmente a respiração e esperei pelo pior.

-- É que... estou tão surpresa com tudo o que você me falou que... não sei mesmo o que te dizer. Nunca tive preconceito e nem tenho, mas acho que só preciso de um tempo para digerir toda essa informação bombástica...

Respirou como que tomando coragem e continuou seu discurso:

-- Jamais esperaria algo assim de você. Sei lá, acho que ainda temos uma visão de que as pessoas homossexuais tem um tipo específico de aparência e comportamento. Sabe, acho que sou meio antiga mesmo, apesar de ter apenas vinte e dois anos, pensava até agorinha pelo menos, que gays tinham que ter aquela atitude purpurinada e que as lésbicas seriam todas iguais, daquele tipo masculinizada, que mais se parecem com homens. E você sempre me pareceu muito mulher e tem atitudes bem femininas, entende? É um pouco difícil digerir isso nesse momento.

Tentei interrompe-la, mas ela fez um gesto com as mãos me informando que ainda não havia terminado.

-- Saiba que gosto muito de você e espero que me desculpe, mas ainda não consigo aceitar muito bem essa situação. Quero continuar sua amiga, mas preciso de um tempo para pensar e rever meus conceitos internos. Me desculpe mesmo Sophia. – disse e despedindo-se da Gabi, foi andando rumo a saída da faculdade.

Fiquei um pouco triste pela sua atitude, no fundo esperava uma aceitação imediata da sua parte, mas pelo menos não teve nenhuma cena muito drástica e ela até que me pareceu compreensiva. 

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Passaram-se exatamente cinco dias daquele episódio da revelação e Camila não havia voltado mais para a faculdade, para mim ela estava me evitando, e eu já me encontrava num estado de ansiedade crônica para saber o que aconteceria a partir de agora com nossa amizade. Quando finalmente, numa quarta-feira de muito calor, eis que a linda morena reaparece esbanjando toda a sua simpatia e charme inegáveis num vestidinho de tirar o fôlego.

Na hora do intervalo, Camila veio em nossa direção, minha e de gabi, e meu pobre coração parecia que saltaria do peito de tão intensamente que batia. Sentou-se ao meu lado na mesa do refeitório e pegou em minhas mãos. Naquele momento senti uma vertigem tão forte que pensei que cairia dura ali mesmo, de tantas emoções e arrepios que aquele simples toque me proporcionou.

Ela me olhou com uma cara de filho pródigo arrependido, que foi impossível não me sensibilizar. Não foi necessário palavras para entender que ela estava me pedindo perdão pelo afastamento. E como eu realmente entendia de certa forma sua reação, fiquei verdadeiramente feliz por confirmar que tudo ficaria bem afinal de contas, quando ela se pronunciou.

-- Me desculpe por qualquer coisa. Amigas, certo? – me olhou de forma ansiosa e questionadora.

-- Claro. – fui mesmo monossilábica, afinal estava achando que teria um treco a qualquer momento devido sua presença e aceitação.

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No outro dia, em nosso horário de almoço, Marcela e eu estávamos em um restaurante e me lembrei de contar a respeito do trabalho que teríamos que fazer sobre homossexualidade. Acho que foi coisa do destino, pois ela com toda a sua criatividade característica, acabou por me dar a ideia de ir em uma boate gay para fazermos a pesquisa para nosso trabalho.

-- Afinal Soph, onde mais você encontrará tantos gays e lésbicas por metro quadrado que em uma boate do gênero? – disse tudo isso arqueando constantemente as sobrancelhas, como se me dissesse que era a própria genialidade em pessoa.

Não pude deixar de concordar que era realmente uma boa ideia para arrumarmos um bom grupo de pessoas para a realização da pesquisa. Mas não sabia se ou outros aceitariam ir tranquilamente a uma boate desse tipo. Teria que perguntar e ver se concordavam ou não.

Marcela me acordou novamente para o mundo real me intimando:

-- Olha só, hein! Se a minha ideia for aceita, por uma questão de dívida de honra, você terá que me levar junto. Não aceitarei outra conduta, ouviu?!

Fiquei totalmente surpresa naquele momento, jamais imaginaria que Marcela algum dia fosse dizer que queria ir em um lugar “colorido”. Sei que ela não é mesmo preconceituosa, afinal sempre saíamos juntas como casais quando ambas namorávamos, mas nunca fomos e ela nunca mostrou nenhum indício de interesse em frequentar esse tipo de local.

-- Estamos entendidas, Soph?

Apenas confirmei com um menear de cabeça, porque ainda não tinha me recuperado do choque inicial com a exigência feita pela minha melhor amiga.

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Naquele mesmo dia a noite, no momento do intervalo reuni todos os outros integrantes do grupo Ari, João, Carlos, Gabi e Camila para falar-lhes da referida ideia.

-- Então, galera! Minha melhor amiga me deu uma luz para realizarmos o trabalho do professor Jonathan e como realmente achei uma proposta interessante resolvi ver se vocês aceitariam...

-- Fala logo Sophia – Gabi, sempre ansiosa foi me interrompendo.

-- Não é nada muito espetacular, mas é que não sei se aceitarão por causa do local que teríamos que ir. Então, a Marcela acha que não há melhor lugar para nossa pesquisa que em uma boate gay, pois lá teríamos muitas pessoas para responder os questionários e embasar nossos argumentos.

Eles ficaram pensativos um instante e logo foram dando suas opiniões:

-- Eu concordo plenamente – esse foi o Ari, que não entranhei, pois ele também era do time dos coloridos.

-- Eu não me importo e acredito que é mesmo uma boa ideia – essa foi Gabi, com seu habitual desprendimento.

-- Numa coisa tenho que concordar, não encontraremos tantas espécies desse tipo, de forma tão fácil de outra maneira. Além disso, não seria nada mal se por ventura encontrasse alguma bi para um ménage – disse o João, com um risinho cafajeste e com seu natural descaramento.

Camila apesar de um pouco reticente, não pode deixar de aceitar e acabou combinado que iríamos a boate Affs, a maior e mais famosa da cidade, no sábado mesmo, dali dois dias apenas.

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No outro dia, assim que cheguei a agência, falei com Marcela sobre a concordância do meu grupo e avisei que iríamos no sábado porque tínhamos pouco tempo até a data do debate. Ela concordou, mas não falou nada, o que prontamente achei estranho. Marcela calada é sinal de que o fim do mundo está próximo mesmo.

Perguntei-lhe se tinha acontecido algo, mas ela saiu pela tangente:

-- Soph, agora não dá pra conversar, que estou mais enrolada que espiral de caderno. Preciso urgentemente começar a elaborar uma pesquisa de mercado, senão o Gil vai vender meu rim na feira de domingo. A gente se fala depois, tchau. – e foi saindo meio correndo, como se fosse uma fugitiva da polícia.

Fiquei com uma sensação estranha e em total estado de alerta, visto que para ela não me contar, deveria ser chumbo dos bem grandes.

Resolvi sair para almoçar sem chamar Marcela, pois sei que quando não está bem, gosta de ficar sozinha para pensar. Já estava descendo as escadas e indo em direção a rua, quando sinto alguém me puxando inesperadamente. Meu Deus! Acho que sou perseguida por pessoas que acreditam estar na idade das pedras, para saírem me arrastando assim.

Era Marcela, com uma apreensão incomum. Só me deu um risinho sonso, devido minha cara naquele momento, afinal fiquei mesmo muito assustada com a abordagem. Só o que pensava era que ela não estava mesmo bem, pois em situações normais teria caído na gargalhada, pois adorava me assustar.

-- Sabe, Soph! Preciso te falar uma coisa antes que perca a coragem – Marcela começou me dizendo claramente desconfortável.

-- Diga – foi tudo que disse, num fio de voz, pois fiquei um pouco apreensiva, ela estava séria demais e isso não era nada normal.

-- É... que... – ela estava mesmo gaguejando? Fiquei mesmo surpresa e ainda mais ansiosa para ver o que ela ia me dizer. Ela respirou fundo várias vezes e eu, já subindo pelas paredes de tanta curiosidade, não me agüentei e exclamei:

-- Que isso Marcela?! Desde quando temos problema para contar algo uma para outra? Somos amigas há treze anos, qualquer coisa que tenha para me falar sabe que vou compreender.

Parecendo mais aliviada, Marcela sem nenhum aviso simplesmente dispara, me deixando com a cara no chão.

-- É que tenho que te contar... que só insisti para você me levar nessa tal boate porque jamais iria sozinha e... porque tenho também curiosidade de saber como seria ficar com uma mulher e... acho que vou experimentar no sábado. É isso, tenho que ir. Bye.

Meu queixo literalmente caiu e devo ter ficado com a boca aberta por incontáveis minutos, mesmo depois de Marcela despedir-se e voltar para a agência. Se tivessem me dito que o papa havia se revelado gay, não teria ficado tão surpresa como estava com aquela revelação.

Fim do capítulo